Estão marcadas para esta sexta-feira as eleições para Bastonário da Ordem dos Advogados (OA).
Ao todo, quatro candidatos apresentam-se a escrutínio entre os pares. São eles, Elina Fraga, Guilherme Figueiredo, Jerónimo Martins e Varela de Matos.
Elina Fraga, 46 anos, ex-braço direito de Marinho e Pinto, a quem sucedeu, e a segunda mulher a exercer o cargo de bastonária, depois de Maria de Jesus Serra Lopes, recandidata-se a um novo mandato, triénio 2017-2019.
Guilherme Figueiredo, 60 anos, antigo presidente do conselho distrital da Ordem dos Advogados no Porto, concorreu em 2014, tendo sido o segundo candidato mais votado, assume-se como o principal adversário da bastonária. Tem o apoio de cinco antigos bastonários: Rogério Alves, Pires de Lima, Maria de Jesus Serra Lopes, Júlio Castro Caldas e Augusto Lopes Cardoso.
Jerónimo Martins, 65, não é novo nestas lutas. Vice-presidente do Conselho Geral da Ordem dos Advogados (OA) no primeiro mandato de António Marinho e Pinto (2008- 2010), foi candidato à liderança da OA nas últimas eleições. Tem escritório em Lisboa e exerce a advocacia em prática individual.
Varela de Matos é a novidade na disputa pela liderança dos advogados. Com escritório em Lisboa, 56 anos, foi antigo candidato ao Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados. Ontem, num email enviado às redações, Varela de Matos considerou "não estar assegurado o direito a um tratamento igual, para um ato eleitoral livre, na Ordem dos Advogados". Assim, o candidato informou que a sua candidatura requereu "uma providência cautelar, no Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa para suspender este ato eleitoral".
O SAPO24 colocou questões a todos os candidatos. Elina Fraga, atual bastonária, alegou compromissos de agenda e não respondeu.
Os quatro candidatos serão escrutinados pelos seus pares. Têm a palavra os cerca de 30 mil advogados registados na Ordem. Uns deslocar-se-ão às urnas, outros já votaram por correspondência. Se nenhum deles conseguir mais de 50% dos votos, haverá uma segunda volta, a 6 de dezembro. Daí sairá o nome do novo bastonário da Ordem dos Advogados para os próximos três anos.
Guilherme Figueiredo
"Uma das principais preocupações do nosso mandato irá ser a revisão das tabelas, para que o advogado que presta a sua atividade no âmbito do apoio judiciário deixe de ser compensado e passe a ser efetivamente pago."
Qual a visão sobre a actual crise em que se encontra o sistema judicial e as propostas que apresenta quanto a esta situação concreta?
Por um lado, o grande problema do nosso sistema de justiça reside na exclusão daqueles que, não preenchendo os critérios económicos para acederem ao regime de acesso ao direito, se veem, na prática, privados do sistema de justiça porque não têm meios para suportar as custas e os honorários dos advogados. Estou a falar não só da chamada classe média, que a crise económico-financeira de 2011-2013 praticamente erradicou, mas dos remediados. Das pessoas que trabalham para viver e pagar contas ao fim do mês. Este problema é, em meu entender, gravíssimo, porque significa que uma parte importante da população portuguesa está privada de aceder ao sistema de justiça. Por isso, tenho defendido uma profunda alteração do regime das custas judiciais, no sentido do seu abaixamento.
Por outro lado – que não é novo, mas que tem assumido especial relevância nos anos recentes, que têm sido anos de crise – prende-se com a profunda instabilidade legislativa, ao nível de setores que costumavam ser pautados pela tendencial estabilidade. Falo, concretamente, das leis relativas à organização judiciária. Passámos de um modelo misto, na justiça cível (geral e experimental) que passou, depois, para um modelo unitário, que contemplou todas as espécies processuais e que erradicou muitos tribunais sem justificação e ao arrepio daquele que tinha sido o sentido de reformas anteriores. Recuou-se, por exemplo, na especialização, quando penso que esse deveria ter sido o caminho, no sentido da prestação de uma melhor justiça.
Como pretende salvaguardar o pagamento de uma retribuição justa e equitativa aos advogados que exercem o patrocínio judiciário no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais?
