“Sou contra essa situação, porque sabia que estava a lesar o Estado, mas via ele [Manuel Godinho] como um Deus, como um pai”, disse Armindo Queirós, que está acusado de um crime de fraude fiscal e outro de branqueamento.
O arguido falava durante a segunda sessão do julgamento de um processo de fraude fiscal que deu origem ao caso Face Oculta, com 15 arguidos, incluindo Manuel Godinho, que terão lesado o Estado em quase 14 milhões de euros.
O principal arguido no caso, o sucateiro Manuel Godinho, que se encontra a cumprir pena de prisão no âmbito do processo Face Oculta, não compareceu no Tribunal, uma vez que foi dispensado de estar presente nas audiências, a pedido da defesa, por motivos de saúde.
A acusação do Ministério Público (MP) refere que Armindo Queirós emitiu faturas falsas no valor de 765 mil euros, tendo ainda angariado outras duas pessoas, coarguidos no processo, para, também eles, emitirem faturas e documentos equivalentes falsos que viriam a ser utilizados numa das empresas de Godinho e em empresas geridas pelos arguidos Manuel Nogueira da Costa e Paulo Costa.
Perante o coletivo de juízes, Armindo Queirós contou que abriu uma empresa de sucatas, por sugestão de Manuel Godinho, que lhe deu 5.600 euros para avançar com a constituição da sociedade, adiantando que fazia tudo o que lhe era pedido pelo empresário de Ovar, a quem via como um pai, por o ter ajudado numa altura em que tinha problemas com o jogo.
Na mesma sessão, o coletivo de juízes ouviu um antigo funcionário de uma empresa de sucatas que está acusado de ter descontado ao balcão cheques emitidos por sociedades geridas pelo arguido Paulo Costa para simular o pagamento das faturas e vendas a dinheiro falsas, no montante global de mais de 26 milhões de euros.
Este arguido explicou que levantava os cheques no banco a pedido de Paulo Costa ou do seu pai, Manuel Nogueira da Costa, e entregava-lhes o dinheiro em numerário, tendo chegado também a depositar dinheiro em contas que lhe eram indicadas por aqueles.
“Nunca achei nada de estranho. Era uma empresa que trabalhava com milhares de toneladas de sucata”, afirmou o arguido, adiantando que julgava que o dinheiro era para pagar a sucata que chegava ao estaleiro.
Este processo, que deu origem ao caso Face Oculta, onde se investigaram casos de corrupção e outros crimes económicos, surgiu na sequência de buscas realizadas em 2008 e 2009 nas empresas de Manuel Godinho, estando em causa crimes de fraude fiscal, nomeadamente falsificação de faturas.
No banco dos réus estão sentados 15 arguidos (11 pessoas singulares e quatro sociedades comerciais), que respondem por crimes de branqueamento e fraude fiscal.
Alguns arguidos também estavam acusados de associação criminosa, mas este crime caiu na fase de instrução.
Os crimes terão ocorrido entre os anos de 2005 e 2008 e envolveram um grupo de empresas com sede na zona de Aveiro e Ovar que, alegadamente, incorporaram na sua contabilidade mais de 44 milhões de euros de despesas com aquisições inexistentes, suportadas em faturas e outros documentos falsos de igual montante.
"As faturas falsas eram emitidas em nome de empresas não declarantes fiscais por vários indivíduos, agora também arguidos, quase todos com grandes dificuldades económicas", esclareceu a Polícia Judiciária (PJ), num comunicado divulgado em 2011.
De acordo com a investigação, os cheques, que se destinariam ao pagamento das "transações fictícias", eram descontados, muitas vezes no mesmo dia em que eram emitidos, e o dinheiro "vivo" voltava aos emissores dos cheques, que o incorporavam no seu património.
O processo Face Oculta, que começou a ser julgado em 2011, está relacionado com uma rede de corrupção que teria como objetivo o favorecimento do grupo empresarial do sucateiro Manuel Godinho nos negócios com empresas do setor do Estado e privadas.
O caso levou ao banco dos réus 36 arguidos, incluindo o ex-ministro socialista Armando Vara, o ex-presidente da REN (Redes Energéticas Nacionais) José Penedos e o seu filho Paulo Penedos.
Na primeira instância, o julgamento terminou com a condenação de 11 arguidos a penas efetivas entre os quatro anos e os 17 anos e meio, mas três deles acabaram por ver a execução da pena suspensa, após recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
A pena mais gravosa foi aplicada a Manuel Godinho, que após vários recursos e depois da prescrição de alguns crimes, viu a pena reduzida para 12 anos de prisão.
Armando Vara e José Penedos também foram condenados a penas efetivas de cinco anos e três anos e três meses de prisão, respetivamente.
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