Quando há mais de 30 anos Francis Fukuyama declarou o fim da história - ao defender que a multiplicação das democracias liberais e do mercado livre no Ocidente eram um ponto final na evolução sociocultural da Humanidade - em Portugal pouco se falava disso, de se ser liberal. Não havia partidos puramente liberais, apenas pequenas alas dentro dos principais partidos, todas elas sem grande expressão na ação legislativa.

Agora, em 2018, dois séculos depois de o movimento liberal ter tido um papel fundamental na economia e na sociedade portuguesa, o liberalismo quer ser o novo protagonista político do país.

“Que alguns grupos quisessem uma menor intervenção do Estado, sempre houve e estavam distribuídos pelo PS, PSD e CDS. Mas um partido liberal nunca existiu. Mesmos os movimentos proto-liberais, como o Grupo de Ofir nos anos 1980, o Clube da Esquerda Liberal também nos anos 80 ou Compromisso Portugal na década passada, tiveram uma influência muito diminuta nos programas governamentais do PSD ou CDS”, explica o economista Nuno Garoupa ao SAPO24.

“Se olharmos para o ALDE Party, o partido liberal europeu, vemos que ele estava representado em toda a Europa, chegava a Madrid e parava. [...] Ou seja, o liberalismo parava em Madrid” — Rodrigo Saraiva e Armando Alves, Iniciativa Liberal

 

Durante várias décadas Portugal manteve-se impermeável ao liberalismo, com um quadro político envelhecido e que não parecia estar à mercê de grandes mudanças. “Se olharmos para o ALDE Party, o partido liberal europeu, vemos que ele estava representado em toda a Europa, chegava a Madrid e parava”, diz Rodrigo Saraiva, um dos fundadores da Iniciativa Liberal. “Ou seja, o liberalismo parava em Madrid”, sublinha Armando Alves, também militante e fundador do partido que nasceu oficialmente em dezembro de 2017.

Ainda assim, ressalva Nuno Garoupa, há que “distinguir o liberalismo clássico, que teve um papel importante em Portugal no século XIX e aquilo que são partidos liberais no sentido da Internacional Liberal ou da ALDE, sucessor do Partido Liberal Europeu, do qual o PSD fez parte antes de aderir ao PPE. Nesse sentido, podemos dizer que não havia movimentos liberais em Portugal, uma vez que o PSD apenas se aproximou da Internacional Liberal porque não foi admitido na família socialista, devido ao veto do PS, e depois aterrou no PPE ao lado do CDS, na liderança de Marcelo Rebelo de Sousa”.

E é nesta altura em que as democracias liberais estão em perigo, que Fukuyama vem colocar em causa a sua própria tese - defendendo que a luta do ser humano pelo reconhecimento das suas identidades e a uma política de “ressentimento” está a abalar os pilares do liberalismo, e a levar ao reaparecimento de nacionalismos e de autoritarismos. A mesma altura em que a prestigiada revista The Economist, na comemoração dos seus 175 anos, escreve um manifesto para renovar o liberalismo, assumindo que a ascensão do populismo coloca em causa as democracias liberais do Ocidente. É neste cenário político que o liberalismo se faz independente em Portugal, deixa as alas partidárias e nasce sob a forma de novos partidos, de raízes liberais.

No espaço de um ano apareceu a Iniciativa Liberal, o Aliança, que se classifica como sócio-liberal, privilegiando a vertente económica, e o Democracia21, um movimento cívico liberal que espera ter as 7500 assinaturas para se constituir como partido ainda antes do final do ano. Num outro extremo, o libertarianismo, corrente anarco-capitalista, já anda por cá desde 2012, arrastando no tempo a constituição do Partido Libertário Português como partido, no sentido formal.

A política em Portugal é outra

Para Nuno Garoupa é importante entender que “a direita em Portugal resultou dos equilíbrios de 1975”. “Por isso há um partido que se diz social-democrata e outro centrista quando, na verdade, ambos, representam a direita sociológica. Em Portugal, convencionou-se chamar 'social-democrata' ao social conservador, 'centrista' à direita tradicional e mais recentemente 'liberal' a uma direita mais radicalizada”, clarifica o economista.

Esta descoordenação entre toponímias e a ação real, nascida da realidade política portuguesa do pós-25 de Abril dominada pelos partidos de esquerda, PS e PCP, dificultam a vida a Sofia Afonso Ferreira, fundadora do Democracia21 (D21) aquando, nas reuniões do ALDE Group, o grupo parlamentar do partido liberal europeu, onde ocupa um cargo no comité de membros a título individual. Lá, diz que sente alguma estranheza sempre que explica a teia política portuguesa.

“Em Portugal, mal se fala de liberal, como as pessoas não estão habituadas a ver partidos liberais e de serem confrontadas com aquilo que se defende, então são neoliberais. Fascistas, quase” — Sofia Afonso Ferreira, Democracia 21

“No início tinha muita dificuldade em explicar que estava à frente de um movimento que era liberal de direita. Perante a Europa, aquilo que nós defendemos é algo considerado de centro. Tendo logo este desfasamento [ao nível da nomenclatura], torna-se muito difícil de explicar que defendemos uma redução do papel do Estado, da carga fiscal e reformas numa série de setores que só a direita em Portugal é que estaria disposta a apoiar”, explica.