Uma das principais preocupações do nosso mandato irá ser a revisão das tabelas, para que o advogado que presta a sua atividade no âmbito do apoio judiciário deixe de ser compensado e passe a ser efetivamente pago. O serviço que o advogado presta no âmbito do apoio judiciário tem a mesma dignidade e o mesmo grau de exigência de qualquer outro serviço, pelo que aquela infeliz definição do legislador tem de ser alterada, encontrando essa mudança de paradigma uma tradução concreta na revisão das tabelas, manifestamente desatualizadas. E o trabalho – é disso mesmo que se trata – tem de ser pago a tempo e horas. Por isso é que propomos a criação de um instituto público autónomo, com a participação do Ministério da Justiça, da Ordem dos Advogados, que permita que os pagamentos aos colegas deixem de estar dependentes de circunstâncias aleatórias e subjetivas, como por exemplo do Ministro da Justiça, que determinam que cada ato de libertação de verbas seja encarado como uma benesse que, pela sua intempestividade, tem de ser anunciada com pompa e circunstância, mas antes um Instituto que recebe o valor diretamente do orçamento geral do Estado, promovendo-se assim uma ligação direta à Assembleia da República e não uma dependência ao Ministério da Justiça.
Elevado valor das taxas de justiça que dificultam o acesso aos tribunais - como resolver este problema e que medidas propõe?
Como já referi, entendo que este é um dos mais graves problemas que o nosso sistema de justiça enfrenta. Penaliza a classe média e os remediados, mas penaliza igualmente quem tem litígios de valores significativos e que, independentemente de obter ou não vencimento de causa, é onerado com o pagamento do remanescente da taxa de justiça. Este modelo dissuade todos do acesso à justiça e isso é, a meu ver, gravíssimo. Penso que o caminho só pode passar pelo abaixamento significativo das taxas de justiça e pela previsão legal de um teto máximo.
Situação que vai ser agravada com aprovação da atual proposta de orçamento do Estado, que altera o regulamenta das custas, eliminando a possibilidade de o juiz, atenta a especificidade e complexidade do processo, e a conduta das partes, poder isentar ou reduzir o valor da taxa de remanescente, nas ações de valor superior a 275.000 euros. Esta possibilidade de ajustamento, por parte do juiz, foi o que ainda foi salvando o regime do remanescente da taxa de justiça da inconstitucionalidade declarada pelo Tribunal Constitucional em 2012. Isto foi uma melhoria introduzida num sistema draconiano de taxas de justiça (que, de taxa, só têm o nome, porque são verdadeiros impostos) que, agora, é retirada.
Como assegurar a renovação da profissão sem perder os seus valores fundamentais em função da concentração de profissionais nas grandes sociedades de advogados e dos desafios impostos pela era digital?
Eu não entendo que a prática societária descaracterize a profissão. É uma modalidade de exercício como qualquer outra. E o problema que coloca tem relevância seja qual for a modalidade de exercício da profissão. Há um acervo de valores que constituem a essência da advocacia, como o dever de patrocínio (que é o primeiro dever do advogado e que dá corpo à sua natureza de profissional parcial na defesa dos interesses do cliente), o segredo profissional e o dever de não atuar em conflito de interesses. Os advogados não são prestadores de serviços que se enquadrem, sem mais, numa lógica de mercado. E para além dos deveres que referi, têm deveres perante a comunidade, como o de empenharem-se no aperfeiçoamento do Estado de Direito. Este acervo de valores não pode desaparecer. Se desaparecer, deixaremos de ter advocacia.
O problema que coloca quanto às novas tecnologias é, em meu entender, um dos maiores que o futuro nos colocará. As tecnologias são um instrumento indispensável ao exercício da nossa profissão, que nos permite sermos mais produtivos, trabalhar mais tempo, estar conectados com quem nos procura. Mas não podem substituir-se ao advogado e, no seu uso, tem de garantir-se que os valores da advocacia persistem.
Há, contudo, uma necessidade imperiosa de regular as relações que se estabelecem entre os associados e as sociedades de advogados e também com os escritórios não organizados sob a forma societária, onde a necessidade de regulação se impõe de igual forma.
Como vê a entrada das grandes firmas de auditoria no mundo da advocacia através dos seus braços "legais" sediados fora de Portugal? Exemplos disso são a EY e a Deloitte que já estão presentes, embora de forma indireta, no mercado de prestação de serviços jurídicos.
