"Xiquinho", "Papa Xico", "Fran", são estes, entre outros, os nomes pelos quais os jovens chamam o Papa. Todos ouvidos hoje, antes, durante e depois da Cerimónia de Acolhimento no Parque Eduardo VII. Os jovens estão tu cá, tu lá com o Papa, mas para muitos foi mesmo "eu cá, o Papa lá". É que, do meio milhão de pessoas que acorreu ao centro de Lisboa para ver o Papa, muitos não conseguiram esse objetivo.

Por este dias, já se sabe, Lisboa parece uma espécie de mundial de futebol, bandeiras altas, colunas, muito barulho, muito calor e muita alegria. O que faz um quadro muito bonito, mas dificulta a vida a quem vê na JMJ a oportunidade de ver o Papa. A subir a Avenida da Liberdade, mãe e filho estão instalados em duas espreguiçadeiras, uma geleira a fazer de mesa no meio, e refastelados olham o ecrã horas antes da chegada do Papa. Espanhóis, vivem em Frankfurt, e vieram a Lisboa "ver o Papa". Preferiam que fosse de perto "mas assim também está muito bem". Não são peregrinos, não estão inscritos na JMJ, mas isso não os impedirá de tentar até ao último dia, "alegramo-nos com a possibilidade de estar aqui, com a possibilidade de o poder ver".

Mais à frente, dois jovens franceses erguem cartazes com a frase "free hugs", abraços grátis, e não era só uma expressão tanto que foi difícil conseguir a sua atenção, tal era o número de pessoas que os queria abraçar. Começam por nos abraçar e depois explicam que não se inscreveram por falta de dinheiro, mas a vontade era tanta que vieram de França a Portugal à boleia. "Queríamos estar com muita gente de muitas nacionalidades, desfrutar do momento e partilhar o que está a acontecer com todos os que aqui estão". Esperam conseguir ver o Papa "nem que seja no ecrã, é um momento muito feliz". Fora do ecrã talvez até domingo, dia em que tentam uma boleia até Valência, "próxima cidade para visitar sem dinheiro".

Ainda na Avenida da Liberdade, a duas horas da chegada do Papa, a confusão é muita. Mesmo debaixo das árvores o calor é muito, apenas o vento vai tornando suportável a tarde. Mas ainda assim a venda de água é pouca, quem o diz é Beatriz que está na banca montada pela Junta de Freguesia desde as 11h00 da manhã. "Estava à espera de vender muito mais água. As pessoas vêm com as garrafas, e as que não trazem garrafa acham que estas águas são muito caras". Ali, uma água é dois euros e três águas custam cinco euros. Beatriz é peremptória, não conseguirá ver o Papa, nem mesmo no ecrã uma vez que não há nenhum que se veja a partir tenda de venda de águas.

Chega-se ao primeiro ponto de controlo, a meio da Avenida da Liberdade, a partir dali só pode passar quem tem credencial, mas isso não quer dizer que o pequeno quadrado de papel seja um passaporte para ver o Santo Padre. E há quem fique pelo caminho ainda durante a revista às mochilas. Uns são encaminhados até aos raios X para efeitos de segurança. E, há quem seja encaminhado para fora do espaço. É o caso do jovem francês com uma garrafa de vinho do Porto na mochila. O polícia tenta explicar-lhe que não pode passar com vidro, outro agente questiona-o do motivo de ter uma garrafa na mochila. O peregrino diz que era uma lembrança para oferecer no regresso a França, insiste, tenta a sorte, faz promessas de bom comportamento. Mas o caminho foi mesmo a porta de saída. À medida que o peregrino e a sua garrafa se afastam, os dois polícias comentam, "ele vem rezar ou vem beber vinho?", "ainda não é padre, pode".

Passa-se o primeiro ponto de controlo e uma banda argentina tenta animar os peregrinos que aguardam pelo Papa, nas t-shirts  levam escrito “quiero caminar contigo, Maria”. Mas os outros peregrinos querem caminhar para guardar lugar no Parque Eduardo VII e com os decibéis das colunas pouco se consegue ouvir os instrumentos acústicos da banda. Uns seguem na busca do tal lugar, outros ficam a dar música a quem passa - terão a mesma sorte no que respeita a conseguir ver o Papa.

"Estava tudo previsto, até a confusão"

Já quase na Praça do Marquês do Pombal há uma fila que ladeia a estrada, os peregrinos começam a posicionar-se para não perderem a oportunidade de ver o Santo Padre. Tudo está calmo, e nem parecem importar-se com a espera debaixo de Sol que têm pela frente. Mas não tarda muito para a calmaria dar lugar à confusão, tudo porque um carro de segurança e um buggy da organização faz os peregrinos achar que se trata do Papamovel, do Papa, e dos seus seguranças. Palmas, gritos contidos, e afirmam como quem questiona "É ele! É ele!", "Vem lá!". Afinal eram só as baias de segurança que iam ser postas.