Lá fora, na Europa, o espetro é outro, conta-nos Sofia. “Há pessoas que dizem que são de esquerda que têm, se calhar, visões mais de direita do que nós, só que nós estamos desfasados. No espetro partidário português, eu não conto com o PNR, são poucas pessoas e têm pouca expressão, mas talvez seja o único partido de direita pura e dura. Lá fora há partidos de centro direita que ultrapassam o PNR em termos daquilo que sentem”.

A queda dos velhos e o nascimento dos novos

“Com o trauma de 2015 [a formação de uma maioria parlamentar de esquerda, sem que nenhuma das forças tivesse vencido as eleições], a direita entrou num estado de decomposição que já vinha a ser alimentado. O CDS deixou de ter ideologia, é um partido que vive apenas do culto da personalidade do líder - primeiro Paulo Portas, agora Assunção Cristas. O PSD é simplesmente pragmático e sobrevive atolado num labirinto de contradições. É normal que o realinhamento da direita passe por novos pequenos partidos e transformações importantes no PSD e no CDS nos próximos anos”, prevê Garoupa.

Os novos partidos nascem do descontentamento. Sofia Afonso Ferreira, do D21, é o exemplo disso mesmo. Antiga militante do Partido Social Democrata, confessa que assistiu por dentro a um partido que não soube envelhecer e aproveitar o talento de uma nova geração.

“O PSD esteve muitos anos no poder, é um porta-aviões, pode inundar, mas continua a flutuar. O que aconteceu foi que a geração onde eu me incluo ficou para trás, não foi chamada, e isso nota-se. Eu estou à vontade para dizer isso, fui apoiante do PSD durante muitos anos e digo isto há mais de 10 anos, muito antes da crise económica ou da crise política. Tinha de haver uma renovação, se calhar agora vai ter de haver à força. Aparentemente Rui Rio não está a conseguir fazer o papel de líder, já nem digo o que defende ou não defende, mas como líder ainda não foi capaz de agregar as pessoas à sua volta. E isso é fatal, é mesmo fatal”, sentencia Sofia.

Do outro lado da barricada do liberalismo, Armando Alves da Iniciativa Liberal também é um dos descontentes de uma geração do Partido Social Democrata que não foi “chamada”. “Eu próprio estive filiado no PSD e saí porque não me revia no projeto político, olhei para o partido por dentro e disse "isto não é um partido moderno. Isto não é um partido que olhe para o futuro de Portugal e onde eu sinta que possa ter uma voz ativa”, conta.

É de uma nova opção e do descontentamento que os novos partidos liberais se alimentam. Conta Rodrigo Saraiva que a maioria das pessoas que se juntou à Iniciativa Liberal nunca teve qualquer participação em partidos políticos. “Depois, para além dessas pessoas todas, existe um conjunto que passou por alguns partidos. É isso que demonstra que nunca houve um partido liberal em Portugal, porque se tivesse existido não havia quem tivesse passado pelo PSD ou pelo PS ou pelo CDS”, relata.

"No pós-25 de Abril, quem pensava diferente do PCP ou de uma corrente muito de esquerda era logo carimbado como fascista. Passado uma década ou duas, o PCP percebeu que esse carimbo já não funcionava. Então tentaram descobrir outro rótulo e foi aí que inventaram este rótulo do neoliberal" — Rodrigo Saraiva, Iniciativa Liberal

O nome de Adolfo Mesquita Nunes, um dos nomes maiores da ala liberal do CDS, cai inevitavelmente na conversa. Diz Rodrigo Saraiva, “nós reconhecemos que o Adolfo, nas defesas que vai fazendo publicamente de vários temas, é um liberal. Eu já disse isso ao próprio Adolfo, que acho que ele está no partido errado, mas é uma pessoa que nós respeitamos muito, intelectualmente, pessoalmente e politicamente”. Armando Alves interrompe: “a pergunta é: se há 15 anos existisse uma Iniciativa Liberal se o Adolfo se teria juntado ao CDS. A resposta é: claro que não”.

O salto e a falta de uma tradição liberal por base em Portugal nota-se à partida quando o liberalismo é atacado e apelidado como neoliberalismo - termo utilizado para redefinir o liberalismo clássico, que advoga a absoluta liberdade do mercado capitalista e o reforço da presença do setor privado, em oposição ao papel do Estado que se pretende mínimo, e que nos últimos anos foi sendo associado a alguns regimes de índole nacionalista -, confessam vozes tanto da Iniciativa Liberal como da Democracia21.

“A minha leitura é que na história da democracia portuguesa, no pós-25 de abril, quem pensava diferente do PCP ou de uma corrente muito de esquerda era logo carimbado como fascista. Passado uma década ou duas, o PCP percebeu que esse carimbo já não funcionava. Então tentaram descobrir outro rótulo e foi aí que inventaram este rótulo do neoliberal”, justifica Rodrigo Saraiva.