O Estatuto da Ordem dos Advogados não acolheu na minha perspectiva bem a multidisciplinariedade. Se essa actuação de que me fala existe, a Ordem dos Advogados deve intervir e deve intervir não apenas isoladamente em Portugal, mas deve conjugar esforços com as suas congéneres europeias no sentido de não se permitir que fechando a porta nacional se abram os postigos a partir de além-fronteiras. Penso que devemos olhar para outros países, de tradição próxima da nossa, para anteciparmos e evitarmos uma série infindável de problemas a esse nível. A advocacia não é consultadoria. Não é um serviço a mais que sociedades com outro objecto possam oferecer aos seus clientes. Penso que a Ordem dos Advogados não tem sido capaz de antecipar o que aí poderá vir. E, se não tomar uma posição forte nesse domínio, haverá um setor da advocacia a operar em Portugal, relativamente ao qual parte significativa dos valores da profissão serão condenados à erosão.
Teme que isso venha a contribuir para uma ainda maior concentração de profissionais nas grandes sociedades com perda das referências e valores fundamentais do exercício da profissão?
Não me parece que seja assim. As sociedades de advogados que existem em Portugal têm de cumprir não só o Estatuto como a Lei das Sociedades de Profissionais, o que significa que não podem estar à margem dos valores fundamentais do exercício da profissão. E o que digo para as sociedades de advogados, digo para os profissionais em prática individual e associativa, bem como para os advogados de empresa. São todos advogados. Se, em algum ponto da sua actuação, deixarem de nortear-se por esses valores há consequências. Quanto à questão que concretamente coloca: a maior parte dos advogados em Portugal não trabalha em sociedade, sendo que a maior parte destas são de muito pequena dimensão. Não identifico, no futuro, uma tendência de crescimento das estruturas que actualmente existem. O que identifico é um risco de a prestação de serviços típicos da advocacia poder passar a ser feita no seio de entidades que, não tendo por foco essa mesma prestação, e caindo fora das malhas da legislação actualmente existente, contribuam para uma advocacia à margem dos seus valores essenciais.
Jerónimo Martins
"Só admito uma advocacia: a que é feita por advogados. Tudo o resto é falsa advocacia. A política de redução dos atos próprios dos advogados, de restrição da profissão, verá em mim o pior dos adversários."
Traves mestras da sua candidatura?
Prefiro apresentar-vos as ideias chave do nosso programa, que respondem às questões que identificámos: Dignificar a Justiça, a advocacia e advogados; igual dignidade para advogado e magistrado; reforçar os atos próprios dos advogados e promover a participação do advogado no Processo Legislativo; dignificar o apoio judiciário e combater a Procuradoria Ilícita; isentar, progressivamente, do pagamento das quotas nos primeiros dez anos de inscrição e atualizar a tabela dos honorários do apoio judiciário; e finalmente defender a CPAS e impor a revisão do o seu estatuto.
Qual a visão sobre a atual crise em que se encontra o sistema judicial e propostas que apresenta quanto a esta concreta situação?
A crise é estrutural e não apresenta soluções fáceis. Defendemos, no entanto, que as questões da justiça não se resolvem com a falta de participação dos advogados nas respostas comuns que se devem encontrar. Os advogados, graças à inércia da Ordem nos últimos 6 anos, não foram ouvidos nas sucessivas reformas, o que foi, como se prova, altamente prejudicial à aplicação da justiça. A minha prioridade é a criação de um gabinete de política legislativa – que, a bem da verdade, já se encontra constituído, na minha candidatura, há cerca de um ano – que trabalhe em articulação direta com o Ministério da Justiça, no âmbito das propostas de Lei para a Justiça. Aí, em conjunto com todos os agentes da justiça, encontraremos soluções.
Como pretende salvaguardar o pagamento de uma retribuição justa e equitativa aos advogados que exercem o patrocínio judiciário no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais?
O apoio judiciário deve estar dentro da advocacia, essa é a premissa que se impõe: estamos aqui para defender o apoio judiciário e os advogados que o exercem! Mas estamos, também, para impor duas coisas fundamentais: pagamento das despesas de patrocínio contra a apresentação do seu comprovativo e atualização da tabela de honorários. A dignificação do apoio judiciário é a dignificação da advocacia.
Elevado valor das taxas de justiça que dificultam o acesso aos tribunais - como resolver este problema e que medidas propõe?
