Na decisão instrutória hoje proferida, e a que a agência Lusa teve acesso, a Juíza de Instrução Criminal (JIC) Maria Antónia Ribeiro pronunciou (decidiu levar a julgamento) o presidente da Câmara Municipal do Porto (CMP) “nos exatos termos” da acusação do Ministério Público (MP), que imputa ao arguido o crime de prevaricação, defendendo a sua perda de mandato.
“É solidamente previsível que, se submetido a julgamento, venha a ser aplicada ao arguido, em função da prova recolhida nos autos, uma sanção penal”, sustenta a JIC, acrescentando que Moreira, “enquanto autarca e no exercício dos seus poderes, atuou em clara violação da lei”, da qual tinha “plena consciência”.
Na fase de instrução “não foi produzida qualquer prova que pudesse abalar” a acusação, razão pela qual o autarca vai responder em julgamento por prevaricação (de titular de cargo político), em concurso aparente com um crime de abuso de poder, incorrendo ainda na perda de mandato.
O TIC do Porto diz que o arguido “agiu com intenção direta de beneficiar os interesses da Selminho, [imobiliária] da qual também era sócio, em detrimento da CMP”, no litígio judicial que opunha o município à imobiliária, que pretendia construir um edifício de apartamentos num terreno na Calçada da Arrábida, no Porto.
“(…) Do conteúdo da prova produzida em inquérito, da análise, dúvidas não se nos suscitam, num juízo de prognose, que tal prova em julgamento conduziria com razoável e elevada probabilidade - ante o juízo de certeza e segurança que a apreciação da prova em julgamento impõe e exige - à condenação do arguido”, defende o TIC do Porto.
Na decisão instrutória, a JIC começa por fazer uma pergunta.
“Percorrida toda a prova documental, cumpre desde já questionar o seguinte: que estudos específicos foram realizados além dos que já se encontravam disponíveis e que permitissem alterar o ponto de vista do município (de que naquele terreno não era possível construir)? Nenhum. Ao contrário do que refere a defesa do arguido, nada transparece no processo, ao longo de todo o historial do litígio que move a Selminho e a CMP, que a Selminho tivesse alguma expectativa”, sublinha a juíza.
A análise da prova documental permite, segundo a JIC, “entrever que as posições formais do município sempre assumiu nos vários processos municipais sobre a matéria, eram no sentido de rejeição de capacidade construtiva e de recusa de qualquer direito indemnizatório à empresa Selminho”.
“Da análise da mesma prova documental, é já possível alcançar que as negociações e entendimento entre as partes foram realizadas antes do presidente Rui Moreira se declarar impedido e a vice-presidente Guilhermina Rego assinar a procuração para substituição legal, sendo-lhe colocado na frente o acordo já formalizado, a que foi alheia”, lê-se na decisão instrutória.
Para ao TIC do Porto, “o compromisso assumido pelo arguido [em 2014], enquanto representante do município, além de invadir as competências próprias da Assembleia Municipal, quanto à alteração da qualificação do solo do terreno, garante à empresa Selminho a reclamada pretensão edificatória que eram contrárias às disposições do PDM [Plano Diretor Municipal]”.
“Mas mais, compromete-se a, caso a revisão do PDM não garantisse à Selminho o resultado previsto, dirimir o litígio com vista ao apuramento de um eventual direito a indemnização através de um tribunal arbitral, quando não tinha qualquer direito preexistente consolidado, nem antes nem depois de o arguido entrar em funções”, sustenta a JIC.
Rui Moreira assumiu a presidência da CMP em outubro de 2013.
“Desde logo parece estranho, quando o mesmo, assim que inicia funções, pede os processos mais importantes. Perguntando-se como é possível desconhecer a existência de um processo em que uma das partes é precisamente uma empresa na qual tem interesse”, questiona a JIC.
“Um presidente da câmara que sabe da existência de um litígio entre o município que representa e uma empresa na qual tem interesses, ao ter dúvidas sobre a outorga de uma procuração [ao advogado Pedro Neves de Sousa], com poderes especiais e das suas consequências, não se satisfaz com uma informação superficial ‘entre gabinetes’. Por outro lado, a testemunha Azeredo Lopes [à data chefe de gabinete] referiu não ter suficientes conhecimentos jurídicos na matéria. Não se nos afigura plausível”, concluiu a JIC.
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