Armando Alves conta que aquando do início do processo da recolha de assinaturas para a fundação da Iniciativa Liberal houve uma grande necessidade de desmistificar o termo “neoliberalismo”, que o próprio classifica como “uma construção cultural que tenta caracterizar o capitalismo de compadrio, de corrupção e tenta colocar tudo debaixo do mesmo teto”. “O liberalismo, desde John Locke até aos pais da constituição americana, foi difundido como uma menor presença do Estado na vida do cidadão, na economia e nos costumes. Se explicarmos às pessoas que elas podem tomar conta do seu destino e que não têm necessidade deste 'Estado papá', que nós somos capazes, primeiro como indivíduos, depois numa unidade de família e da própria comunidade, mas de forma voluntária e não de uma forma mandatória ou persecutória, de conseguir construir uma melhor sociedade. Isso distingue-nos, e as pessoas percebem isso”, explica.

Do lado do Democracia21, que ainda está a passar pelo processo de recolha de assinaturas, este constante processo de desmistificação ainda é um desafio diário. “Em Portugal, mal se fala de liberal, e como as pessoas não estão habituadas a ver partidos liberais e de serem confrontadas com aquilo que estes defendem, então são [considerados] neoliberais. Fascistas, quase”, conta Sofia.

“O neoliberalismo é uma invenção da esquerda para impedir a discussão sobre o liberalismo em Portugal, o neoliberalismo é o conceito da geofinança sobre a geodemocracia", caracteriza o professor Adelino Maltez ao Público.

Para contrariar um termo que afirmam estar errado, Rodrigo Saraiva procura simplificar e, ao mesmo tempo, encher a resposta à pergunta: “então o que é ser um liberal?”: “liberalismo, para mim, é defender as liberdades já conquistadas, é defender mais liberdades e sempre liberdade com responsabilidade, isto é ser liberal”.

Fazer do velho novo, a história da renovação do manifesto de Oxford

A Iniciativa Liberal (IL) afirma-se como o primeiro partido puramente liberal em Portugal e nasce precisamente dessa premissa. “A IL surge por duas motivações: a primeira, macro, é que não havia um partido liberal em Portugal e tinha que haver um partido liberal em Portugal; e uma segunda motivação surge por oposição ao cansaço que existe naquilo que é a política atual, e sobretudo na política parlamentar portuguesa. Obviamente que as pessoas já não se reveem, o aumento da taxa de abstenção é uma demonstração clara disso”, explica ao SAPO24 Rodrigo Saraiva.

créditos: IL/DR

“Nós de facto tínhamos o desejo - e aqui não é só uma questão de semântica, uma coisa é um desejo outra coisa é um objetivo - de que existisse um partido liberal em Portugal. Na nossa opinião, não existia. Mas não era porque um grupo de 10, 20 ou 30 pessoas tinha essa ideia que isso poderia materializar-se. Nós tínhamos de sentir tração, sentir que havia muito mais pessoas para além daquele grupo que se foi juntando e que partilhava desse mesmo desejo. E como é que nós percebemos que existiam mais pessoas com esta ideia? É aí que surge a história do manifesto, indo muito ao encontro deste espírito colaborativo que temos. Fomos buscar a versão original do manifesto de Oxford de 1947, criámos um site inspirado na Wikipédia, colocámos o texto e abrimo-lo à comunidade para que as pessoas colaborassem na edição”, recorda Rodrigo.

“Quando o fizemos, olhámos para ele e revimo-nos pela primeira vez num programa político profundamente liberal, quer de costumes, quer económico”, completa Armando.

A dinâmica colaborativa haveria de prevalecer para além do manifesto: Recorda Rodrigo que um dos momentos mais importantes da caminhada da Iniciativa Liberal foi quando foi aprovado o programa político do partido, também ele feito com a participação de todos. “No final da convenção, não sei se aquilo foi aprovado por unanimidade ou quase 99%... Eu saí de lá com uma sensação de que não havia ninguém que olhasse para aquele programa e dissesse que o subscrevia a 100%. Haveria ali sempre uma vírgula ou um ponto ou uma ideia, mas senti que todas as pessoas saíram com espírito de compromisso e a dizer: este é o nosso programa".

É “a defesa da ideia e não da doutrina do partido. Eu costumo usar uma expressão em inglês 'disagree and commit'. Eu posso discordar, mas depois decidimos isto e vamos para a frente”, conclui Armando Alves.

O liberalismo que assaltou a esquerda

O Movimento Democracia21 nasceu em janeiro e é liderado Sofia Afonso Ferreira. Até ao final do ano quer passar a ser partido, e para isso tem organizado conversas informais que tanto servem para recolher assinaturas, como para falar de liberalismo.

"A maior parte das assinaturas tem vindo por correio. Os eventos servem mais para apresentarmos o D21, para criarmos uma rede de apoiantes e discutir determinado tipo de assuntos, sobretudo quando fazemos estes eventos fora de Lisboa e do Porto. São zonas... eu não diria isoladas, mas mais esquecidas pela comunicação social, mais esquecidas pelo poder em Lisboa e onde há muita coisa a pegar, com temas muito específicos. É uma oportunidade para as pessoas, pessoalmente, poderem falar de viva voz. E isso tem sido sempre, desde início, uma aposta nossa, porque há uma grande confusão em relação aquilo que um partido liberal defende e nós temos que dar primazia a isso. Já é difícil novos partidos vingarem, ainda por cima para quem está a apostar neste espetro político liberal, tem que trabalhar o triplo".