Mais uma vez, através da apresentação de uma proposta de lei que seja adequada, justa, equilibrada e que respeite os portugueses. A Justiça não pode ser um luxo e o acesso aos Tribunais não pode ser um privilégio dos mais ricos. O aumento das taxas de justiça para valores incomportáveis ao cidadão comum representa, no fundo, a omissão, o silêncio, a negação do Estado num dos seus pilares essenciais: a Administração da Justiça. Tanto mais que o poder judicial é essencial para a composição da democracia representativa em que vivemos.
Como assegurar a renovação da profissão sem perder os seus valores fundamentais em função da concentração de profissionais nas grandes sociedades de advogados e dos desafios impostos pela era digital?
São três perguntas numa só, mas espero conseguir responder com uma ideia chave: a paixão pela advocacia é o amor pela Liberdade. O advogado quer-se livre e em representação dos seus clientes, no respeito pelos direitos liberdades e garantias. Só quando se sente este chamamento de honra, dignidade e carácter é que nos reconhecemos como advogados. A diferença está aí, não está em linhas vermelhas ou de outra qualquer cor. Os advogados das grandes sociedades, da era digital, são-no na mesma medida que qualquer outro. Desde que respeitem a ética da responsabilidade, a dignidade da advocacia.
Como vê a entrada das grandes firmas de auditoria no mundo da advocacia através dos seus braços "legais" sediados fora de Portugal? Exemplos disso são a EY e a Deloitte que já estão presentes, embora de forma indireta, no mercado de prestação de serviços jurídicos. Teme que isso venha a contribuir para uma ainda maior concentração de profissionais nas grandes sociedades com perda das referências e valores fundamentais do exercício da profissão?
Só admito uma advocacia: a que é feita por advogados. Tudo o resto é falsa advocacia.
A política de redução dos atos próprios dos advogados, de restrição da profissão, verá em mim o pior dos adversários.
Os advogados conhecem-me: há 40 anos que ando nisto e candidato-me para que nada fique na mesma.
Não represento a advocacia dos grandes negócios, como o Dr. Guilherme Figueiredo, mas também não aceito a agenda populista e panfletária da Dra. Elina Fraga. Pretendo ser, isso sim, o bastonário de todos os Advogados!
Varela de Matos
"Advogar é uma vocação, uma profissão e uma atitude perante a vida. O Advogado tem de ser um homem livre."
Traves mestras da sua candidatura?
A Ordem dos Advogados tem de existir para servir os advogados, para proteger os advogados, e para lutar pelos direitos daqueles que precisam de recorrer à justiça. Reverter a reforma do mapa judiciário, que impediu milhares de cidadãos ter acesso aos tribunais e retirou trabalho a milhares de advogados, é um dos nossos objetivos. Reduzir o valor das taxas de justiça e alargar o âmbito de aplicação do sistema de apoio judiciário, também é uma proposta que consta no nosso programa.
A atualização da tabela de honorários relativos às nomeações oficiosas, é também um dos nossos objetivos prioritários, bem como a adoção de medidas que garantam o pagamento efetivo e atempado dos honorários.
Outro objetivo é acabar com a desjudicialização e com o desaforamento, que representa trabalho, que é dos advogados, e está a ser desviado para os notários e pelos grandes escritórios, através dos chamados Tribunais Arbitrais.
Como pode ver, nós temos um programa com ideias, projetos e medidas concretas e objetivas. Os outros candidatos têm programas vagos e abstratos.
Qual a visão sobre a atual crise em que se encontra o sistema judicial e propostas que apresenta quanto a esta concreta situação?
A situação atual é má. A justiça tem hoje os mesmos problemas que tinha no passado. Nenhum problema foi resolvido, e ninguém é responsável por isso. E tem novos problemas resultantes de aumento desmesurado do consumo e da concessão de crédito. A situação de grave crise económica que Portugal atravessou nos últimos quatro anos agravou substancialmente o problema. A reforma do mapa judiciário foi a machadada final. O elevadíssimo valor das taxas de justiça impede o acesso à mesma a milhares de cidadãos que se encontram em situação económica difícil.
Para resolver o estado atual da justiça é necessária uma coordenação de esforços entre todos os agentes judiciários. É necessário trazer a justiça de volta aos tribunais e não “desvia-la” para os notários e Tribunais Arbitrais promovidos pelos grandes escritórios. É urgente reduzir o valor das taxas de justiça e reformar o sistema de apoio judiciário. Em suma, é preciso criar uma justiça para todos e não só para alguns.
Como pretende salvaguardar o pagamento de uma retribuição justa e equitativa aos advogados que exercem o patrocínio judiciário no âmbito do acesso ao direito e aos tribunais?
