“Espero sinceramente que as pessoas em Portugal estejam muito dispostas a defender os valores europeus comuns”, disse em entrevista à Lusa Elena Zhemkova, que esteve hoje em Lisboa no âmbito de uma ronda a vários países para falar dos direitos humanos na Rússia e reunir ajudas.
Lembrando que Portugal saiu de um regime autoritário há relativamente poucos anos (em abril de 1974), a ativista confessou que gostaria de ver a Rússia a seguir o exemplo e lembrou que Portugal já foi um alvo do Presidente russo.
“Quando [Vladimir] Putin chegou ao poder, em 1999, a primeira coisa que disse foi que queria que a Rússia alcançasse o PIB [Produto Interno Bruto] de Portugal”, recordou.
Na altura, explicou, o PIB de Portugal era o dobro do da Rússia” e, portanto, “era preciso que a economia russa recuperasse e até ultrapassasse” a situação portuguesa.
“Curiosamente, por volta de 2014/2015, os PIB eram idênticos”, mas “em 2021 e 2022 a [riqueza produzida na] Rússia voltou a ser metade da de Portugal”, afirmou a diretora executiva da Memorial, sublinhando que estes dados mostram “o quanto a Rússia perdeu” nos últimos anos.
E não foi só na economia que a situação regrediu, disse.
A situação dos direitos humanos na Rússia é atualmente “muito má”, não só porque “muitas pessoas veem os seus direitos violados”, mas também porque quem os quer defender “tem pouca força”, referiu a ativista, enfatizando que o problema não é regional.
“Provavelmente, as pessoas em Portugal pensam que isto é só na Rússia e na Ucrânia, que está muito longe, mas não é. A guerra está ao virar da esquina”, lembrou.
Por isso, defendeu, é essencial juntar forças e diferenciar o regime da população em geral.
“As pessoas da sociedade civil são uma força e, juntas, podem deixar para trás o mal”, referiu.
“Mas é preciso diferenciar os russos enquanto pessoas e a Rússia enquanto regime”, adiantou Elena Zhemkova.
“As vítimas merecem compaixão e compensação e os perpetradores devem ser punidos”, disse, acrescentando que tem de se continuar a ir aos tribunais, “a aconselhar as pessoas, a ajudá-las a superar o medo e expressar a sua posição” e isso é um trabalho para toda a sociedade civil.
Para proteger as pessoas, a primeira coisa que é preciso é restabelecer o Estado de direito na Rússia, considerou, lembrando que a organização Memorial tem um lema: “tem de haver justiça e equidade para todos”.
A organização Memorial Internacional, um dos mais antigos grupos de direitos civis da Rússia, foi mandada fechar na Rússia, depois de ter sido considerada como “agente estrangeiro”, um conceito que implica ser conotado como inimigo pelo Estado.
Criada inicialmente para documentar os crimes do regime estalinista e lembrar as vítimas dos campos de trabalho forçado russos (Gulag), desenvolveu-se ao longo dos anos, tornando-se uma organização de defesa dos direitos humanos responsável por investigar os abusos e abrangendo mais de 30 organizações regionais em países como a Austrália, Bélgica, República Checa, França, Alemanha, Israel, Itália, Lituânia, Polónia e Ucrânia.
No ano passado, recebeu, em conjunto com o ativista dos direitos humanos da Bielorrússia, Alex Bialiatski, e o Centro Ucraniano para as Liberdades Civis, o Prémio Nobel da Paz.
“No dia em que soubemos que tínhamos recebido o Prémio Nobel, o tribunal russo decidiu retirar-nos o edifício onde trabalhávamos, que era propriedade da Memorial”, avançou a diretora executiva, garantindo que isso foi “um golpe duro”.
Tratava-se de “um ponto muito importante da memória e dos direitos humanos e eles liquidaram a organização”, admitiu, referindo que se tratou de “uma vingança” das autoridades pelo prémio.
“Mas temos de continuar”, adiantou, recordando que “há mais de 20 mil pessoas com processos administrativos e criminais” por se terem oposto à guerra.
“Não podemos desesperar nem cansarmo-nos, temos de continuar, porque a guerra ainda vai durar muito tempo”, concluiu.
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