“Desde que houve o caso Robles, eu sinto que estamos a roubar eleitores ao Bloco, mas à pazada” — Sofia Afonso Ferreira, Democracia 21

A realidade política para quem tenta criar um partido em 2018 é bastante diferente do contexto que existia no virar do século. Para a líder e fundadora do D21 esta mudança assenta no facto de “os partidos deixarem de ter tantos militantes” e de “as pessoas votarem mais por líderes e por projetos que os estão a defender em determinado momento”.

“Já ninguém se lembra quem defendeu o quê nas últimas eleições, as pessoas já nem têm tempo para isso e sinceramente eu até percebo. Mas é engraçado ver comentadores políticos que ainda não perceberam isto, por muito que andemos aqui às voltas sobre os assuntos, nada como olhar para a matemática, para os números, para a realidade”, comenta.

Talvez seja deste espetro flutuante que vem a notícia mais surpreendente: “desde que houve o caso Robles, eu sinto que estamos a roubar eleitores ao Bloco, mas à pazada”, realça Sofia Afonso Ferreira.

O D21, conta Sofia, inclui pessoas ao longo de todo o espetro político tradicional, das mais à esquerda às mais à direita. É a elasticidade da corrente: à esquerda, pela defesa de um liberalismo nos costumes; e à direita, pela defesa da redução de um papel do Estado e de uma economia mais livre.

Sobre o caso do Bloco de Esquerda, Sofia Afonso Ferreira é perentória: "nós partimos de premissas diferentes, mas no fim acabamos por defender mais ou menos o mesmo [em termos de costumes]. Ou seja, nós defendemos que a sociedade define as suas regras e que o Estado tem de diminuir o seu peso e simplesmente funcionar como árbitro. A esquerda tem outra premissa, que o Estado tem de intervir em tudo”.

Por exemplo? A eutanásia. “Nós somos a favor da eutanásia. Porquê? Porque vemos isto de um ponto de vista médico, como uma liberdade de escolha, como uma questão de saúde e não tanto como uma questão religiosa ou em que o Estado deva interferir. A esquerda defende igualmente a legalização da eutanásia, mas sendo o Estado a defini-la. Aqui entramos em choque total, apesar de, depois, no fim, concordarmos e sermos a favor de que a lei deve mudar e que deve ser permitida a eutanásia com regras muito definidas. Temos maneiras de defender a mesma causa, mas como chegar lá, e a posição sobre o Estado, isso é completamente distinto. Agora, aqui é o nosso trabalho explicar isto, é a nossa batalha enquanto partidos liberais”, explica.

Nuno Garoupa olha para este cenário de uma forma um pouco mais cautelosa, afirmando que o D21 aponta a duas coisas: “uma agenda social liberal, por oposição ao eleitorado da direita conservadora; e ao voto de protesto”,  aos "eleitores que fugiram do PSD e do CDS para o Bloco em 2015”. “Mas uma coisa é desejar roubar, outra é mobilizar esses votos”, realça.

O estranho caso do Partido Libertário Português

“O projeto de um Partido Libertário Português nasceu, por iniciativa de um conjunto de pessoas, a 12 de janeiro de 2012. E, desde esse momento seminal, o que se pretende é a criação de um partido político diferente que, independentemente dos resultados que porventura possa vir a alcançar nos diferentes atos eleitorais a que se apresente, declara de forma irrevogável que nunca aceitará governar ou fazer parte de qualquer entidade que tenha por função exercer o poder executivo. A sua intervenção na sociedade portuguesa [tem lugar] através da sua exclusiva participação no processo legislativo; não se enquadra – e portanto não é classificável – no tradicional espectro político-partidário. Não é de esquerda, nem é de direita. É um partido meta-político; assenta toda a sua filosofia política no direitos à autonomia individual, à liberdade e à propriedade, valores que raramente são abraçados com a mesma importância e, principalmente, sem exceções, por uma mesma força política ou, mesmo, pela esquerda ou pela direita, consideradas globalmente”.

É desta forma que, numa curta conversa via e-mail, o Partido Libertário Português se apresenta ao SAPO24.

Em 2012, ano em que se formaram, afirmam que “não existia nenhum [partido] que, nessa altura, se insurgisse contra as causas da crise financeira - o modelo obsoleto e criminoso de funcionamento do sistema bancário - e contra as consequências dessa mesma crise para os países do sul da Europa: a imposição de políticas económicas - que, de resto, foram consideradas, mais recentemente, como tendo sido erradas pelo Banco Central Europeu, Comissão Europeia, leia-se Alemanha, e FMI — que provocaram danos irreparáveis nas vidas dos cidadãos desses países”. E é aí que o Partido Libertário se diferencia, ideologicamente, dos restantes protagonistas liberais deste texto.

Partindo do princípio que “o libertarianismo é a quintessência do liberalismo”, este propõe medidas que até a este ponto de leitura parecem não caber no liberalismo, como "a criação de um rendimento universal básico e incondicional (RUBI) para todos os cidadãos com mais de 18 anos, nascidos e residentes em Portugal" ou a saída da União Europeia, "como condição sine qua non para a recuperação da soberania nacional".

Mais, o PLP advoga ainda o "abandono de tecnologias centenárias, obsoletas e perniciosas para o florescimento e prosperidade do Homem, nomeadamente no sistema bancário; e no sistema político, a substituição do sistema de democracia parlamentar representativa por um modelo de sorteio, entre todos os cidadãos, dos elementos dos diferentes órgãos políticos - a demarquia”.

