Juntos em cafés, ou no conforto de casa, os americanos pararam em frente da televisão na noite de segunda-feira. O dia estava marcado na agenda pela primeira mão de um ciclo de quatro encontros decisivos, três deles entre Trump e Hillary e um frente a frente dos vice-presidentes.
A audiência estimada do debate rondou os 100 milhões de pessoas, o mais visto de sempre. Fora da América, com mais ou menos horas de sono, foram muitos os que quiseram ficar ligados ao confronto político do ano. O SAPO24 também acompanhou e conta tudo no artigo: A América nas mãos deles.
Os debates americanos são sempre a dois, não porque as regras definam esse número, mas porque nenhum dos outros candidatos consegue o requisito imposto de ter uma média de 15% nas principais sondagens americanas. O candidato do Partido Libertário, Gary Johnson, esteve próximo, no seu pico ficou a 4% de conseguir marcar presença no debate. Mas a ciência da matemática por vezes engana e 4% na América é mesmo muita gente.
Destes longos meses de campanha há uma conclusão a tirar: Trump é uma pessoa que muita gente odeia e Hillary é alguém com quem pouca gente simpatiza. Os estudos de opinião são claros em relação a isto, e talvez seja neste sentido que os americanos podem vir a usar um fenómeno tipicamente europeu: o voto útil.
Mas há alternativas? Claro que as há. Falamos dos peões desta corrida. Vale a pena espreitar em que contexto é que eles surgem e as suas possibilidade neste artigo.
Histórias do tempo dos verdadeiros cowboys e de Al Capone
Para perceber que alternativas têm os eleitores mais conservadores, mas que não se revêm em Trump, tentámos chegar à conversa com o candidato à Presidência dos Estados Unidos James Hedges. O nome do partido que o apoiava era sugestivo: Partido Proibicionista, talvez a formação política mais distante do “Partido pela Legalização Imediata da Marijuana”. É que entre ser um verdadeiro conservador e um proibicionista, ficámos na dúvida até que ponto podiam ir as políticas de um partido que têm a proibição como uma bandeira.
“Claro que falo consigo”, respondeu prontamente James Hedges, “o meu trabalho é responder a perguntas”. Ainda nem tínhamos começado a falar e já tinha dado a sua definição de um político. E tinha de aproveitar, um jornalista português a falar com um candidato à presidência dos Estados Unidos, em pleno período de campanha, não é algo muito comum.
James Hedges começou logo por pedir desculpa, mas não conhecia a realidade portuguesa. O mais perto que teve de Portugal foi no início dos anos 70 quando esteve em Espanha e Marrocos e imagina que as coisas mudaram muito por cá.
Enquanto Trump e Hillary discutem se os 70 anos de um ou os 68 de outro já são demasiado “pesados” para correrem à Casa Branca, para Hedges os seus 78 anos não são grande problema. Idade à parte, porque corre afinal Hedges? “Corro pela história, para manter a história viva”.
O Partido Proibicionista é hoje muito pouco relevante no panorama político norte-americano, mas nos anos 20 o seu principal objetivo estava cumprido: a proibição do comércio de bebidas alcoólicas estava em vigor. A “lei Seca” marcava a agenda política e nas urnas eram cerca de 200 mil os que escolhiam o partido como a sua primeira opção.
A Lei Seca foi uma lei que, nos anos 20, proibiu a produção, transporte e comercialização de bebidas alcoólicas. Durante o século XIX, movimentos religiosos fizeram campanha contra o álcool, que foi bem-sucedida em vários setores da sociedade, como por exemplo entre os patrões das grandes fábricas, que acreditavam que se não houvesse álcool os trabalhadores eram mais produtivos. A lei veio mais tarde.
Mas proibir nem sempre é a melhor solução e surgiram bares clandestinos e bebidas falsificadas. A corrupção invadiu o país. Políticos e polícias recebiam grandes quantias de dinheiro dos traficantes para fecharem os olhos. Al Capone diz-lhe alguma coisa? Também ele ganhou influência e muito dinheiro com o tráfico de bebidas alcoólicas. Os defensores da luta contra o comércio e consumo de álcool acabaram por se dececionar e, em 1933, a Lei Seca foi abolida pelo Congresso americano.
Da lei Seca aos 518 votos
Na última eleição presidencial, o nomeado pelo Partido Proibicionista, Jack Fellure, atingiu um novo recorde mínimo de votos para um candidato às presidenciais pelo partido: 518. Foi pouco mais de 5% dos votos que o candidato Cândido Ferreira, último colocado na corrida presidencial portuguesa, conseguiu neste ano.
