O aviso sobre a convenção que regula a partilha de água dos rios comuns a Portugal e Espanha foi feito durante uma mesa redonda sobre segurança hídrica e alterações climáticas inserida na programação do Encontro Nacional de Entidades Gestoras de Água e Saneamento, a decorrer em Aveiro.
“A questão é que há muitas melhorias que podem ser feitas, mas é uma tremenda caixa de Pandora e Portugal deve lidar com isso com imenso sentido de responsabilidade e imensa prudência. Há um ponto de partida muito importante: É preciso perceber os problemas que Espanha tem e a aflição que a água é para Espanha”, apontou o ex-ministro.
Francisco Nunes Correia foi um dos responsáveis pela elaboração da convenção e admitiu ser uma das pessoas “que mais tem noção do que gostaria que estivesse” e não está no documento, mas lembrou que o mesmo não é um conjunto de "conclusões de um congresso entre técnicos” que define como devem ser “as relações entre os dois países”.
“É um documento assinado por dois Governos e validado por dois parlamentos, de dois países vizinhos que têm uma situação completamente diferente e isso é de uma complexidade que as pessoas não se apercebem. Desde logo, há uma diferença fundamental: Portugal é quase exclusivamente um país de jusante e Espanha de montante. É uma diferença brutal entre os dois países. Portugal tem um ‘per capita’ de recursos hídricos que é cerca do dobro dos espanhóis”, prosseguiu.
O responsável pelas pastas do Ambiente, Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional entre 2005 e 2009 revelou ainda que este problema para Espanha é “quase paranoico” e de “sobrevivência”, e que "é preciso estar à mesa com as autoridades espanholas para perceber o que aquilo é”.
“A Convenção de Albufeira e qualquer acordo que se faça com Espanha não é uma discussão entre académicos ou profissionais, é uma discussão muito complexa entre dois Governos, problemas de soberania extremamente importantes e eu diria que para Espanha é uma psicose. Aliás, os problemas internos que Espanha tem com água são uma coisa que Portugal nem sonha”, referiu.
Nunes Correia, professor catedrático do Instituto Superior Técnico, recordou que a convenção foi assinada numa “excecional janela de oportunidade” e “assinada ‘in extremis’” porque, no último momento, a delegação espanhola recebeu ordens para não o assinar.
“A Convenção de Albufeira, lacunas ou omissões tem muitas, mas Portugal tem de ter muita prudência em não abrir a caixa de Pandora. Porque daquela caixa de Pandora saem tremendos sortilégios que nós não sonhamos. É muito difícil mexer na Convenção de Albufeira que não seja para a rever em baixa, relativamente aos interesses de Portugal”, insistiu.
Para Nunes Correia, “é preciso perceber os problemas que Espanha tem e a aflição que a água é para Espanha. Só compreendendo isso se consegue dialogar e ganhar respeito".
Ainda assim, insistiu para que Portugal não se lembre da Convenção apenas quando Espanha a viola e recomendou reuniões trimestrais para mostrar que o país está “atento e vigilante”, sem deixar cair o assunto.
António Carmona Rodrigues, ex-ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação e ex-presidente da Câmara de Lisboa, pediu também mais atenção para a Convenção que “foi um grande salto, relativamente aos convénios anteriores” e apontou as “insuficiências” da mesma que obrigam a “um esforço de cooperação acrescido”.
A chamada Convenção de Albufeira, em vigor desde janeiro de 2000, define as normas para a proteção e a gestão sustentável das águas transfronteiriças e cria a Comissão para a Aplicação e o Desenvolvimento da Convenção (CADC), de coordenação da gestão das águas dos rios comuns.
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