Em suma, afirmam defender o desejo de “que cada pessoa disponha dos meios para poder determinar, por si mesma, a forma como deve conduzir a sua vida, de acordo com as suas crenças, valores e preferências”. “Quando isso acontecer, o PLP deixa de ter qualquer razão para existir. Teremos uma sociedade verdadeiramente livre”, terminam.

Santana Lopes e o personalismo (ou como o Aliança rejeita o liberalismo)

Pode parecer estranho que o último dos protagonistas apresentados seja o partido liderado pelo antigo primeiro-ministro, ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa e ex-militante do Partido Social Democrata, Pedro Santana Lopes. Mas não é.

O Aliança, conotado pela comunicação social ao liberalismo depois de ter assumido como três eixos fundamentais o personalismo, o liberalismo e a solidariedade, declinou prestar declarações ao SAPO24, afirmando que não se enquadra no espetro político que é descrito neste artigo. Em declarações ao jornal Público, Santana disse que este “não é um partido puramente liberal, se se quer chamá-lo de alguma coisa seria socio-liberal, pois defende o papel do Estado na Cultura, na Saúde, na Educação, na Previdência Social, defende o papel regulador e até interventor do Estado nestas áreas, quando as sociedades estão atrasadas em certos domínios o Estado tem de acorrer”. “Não somos liberais puros, na política social não acreditamos que deve ser só o mercado a funcionar”, diz.

créditos: TIAGO PETINGA/LUSA

No entanto, rumores houve, antes do Aliança preencher as manchetes dos jornais, de que Pedro Santana Lopes poderia integrar um dos projetos liberais já existentes ou em vias de se formar. Melhor dizendo, a Iniciativa Liberal ou o D21.

A Iniciativa Liberal garante que “entre o partido e o dr. Pedro Santana Lopes não existiram contactos”, mas Sofia Afonso Ferreira revela que o tema chegou a ser colocado em cima da mesa. “Na altura ainda não tínhamos tomado uma decisão, se se avançava ou não para a criação de um partido. Acabou por avançar”, conta-nos.

A ideia de não integrar nenhum projeto liberal já formado e a opção pela criação de um partido por parte de Santana Lopes parece ir ao encontro da ideia de Sofia acerca dos ideais do antigo primeiro-ministro. “Pelo que se viu até agora, que também não foi muito, parece-me que Santana Lopes está a dirigir o Aliança mais para o liberal na economia e não tanto nos costumes. Um pouco à semelhança do PSD e CDS, mas agora vamos ver onde é que eles vão propor mais coisas, mas parece-me que vão por esse caminho”, diz.

O meu liberalismo não é igual ao teu

Num momento em que dois projetos liberais se procuram afirmar, urge perceber o que os difere. Para a líder do movimento Democracia21 a diferença face à Iniciativa Liberal é evidente e ficou espelhada com a demissão do antigo líder do partido, Miguel Ferreira da Silva, na sequência de uma polémica que colocou a nu a origem da página da de Facebook da IL, que provinha de uma página de apoio a António Costa.

“A Iniciativa Liberal posiciona-se mais à esquerda, é um liberal socialismo. Aliás, o [antigo] líder bateu com a porta porque a página vinha da campanha de António Costa. Isto não é uma alfinetada, mas é pôr as coisas como elas são. Se há coisa que distingue o D21 da Iniciativa Liberal é que nós somos claramente de direita e eles são claramente de esquerda, por muito que tentem ir ao centro e apanhar tudo. Quando o novo partido é constituído por pessoas que maioritariamente vêm do PS ou da esquerda, não vão competir com o D21. Quando o presidente bate com a porta no momento em que vem a lume que da página [de Facebook] levou não sei quantos apoiantes das redes do PS, de uma campanha para o Costa em 2015, isso ficou claro como água”, posiciona-se a líder do D21.

Em resposta, a Iniciativa Liberal diz que prefere olhar para a divisão entre partidos não pelo eixo clássico, mas de outra perspetiva. “Somos gregos ou somos romanos? Nós somos muito mais romanos no sentido prático da coisa, versus o grego que é muito mais teórico. Por nós, somos mais a favor da ação humana, da capacidade de influenciar e da capacidade do indivíduo agir sobre isso do que a doutrina, o grande planeamento dos gregos. Isso é se calhar uma divisão mais interessante para olhar para nós do que forçosamente a de direita vs esquerda”, diz Armando Alves.

No entanto, ambos assumem que não se pode rejeitar a existência do eixo clássico. Aí, dizem, se olharmos para a economia - “nós somos pela liberdade do mercado” - são de direita, mas se o tema for os costumes, as pessoas tenderão a colocá-los mais à esquerda - pela defesa de temas que vão desde o casamento homossexual à interrupção voluntária da gravidez. “O programa 'Portugal mais Liberal' afirma que a Iniciativa Liberal pretende ser o polo agregador das várias visões e correntes do liberalismo”, afirma Rodrigo Saraiva.

Em relação ao momento da criação da página de Facebook da Iniciativa Liberal, que se viu envolta em polémica quando se descobriu que a mesma tinha sido feita por cima de uma antiga página de apoio à eleição de António Costa, Armando Alves rejeita que isso tenha qualquer significado. “O momento de criação da página foi muito anterior a sequer existir uma definição muito clara do posicionamento político do movimento e depois do que veio a ser o partido”, afirma.

