Chang é alvo de dois pedidos concorrenciais de extradição, dos Estados Unidos da América (EUA) e de Moçambique, e encontra-se detido na África do Sul desde dezembro de 2018, no âmbito de um mandado de captura norte-americano.
“Estamos à espera da resposta do SCA [Supremo Tribunal de Recurso] e é impossível prever o calendário [do tribunal]”, confirmou à Lusa uma fonte jurídica no processo judicial de extradição do antigo governante moçambicano em curso na África do Sul.
A anterior sentença judicial, no Tribunal Superior (High Court) de Gauteng, em 10 novembro de 2021, decidiu que o antigo governante moçambicano deveria ser extraditado para os EUA.
No dia seguinte, o Governo moçambicano requereu ao SCA da África do Sul, em Bloemfontein, centro do país, autorização para recorrer da decisão do Tribunal Superior de Gauteng, e simultaneamente submeteu um pedido de acesso direto ao Tribunal Constitucional (ConCourt, no acrónimo em inglês), em Pretória, que, no seu entender “está em melhor posição para a reapreciação da decisão” do tribunal regional de Gauteng.
Todavia, em junho deste ano, o Tribunal Constitucional da África do Sul rejeitou o pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Moçambique para recorrer da extradição do ex-ministro das Finanças moçambicano para os EUA.
“É um caso típico de um braço de ferro em que não há compromisso, e a Procuradoria de Moçambique, liderada pela senhora Beatriz Buchili e muito intimamente ligada ao Presidente Nyusi, simplesmente faz tudo por tudo para atrasar e impedir a extradição para os Estados Unidos, embora que, já por duas vezes as autoridades judiciais da África do Sul tenham decidido que essa é a única decisão legal e constitucionalmente permitida e todos os recursos contra essas decisões foram rejeitados, recentemente até o recurso especial ao Tribunal Constitucional da África do Sul”, considerou à Lusa o académico e jurista André Thomashausen, especialista em direito internacional e comparado.
A decisão do Tribunal Superior de Gauteng, em Joanesburgo, invalidou o anúncio, em agosto do ano passado, pelo ministro da Justiça sul-africano, Ronald Lamola, de que Moçambique deveria ser o destino do julgamento de Manuel Chang.
Na ótica da juíza Margarete Victor, “a corrupção contribui para os países pobres ficarem ainda mais pobres”, salientando que o ministro da Justiça sul-africano deveria ter justificado na sua “plenitude” os motivos da decisão de extraditar Manuel Chang para Moçambique.
“Há considerações materiais que colocam em causa, por exemplo, o mandado de prisão”, sublinhou a juíza, referindo-se a um segundo mandado de prisão emitido em 14 de fevereiro de 2020 pelas autoridades de Moçambique contra Manuel Chang, que considerou de “difícil entendimento”.
“Parece que existe um crime de corrupção passiva para um determinado ato e não está claro se haverá punição do Sr. Chang nesse sentido”, frisou a juiz sul-africana.
Na sequência da decisão, o Governo dos EUA também reiterou o compromisso de levar à justiça os responsáveis de “fraude em grande escala, suborno e branqueamento de capitais” como decidiu a justiça sul-africana.
Nos últimos quatro anos, a entrega do ex-ministro das Finanças de Moçambique, considerado como a “chave” na alegada burla milionária moçambicana das dívidas ocultas, esteve prevista pela terceira vez depois de duas tentativas de Pretória, invalidadas em maio de 2019 e agosto de 2021, para Maputo.
O antigo governante moçambicano, detido na África do Sul desde dezembro de 2018 a pedido dos EUA, está alegadamente envolvido no caso das dívidas ocultas, de mais de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de dois mil milhões de euros), contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimento Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, antecessor de Filipe Nyusi, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo no país lusófono.
“E é aí que está o grande problema, no meu entender, é que o Presidente Nyusi e a sua administração querem continuar a esconder até à última consequência, não convém que o senhor Chang, num tribunal americano onde poderá se sentir seguro, venha a explicar quem o mandou assinar e fazer o que fez, porque é inconcebível que tenha praticado esses atos de corrupção e de branqueamento, de lavagem de capitais, por iniciativa própria”, sublinhou Thomashausen.
“É invulgar uma detenção que é só para assegurar a extradição, se prolongar para além de um ano. Aqui estamos a falar em quatro anos em que esta pessoa está detida sem processo, sem ter acusação formal, sem ter possibilidade de defesa, é uma violação dos direitos humanos fundamentais”, concluiu o jurista sul-africano à Lusa.
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