Sou o único candidato inscrito no sistema de apoio judiciário, há muitos anos. Lido, quase todos os dias, com colegas que exercem no apoio judiciário. Conheço o problema da falta de pagamento atempado dos honorários.
Para resolver este problema, é necessário iniciar um processo negocial com a Ministra da Justiça, mostrando que o valor pago aos advogados que exercem no apoio judiciário é muito baixo, tendo em conta a complexidade do trabalho desenvolvido por esses advogados, sem o qual a justiça, principalmente no foro criminal, estaria paralisada.
É também necessário garantir que os pagamentos são efetuados atempadamente e não, como ocorreu, durante anos, com vários meses de atraso.
O elevado valor das taxas de justiça que dificultam o acesso aos tribunais - como resolver este problema e que medidas propõe?
Reduzindo o valor das taxas de justiça. O acesso dos cidadãos à justiça é impedido pelo custo proibitivo da mesma. É uma violação gravíssima dos direitos humanos. O apoio judiciário não resolve o problema. Abrange cidadãos praticamente destituídos de qualquer rendimento, ou seja, “sem-abrigo”.
É urgente reformar o sistema de apoio judiciário, alargando o seu âmbito de aplicação, para que mais cidadãos tenham acesso à justiça, independentemente da sua situação económica.
O elevado custo das taxas de justiça, afasta os cidadãos da justiça. Potencia a realização da justiça pelas próprias mãos. É preciso reverter esta situação.
Como assegurar a renovação da profissão sem perder os seus valores fundamentais em função da concentração de profissionais nas grandes sociedades de advogados e dos desafios impostos pela era digital?
Eu patrocinei com sucesso o estágio de mais de 50 advogados-estagiários, com quem mantenho boas relações. Nenhum outro candidato pode dizer o mesmo.
A criação do Instituto da advocacia, que é um dos nossos projetos, permitiria melhorar muito a formação ministrada pela Ordem aos jovens advogados. Essa formação é uma ferramenta essencial para melhorar a qualidade da advocacia e os seus valores fundamentais. Por outro lado, muitos jovens advogados são verdadeiros assalariados nos grandes escritórios de advogados. Os salários são baixos e exercem em regime de dependência e exclusividade, com perda de dignidade e independência. É urgente acabar com esta situação de precariedade. A ampla margem de discricionariedade técnica não justifica que não estejam vinculados por contrato de trabalho aos escritórios onde trabalham.
Sobre a concentração de advogados nas grandes sociedades, digo que há lugar para todos. Haverá lugar para os grandes escritórios de advogados, que exercem sobretudo nas áreas societária e financeira. Haverá também lugar para os advogados em prática individual, cuja área preferencial de exercício será os problemas do dia-a-dia do cidadão. Há e tem de haver lugar para todos, porque a advocacia é uma profissão liberal.
A era digital é uma vantagem para todos e facilitou o trabalho dos advogados. Porém, não podemos deixar de referir que, os advogados mais velhos tiveram, naturalmente, mais dificuldades de adaptação. A Ordem dos Advogados, nisso, pouco ajudou.
Como vê a entrada das grandes firmas de auditoria no mundo da advocacia através dos seus braços "legais" sediados fora de Portugal? Exemplos disso são a EY e a Deloitte que já estão presentes, embora de forma indireta, no mercado de prestação de serviços jurídicos. Teme que isso venha a contribuir para uma ainda maior concentração de profissionais nas grandes sociedades com perda das referências e valores fundamentais do exercício da profissão?
Existe um crime tipificado no sistema jurídico português que visa impedir estas situações de prestação de serviços jurídicos por não advogados. Procuradoria ilícita.
Todavia, para que o regime da procuradoria ilícita tenha eficácia é necessário regular o ato próprio do advogado. A lei existente é muito vaga e permite que outros agentes (que não advogados, entenda-se), pratiquem atos próprios do advogado. É necessário definir melhor o conceito, alargar a sua amplitude, concretizar e tornar claro e explícito quais são os atos próprios do advogado. Há quem proponha um sistema através de vinhetas, como o utilizado pelos médicos. Não sei se será o melhor sistema. O que sei é que a regulamentação existente é insuficiente para defender os interesses do advogado e do cidadão. É preciso alterá-la.
Advogar é uma vocação, uma profissão e uma atitude perante a vida. O advogado tem de ser um homem livre.
Comentários