“A Iniciativa Liberal já não é a Iniciativa Liberal de um grupo de pessoas que um dia jantou e percebeu que tinha esse desejo de ter um partido liberal. Já não é isso. É muito diferente. Eu e o Armando estávamos nesse momento, mas à data de hoje a Iniciativa Liberal não é o Rodrigo e o Armando, são quase 300 pessoas que se juntaram. Portanto é muito injusto para quem se veio a juntar ao longo deste caminho estar a dizer que são exatamente aquilo que começou. É um processo evolutivo”, responde Rodrigo.

Hoje, o partido vive sobre uma nova liderança, a de Carlos Guimarães Pinto.

Dois fenómenos europeus: Macron e Ciudadanos

Se tanto o D21 como a Iniciativa Liberal concordam em discordar na maneira em que olham um para o outro dentro do liberalismo, o exemplo pelo qual ambos se dizem guiar poderia ser replicado quase em consonância. Fugindo ao clichê, mas sem deixar de reconhecer a importância de Emmanuel Macron para o liberalismo europeu, o nome na ponta da língua é outro: Ciudadanos. A raiz e o exemplo do liberalismo português estão mesmo aqui ao lado, a seguir à fronteira.

“Eles têm feito um trabalho brutal. Quando vou lá fora e ao conselho do ALDE Group, Espanha marca sempre presença. É um país que passou por uma crise económica trágica e o Ciudadanos conseguiu impôr-se de tal maneira em dois, três anos... Claro que aqui em Portugal estamos muito ligados porque é Espanha e são presença assídua nas notícias, mas, indo lá fora, Espanha impôs-se mesmo. Não se pode ir a lado nenhum que não se fale deles quando se fala de liberalismo”, afirma Sofia Afonso Ferreira.

créditos: ALBERTO ESTEVEZ/EPA

Do outro lado, a mesma referência, com Rodrigo a afirmar que quando começou o projeto da Iniciativa Liberal já olhava muito para o Ciudadanos. “Já eram uma grande fonte de inspiração. Dos partidos europeus é aquele com que colaboramos mais, efetivamente, com reuniões, quando nós vamos a Madrid e a Barcelona, ou quando eles vêm a Lisboa, o que já fizeram por duas vezes, pelo menos”.

“Olharmos para o Ciudadanos, para a própria composição do partido, para a forma como eles se disseminam por toda a Espanha e como foram buscar pessoas à sociedade civil... Como é que em plena Catalunha eles conseguem assumir esta posição e protagonismo? E assumiram uma posição contra corrente dentro da própria Catalunha, e hoje em dia são conhecidos por toda a Espanha — e a verdade é que se não fosse uma Geringonça à espanhola provavelmente tínhamos o Ciudadanos como governo”, afirma Armando Alves.

Rodrigo destaca que “em determinada altura [em Espanha] estávamos perante a diáspora de uma geração nova que emigrou e que estava em Londres, em Paris, em Genebra, Nova Iorque, etc. e que, de repente, olhou para o Ciudadanos como sinal de esperança e se juntou ao partido".

"Macron oferece regeneração e inovação, coisas que nem os atuais partidos, nem Santana Lopes podem fazer" — Nuno Garoupa

A Iniciativa Liberal pretende replicar o exemplo e atrair o talento - e a vontade - dos que deixaram o país, por razões económicas ou não. Armando Alves confessa que “quem esteve lá fora, trabalhou lá fora e conheceu outras sociedades, chega a Portugal e vê a Iniciativa Liberal com particular interesse. Curiosamente, muitas pessoas novas, miúdos que nem sequer votam e que se identificam com o projeto. Nós achávamos que íamos criar isto e que iam achar que nós éramos de extrema-direita, mas vêm como estamos, como falamos, nunca nos recusamos a responder e revêm-se no projeto. Revêm-se no projeto europeu, na legalização das drogas, na descriminalização das drogas, revêm-se na parte dos costumes e também quando olham para a parte económica. A nossa causa é o indivíduo e essas pessoas vêm que há espaço para ele".

Da mesma maneira que se vê como parte de uma geração que não foi chamada, num partido que não soube envelhecer, Sofia Afonso Ferreira olha com fulgor para uma Europa liberal assente “em pessoas que estão na casa dos 40 anos de idade”. “E isso é uma grande mudança”, confessa.

“Foi logo a seguir a esta crise económica que devastou a Europa, tivemos caras novas e projetos com muita pujança a aparecer. Isso fez muita diferença. Todos posicionados no liberalismo, com as suas particularidades e problemas nacionais como é óbvio, mas partidos, projetos, que se impuseram em tempo recorde. Só em Portugal é que estamos mais uma vez um pouco atrasados, vamos a ver se isto muda agora um bocado com estes novos partidos liberais, mas se assistirmos ao que metade dos comentadores políticos diz … Falamos pouco da Holanda, que é um país que está a dar cartas fortes, só olhamos para França e Espanha, e mesmo assim não se percebe muito bem o que está a acontecer. Falamos muito da Alemanha, mas falamos da Merkel e das medidas que a Alemanha defende. Não estamos a olhar para o que está a acontecer politicamente e é um país que está a mexer muito, novos partidos, novos players na política, mesmo Angela Merkel já esteve ali nestas últimas eleições numa negociação até à última”, afirma Sofia Afonso Ferreira.