E o que defende hoje o partido, tirando a proibição do consumo de álcool? James Hedges responde: “Somos pela responsabilidade pessoal, pela família, pelo bem-estar da comunidade local, pelas reformas sociais, pelo direito das mulheres e pela igualdade de oportunidades entre pessoas de raças diferentes”.
Se pensávamos que o Partido Proibicionista é um partido partido altamente conservador, apanhamos uma pequena desilusão, até porque o discurso está longe do discurso de Donald Trump. James Hedges não quer fazer um muro, muito menos expulsar os imigrantes.
“Estamos na corrida para enriquecer o debate”, isto porque “só nós podemos levantar questões e discutir opções que os principais partidos não querem debater”, garante Hedges. Mas a corrida não se limita a isto, o fator história condiciona tudo. “O Partido Proibicionista tem de permanecer vivo para o futuro. Somos pequenos demais para fazer a diferença, mas queremos manter os nossos pontos de vista sobre a mesa. Pensa na minha candidatura como um exercício de história viva, mantendo uma registo vivo do passado”, disse.
Um grupo de 30 pessoas amantes da história
Se Hedges nos mostra com orgulho uma foto da Convenção do partido em 1892, com uma enorme sala cheia de gente em Cincinnati, no Ohio, hoje reconhece que o partido se limita a 30 pessoas com as “cotas” em dia. “Amantes da história” na sua maioria, pelas próprias palavras de Hedges. Pessoas que tentam manter vivo o mais antigo partido secundário dos Estados Unidos, fundado há 147 anos.
Hedges foi um antigo assessor das Finanças em Fulton County, na Pensilvânia. Um dos seus maiores desejos era que “os Estados Unidos adotassem um modelo semelhante ao da Europa Ocidental de democracia representativa onde há espaço para os pequenos partidos, algo que não acontece aqui [nos Estados Unidos]”.
O partido vive com cerca de 20 mil dólares anuais, qualquer coisa como 0,005% do total de doações realizadas a Hillary Clinton nesta corrida presidencial.
Quando o mundo caminha para o aumento das liberdades pessoais, porque é que ainda faz sentido existir um partido que tem ‘a proibição’ a sua grande imagem de marca? Hedges, desconstrói a pergunta e diz-nos que o partido é “uma foram de reforço das liberdades pessoais”, porque “quando combatemos o uso de drogas recreativas estamos a reforçar a liberdade”. Mas como é que podemos reforçar a liberdade, proibindo as pessoas de fazer algo que é a favor da sua vontade? A resposta parece simples: “Quando as pessoas vivem em sociedade têm de desistir de liberdades pessoais para melhorar o bem-estar de todo o grupo”, finalizou Hedges.
Um modelo que excluí os pequenos
O Partido Proibicionista nunca conseguiria meter Hedges na Casa Branca, mesmo que ele ganhe em todos os estados onde concorre. Como não está presente em número suficiente de colégios eleitorais, a corrida é praticamente em vão.
Hedges diz que as difíceis condições de acesso aos boletins “fazem com que os pequenos partidos apostem tudo em cumprir estes requisitos e, assim, ficam sem dinheiro para publicidade”. “Está tudo feito para ajudar os grandes partidos e dificultar a vida aos pequenos”, desabafa.
“Não há dinheiro para TV, nem rádio, nem cartazes, o nosso dinheiro vai todo para conseguirmos aparecer nos boletins de voto”, desabafa o candidato do Partido Proibicionista, que vai conseguir, este ano, aparecer no boletim de três estados e está ainda inscrito através do modelo Write-In em outros nove.
“Trump é um tolo. Hillary é mais do mesmo”
Hedges, como todos os americanos, tem uma opinião formada sobre os nomeados dos dois principais partidos. “Trump é um tolo vulgar, sem conhecimento prático e habilidade diplomática para ser o líder de qualquer país. Clinton é altamente experiente, mas ela oferece mais do mesmo, mais guerra, mais défice". E, por isso, “nenhum dos dois candidatos é satisfatório”, garante.
Ainda assim, pedimos que Hedges escolhesse qual dos dois preferia como próximo presidente. Diz-nos que “Trump ia tornar a América num flagelo universalmente odiado. Já Clinton ia fazer-nos mergulhar num défice excessivo. Porque havia eu de votar em qualquer um deles?”, responde.
Levar um partido às costas está longe de ser positivo. Mas amar aquilo em que se acredita faz de James Hedges um vencedor numa corrida que está longe de ser para ele.
Esta é uma reportagem que está inserida num especial rumo às Eleições Americanas que se realizam a 8 de novembro deste ano.
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