A forma como os peregrinos se vão ajustando às expectativas, mostra uma vontade de olhar para tudo pelo lado positivo. Duas peregrinas que estavam a regressar para o Marquês de Pombal em busca de um lugar melhor, uma vez que na Colina do Acolhimento já não conseguem. Não desanimam, "isto estava tudo previsto, até a confusão".

Também uma família procura lugar, os mais novos são os mais esperançosos no que respeita à possibilidade de ver o Papa. Mariana tem seis anos e o irmão Carlos tem oito, os dois irmãos escuteiros marítimos vieram do Barreiro para ver o Papa, "e ver Jesus". Carlos diz orgulhoso que já viu o Papa na televisão, mas que acha que hoje só o verá "um bocadinho ao longe". A mãe sorri como quem sabe a verdade, mas não pode cortar as asas à esperança infantil. Carlos diz que se pudesse ver ao perto "dizia-lhe olá e dava um abracinho".

"Fui a Roma e não vi o Papa, agora o Papa vem a Portugal e eu não vejo o Papa"

Maria Augusta Ferreira tenta várias entradas do Parque, mas a resposta é sempre a mesma, sem credencial não pode entrar. "Quer dizer eu fui a Roma e não vi o Papa, agora o Papa vem a Portugal e eu não vejo o Papa." Continua o desabafo, "venho dos Olivais, já fui lá acima, mandaram-me cá para baixo, agora dizem-me que tenho que ir ainda mais para baixo. Dizem que é porque não me inscrevi em nada. Isto é um bocado aborrecido estar em Portugal e não ver". Maria Augusta quer ver o Papa para benzer um terço para o neto, "já quando veio o outro Papa, benzi um terço da minha neta. Agora queria benzer o do meu neto, que ele vai comprar um carro e é para estar protegido. Faço sempre isto aos meus filhos e netos, para os carros e as motas, têm sempre um terço benzido". Tentará a sua sorte até domingo.

Nos megafones ouve-se "Ciao, Papa Francisco", fazendo lembrar aqueles que só vão conseguir ver o Papa através dos ecrãs que o "ciao" ao Papa tem que ser adiado. Mas desengane-se quem acha que estar dentro do parque garante vista para o Sumo Pontífice. Em alguns setores da colina do encontro não vão ver, nem ouvir porque o som alto das colunas baixou drasticamente no exato momento em que a cerimónia começou.

Dentro do parque, Juliana e Luana têm uma vista privilegiada para a estrada por onde passará o Papa, mas aquele que anteviam ser um momento único e de alegria transformou-se em lágrimas e discussão. As duas peregrinas brasileiras, visivelmente alteradas, que explicam ao SAPO24 que estavam ali desde as oito da manhã, a guardar lugar para as 17h45. "Fomos as primeiras a entrar. De um momento para o outro puseram os voluntários à nossa frente dizem que para contenção. Mas não foi, e o voluntário ficou à nossa frente e nós não conseguimos ver o Papa que estava mesmo ali".

"Eu tenho muita fé, eles não têm fé, só estão ali por serem ricos"

Mesmo ao lado, um grupo de jovens portugueses revolta-se com os lugares de convidados. Os voluntários tinham pedido aos convidados que permanecessem sentados durante a passagem do Bispo de Roma, para que os peregrinos  que se encontravam em pé, mais atrás, o pudessem ver. Mas o entusiasmo fez com que quase todos se levantassem e que os peregrinos que guardavam lugar há algumas horas não pudessem ter visto Francisco a passar. E até à intervenção dos voluntários houve gritos para aqueles lhes tinham impedido a vista, "eu tenho muita fé, eles não têm fé, só estão ali por serem ricos".

No fim, depois de terem passado a cerimónia em lágrimas por não terem conseguido ver o Papa, Juliana e Luana tentam perceber se o conseguirão ver a sair. Percebendo que não, há um outro peregrino brasileiro que as ouve e diz "tanta gente a querer ver o Papa e o Santíssimo Sacramento fica sozinho. Temos que ver Jesus, durante a cerimónia conseguimos ver e sentir Jesus por causa do Papa. É nisso que temos que pensar". As duas acalmam-se e soltam um último desejo, "ainda temos esperança na Via Sacra, vamos vir ainda mais cedo".

Na Rua Eugénio dos Santos, com vista para o parque Eduardo VII, os vizinhos não viram o Papa, mas vieram à janela acenar aos peregrinos . Quem visse os jovens a sair da Cerimónia de Acolhimento, tão felizes, acreditaria que todos tinham tido oportunidade de ver Francisco.