Rodrigo Saraiva, aponta a um cenário de desconhecimento idêntico. Aproveita assim para realçar também o exemplo do Reino Unido - com o “LibDems, pelo que historicamente representa, mas também por aquilo que tem sido a defesa anti-Brexit” -, da Áustria, com o Neos, ou da Suécia, com o Center Party, como casos de sucesso no panorama liberal europeu.

"Depois, há o outro lado, o das figuras, onde salta à vista Emmanuel Macron, primeiro-ministro francês, Mark Rutte, primeiro-ministro da Holanda, Xavier Bettel, primeiro-ministro do Luxemburgo ou Charles Michel, primeiro-ministro da Bélgica. Podia ficar aqui a falar de todos os outros primeiros-ministros liberais e o que eles representam, diz Rodrigo. “Mas se formos a perguntar a uma pessoa que vá na rua se sabe que há oitos primeiros-ministros liberais na Europa, eles não fazem ideia”, ultima Armando Alves.

“Falamos de Macron e eu volto à questão dos líderes. Porque é que a questão do Macron é importante? Porque provou ser um bom líder", reforça Sofia Afonso Ferreira, abordando a importância de uma figura capaz de congregar as pessoas em seu redor e em torno de um projeto político.

Para Nuno Garoupa o exemplo do primeiro-ministro francês é relevante, não só para perceber o que se está a passar na Europa, como para fazer a ponte com o que se passa em Portugal. “Macron reinventou o centro. Nesse sentido, regressa ao liberalismo clássico do juste millieu [filosofia política centrista] que se distingue quer da tradição do PSD (de Cavaco Silva e Pedro Passos Coelho), quer do liberalismo de direita que se protagoniza em Portugal. Do ponto de vista ideológico, Macron bebe muito mais no velho CDS francês de Lecanuet, Monory, Méhaignerie e Bayrou ou ao espanhol de Suárez, do que nas agendas liberais. Nesse sentido, acho Macron muito mais próximo da linha de Freitas do Amaral, que desapareceu da política portuguesa com a refundação do CDS em 1992. Depois, Macron oferece regeneração e inovação, coisas que nem os atuais partidos, nem Santana Lopes podem fazer”, afirma o economista.

2019, o ano zero do liberalismo em Portugal

A expressão a título é roubada à líder do D21 quando convidada a antecipar o ano de 2019 que, politicamente, traz consigo três atos eleitorais, as eleições regionais na Madeira, eleições Europeias e eleições legislativas. "Penso que haverá espaço para os três, penso que teremos de trabalhar muito, encaro isto como um ano zero dos partidos liberais".

"Muitas vezes as medidas apresentadas não vão ser populares” — Sofia Afonso Ferreira, Democracia 21

Com a ambição de participar pelo menos nas eleições Europeias e nas legislativas, o D21 começa a preparar algumas medidas concretas para apresentar ao país.

“Queremos muito focar-nos na saúde porque achamos que é um setor que, infelizmente, está por um fio. Depois é fundamental trabalhar a Segurança Social, que está interligada com os impostos e com uma reforma fiscal”, diz Sofia Afonso Ferreira, apontando estas duas áreas como prioridades.

Mas o D21 não quer ficar por aqui e deixa de sobreaviso que “muitas vezes as medidas apresentadas não vão ser populares”. Afirmando ainda não querer entrar com medidas concretas no campo da Educação, diz que o movimento defende “que tem sido um erro brutal do governo estar a abrir vagas para mais professores e a reter uma série de exigências da Fenprof". “É um setor em crise, há menos crianças e há escolas a fechar. Ou seja, o setor tem de ser reformado, dar melhores condições aos professores, mas o número de pessoas tem que diminuir. Não podemos estar a colocar mais professores quando não há alunos. E este dinheiro que está a ser investido nesta classe profissional deveria estar era a ser investido em políticas de natalidade onde está dramática a situação. Ora, sem bebés não há alunos, sem alunos não há escolas, o Interior está desertificado. Não era melhor pegar neste dinheiro e investir em políticas de natalidade?”, questiona Sofia Afonso Ferreira.

No seu programa, a Iniciativa Liberal dá destaque a quatro áreas específicas: cidadania, saúde, cultura, justiça. Armando Alves defende que as medidas do partido oferecem também um olhar sobre aquilo que tem de ser ajustado a uma sociedade moderna. “Há ali um conjunto de temas que nos são particularmente caros, a defesa do Estado inclusive. O que é a defesa do Estado numa sociedade moderna do século XXI, se calhar hoje já é a cibersegurança em vez da simples participação militar em conflitos. Na política laboral consideramos que temos ocupações, já não temos apenas trabalho. Por isso, para nós, é natural termos uma proposta de smart work [modelo de trabalho que não implica um local de trabalho definido, em que o trabalhador pode executar a sua atividade profissional ou nas instalações da empresa ou, por exemplo, em casa]. Ainda no mundo laboral, há que por fim a esta demonização de trabalhador ou empregador. Isso para nós não faz sentido, existe aqui a necessidade, é óbvio, de procurar equilíbrio, mas não com esta luta de classes que alimenta um discurso político que nós achamos que é da década de 40, não é de agora”.

