Na audição de cerca de duas horas na comissão parlamentar de inquérito sobre o caso das gémeas luso-brasileiras tratadas com o medicamento Zolgensma, Berta Nunes disse que a 31 de outubro de 2019, poucos dias após ter tomado posse, “deu entrada no gabinete da secretaria de Estado um ofício” dirigido ao seu chefe de gabinete “com cópia de um outro ofício enviado na mesma data ao chefe de gabinete do primeiro-ministro” pelo chefe da Casa Civil do Presidente da República.
A ex-governante referiu que o seu chefe de gabinete encaminhou para a Direção-Geral dos Assuntos Consulares e Comunidades Portuguesas (DGACCP), algo que disse ser “um procedimento correto” e “quase um procedimento de rotina”.
A DGACCP terá dado conhecimento ao consulado em São Paulo e “neste caso provavelmente não terão feito muito mais do que isso”, até porque a “família destas gémeas já estava em contacto com o hospital”, acrescentou, defendendo que é dever do Estado prestar informação sobre os direitos dos cidadãos portugueses no estrangeiro.
“Penso que todo este processo decorreu de forma normal e transparente […] Não encontrei qualquer indício de algum tipo de irregularidade”, salientou.
Berta Nunes disse também ter tido conhecimento do caso no final do ano passado, quando foi tornado público pela comunicação social.
“Não haveria nada que eu tivesse que fazer. Mesmo que eu tivesse tido conhecimento da situação, não vejo como pudesse ter algum tipo de intervenção”, afirmou, acrescentando: “neste caso nada fizemos porque nada havia a fazer, já estava tudo feito, as gémeas já tinham cartão de cidadão”.
A ex-secretária de Estado das Comunidades Portuguesas indicou também que o ofício tinha a referência “para os efeitos tidos por convenientes”, que “nada lhe foi pedido”, e que “era bastante frequente” o seu gabinete receber comunicações deste género.
“O que acontecia muitas vezes era uma interação mais informal com a Maria João Ruela [assessora do Presidente da República para os assuntos sociais], que era quem fazia a ligação connosco. Tratávamos coisas no sentido de proteger os cidadãos portugueses no estrangeiro dentro faz nossas capacidades”, indicou, apontando que é uma “obrigação e competência” do cargo que ocupou.
Berta Nunes considerou também que “não fazia muito sentido” este envio para o seu gabinete, “a não ser por serem cidadãs portuguesas que estavam no estrangeiro”, numa lógica de acompanhamento da situação.
A antiga governante e deputada do PS afirmou que o filho do Presidente da República nunca falou consigo sobre este assunto e o cônsul também não, mas que teve contactos “duas ou três vezes” com Nuno Rebelo de Sousa por este liderar a Câmara Portuguesa de Comércio de São Paulo.
Berta Nunes defendeu também que o processo de obtenção de nacionalidade “nem sequer foi célere”, foi “bastante demorado”.
“Fazer o agendamento em abril para em julho pagar os emolumentos e só em setembro ser enviado para o Instituto dos Registos e do Notariado não me parece um processo célere de registo de nascimento e primeiro cartão de cidadão. […] É um direito e um dever dos cidadãos fazer o registo, não podemos ficar seis meses à espera, parece-me excessivo”, sustentou.
Berta Nunes referiu também que o serviço externo de recolha de dados para a emissão do cartão de cidadão está previsto e tem um custo de 50 euros, enquanto o registo e o documento são gratuitos, e que “os consulados têm autonomia para organizar a forma como funcionam, dentro das normas legais”.
A antiga governante salientou ainda que os cidadãos portugueses que vivem no estrangeiro “têm os mesmos direitos” que os nacionais que residam em Portugal, “nomeadamente até o acesso ao SNS”, lembrando, no entanto, que há “sempre desigualdades”.
Berta Nunes disse ainda ter tido conhecimento e ter acompanhado outro caso semelhante, de um residente no Canadá com o mesmo problema de saúde, mas que desconhece o desfecho.
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