“Não há nenhuma vergonha em ser-se liberal, nós não cometemos nenhum crime, o que nós advogamos não torna a sociedade pior. Quando falamos de democracias liberais falamos de democracias" — Armando Alves, Iniciativa Liberal

Ainda com pouco de concreto ‘cá fora’ para permitir uma comparação mais analítica, Nuno Garoupa mostra-se cético em relação ao sucesso destes novos partidos liberais.

“Tenho muitas dúvidas que qualquer deles possa ultrapassar a barreira dos 1% nas legislativas de 2019. Simplesmente não acho que exista uma direita liberal nos votantes portugueses que não esteja já largamente cativa do PSD e do CDS”, comenta.

No entanto, a Iniciativa Liberal faz outro prognóstico, assente naquilo que a “Geringonça” deu ao país após as eleições legislativas de 2015. “Numa análise de Ciência Política, a Geringonça teve as suas virtudes. Demonstrou a muita gente o sistema em que vivemos. Nas legislativas elegemos um parlamento, não elegemos um primeiro-ministro. Se calhar agora quando estão a votar, já que estão a eleger um parlamento, escusam de fazer aquele chamado voto útil que é um voto num mal menor”, afirma.

Mundo liberal, Portugal liberal

O liberalismo vive a um ritmo diferente em Portugal e no resto do mundo, como nos conta o The Economist. A revista sublinha exemplos de duas potências mundiais: a China, "que em breve será a maior economia do mundo, [e que] mostra que as ditaduras podem prosperar"; e os Estados Unidos, onde "apenas um terço dos americanos com menos de 35 anos dizem que é vital viver em democracia". É um tempo em que "o liberalismo que fez o mundo" vê "o mundo a voltar-se contra si".

“A Europa e a América estão no meio de uma rebelião popular contra as elites liberais, que são vistas como egoístas e incapazes, ou desinteressadas, em resolver os problemas do cidadão comum. Por todo o mundo, uma mudança de 25 anos em direção à liberdade e aos mercados abertos inverteu-se, enquanto a China, que em breve será a maior economia do mundo, mostra que as ditaduras podem prosperar.

Os nossos fundadores ficariam surpreendidos pela forma como a vida de hoje se compara à pobreza e à miséria dos anos 1840. A esperança média de vida global nos últimos 175 anos subiu de pouco menos de 30 anos para mais de 70 anos. A percentagem de pessoas que vivem abaixo do limiar da pobreza extrema caiu de cerca de 80% para 8% e o número absoluto caiu para metade, enquanto que os que vivem acima desse limiar passou de cerca de 100 milhões para mais de 6,5 milhares de milhões. As taxas de alfabetização aumentaram mais de cinco vezes, para mais de 80%. Os direitos civis e o estado de direito são incomparavelmente mais robustos do que há apenas algumas décadas. Em muitos países, os indivíduos são agora  livres para escolher como vivem - e com quem.

Tudo isto não se deve ao trabalho dos liberais, obviamente. Mas enquanto o fascismo, o comunismo e a autarcia falharam ao longo dos séculos 19 e 20, as sociedades liberais prosperaram. Nas suas várias matrizes, a democracia liberal passou a dominar o Ocidente e a partir daí começou a espalhar-se pelo mundo.

No entanto, as filosofias políticas não podem viver das suas glórias passadas: também devem prometer um futuro melhor. E aqui a democracia liberal enfrenta um desafio iminente. Os eleitores ocidentais começaram a duvidar de que o sistema funcione a seu favor ou que seja justo. Numa sondagem do ano passado, apenas 36% dos alemães, 24% dos canadianos e 9% dos franceses acham que a próxima geração estaria melhor do que a dos seus pais. Apenas um terço dos americanos com menos de 35 anos dizem que é vital viver em democracia; os que aceitariam um governo militar cresceu de 7% em 1995 para 18% no ano passado. Globalmente, de acordo com a Freedom House, uma ONG, as liberdades civis e os direitos políticos declinaram nos últimos 12 anos - em 2017, 71 países perderam terreno, enquanto apenas 35 conseguiram ganhos.

Contra essa corrente, a The Economist ainda acredita no poder da ideia liberal”.

E, tudo indica que em Portugal também, um país que está a viver um paradigma diferente das subversões democráticas, como nos exemplos identificados no artigo que acompanha o editorial escrito do The Economist. Em Portugal já não há vergonha das pessoas se afirmarem como liberais, diz Armando Alves. “Não há nenhuma vergonha, nós não cometemos nenhum crime, o que nós advogamos não torna a sociedade pior. Quando falamos de democracias liberais falamos de democracias”, salienta.

Rodrigo acompanha-o. “Hoje em dia o grande tema político em termos internacionais é o perigo do fim das democracias liberais. As pessoas estão a perceber que é preciso proteger as liberdades. Uma democracia liberal é uma sociedade que vive em liberdade ou que se pressupõe que vive em liberdade, portanto é isso que temos de afirmar todos os dias: as liberdades que já conquistámos e que temos de defender, porque uma liberdade conquistada pode ser perdida. Nós não podemos dar nada por garantido”.

Os liberais “saíram do armário” e vão à luta. Travam diferentes batalhas, mas querem garantir que Portugal não perde a guerra, seja pela democracia, seja pela liberdade.