Em entrevista à agência Lusa, Eduardo Dâmaso afirmou que, na resposta a dar a este fenómeno, prefere valorizar aquilo que é “a essência do jornalismo do que abraçar certo tipo de receitas novas - hoje em dia há uma espécie de pequena indústria do “fact checking’” ou de verificação de factos.
“Prefiro que os cuidados a ter em relação às ‘fake news’ reconduzam aquilo que é a essência do jornalismo do que abraçar certo tipo de receitas novas. Hoje em dia há uma espécie de pequena indústria do ‘fact checking’”, afirmou à Lusa, num trabalho preparatório sobre “fake news”, tema de uma conferência, a realizar em 21 de fevereiro, em Lisboa, organizada pelas duas agências noticiosas de Portugal e Espanha, Lusa e Efe, com o título “O Combate às Fake News - Uma questão democrática”.
“Em abstrato”, essa “pequena indústria do “fact checking”, é boa, mas pode não conduzir ao “bom caminho”, dado que há projetos, “associando um discurso e uma prática” à verificação de factos, com pessoas que tiveram “atividades incompatíveis com o jornalismo” e hoje são vistas como “quase uma espécie de campeões do ‘fact checking’”.
Para Eduardo Dâmaso, este fenómeno deve levar a várias reflexões, dentro da classe dos jornalistas e evitar um discurso de que o ‘fact checking’ “resolve todos os problemas, por que “não é verdade”.
É uma reflexão, continuou, que deve “reconduzir ao essencial do jornalismo”, e, provavelmente como acontece em França, onde alguns dos grandes jornais, o Liberation, tem uma secção própria de “fack checking”, seguir esse exemplo.
“Pode ser interessante analisar esse tipo de experiência”, até pensando numa plataforma comum a vários órgãos num grupo empresarial, sublinha o jornalista, que da Lusa, editor e diretor adjunto do diário Público.
Em termos mais globais, Dâmaso encara o problema da desinformação ou das informações falsas como “uma gravíssima ameaça para a democracia representativa” e também para “o jornalismo e o formato de negócio que ainda é dominante, seja no papel seja no digital”.
Olhando para o fenómeno, descreve-o em termos políticos como “uma forma contemporânea de uma velha prática, que é a da propaganda”, criado “por interesses muito poderosos destinado a enfraquecer os mecanismos próprios da democracia representativa, através da forma como foram boicotados atos eleitorais, referendos”, no Reino Unido ou em Espanha ou nas eleições dos Estados Unidos ou Brasil.
Soluções, passam pelo cumprimento das regras do jornalismo, pela educação para os media, pelo desenvolvimento do “espírito crítico” nos jovens e na opinião pública e menos por uma intervenção do Estado ao nível de subsidiação.
A “educação para os media” é um “debate que se deve fazer rapidamente”, aproveitando até o desafio lançado pelo Presidente da República sobre a situação dos órgãos de informação.
Há países, referiu, onde “o Estado oferece assinaturas [de jornais] à escolha das pessoas”, assim, mantém “uma relação de financiamento do leitor e não propriamente do meio”, ou seja, “políticas de Estado” sem ser por “subsidiação direta” ou que passem a ideia de “o Estado meter os media no bolso”.
Exemplos bons que não vê hoje em Portugal. Pelo contrário, o diretor da Sábado lembra as declarações do ex-ministro da Cultura Castro Mendes por dizer que a questão das ‘fake news’ “se resolvia com umas ações de formação no CENJOR” ou da atual detentora do cargo, que “diz coisas lamentáveis sobre ler ou não ler jornais”.
Na Sábado, desde o aparecimento deste tipo de informações falsificadas, Eduardo Dâmaso confessou não ter mudado muita coisa no dia-a-dia da redação, dado que a revista “sempre teve um padrão de rigor e objetividade informativa e uma relação com a essência do jornalismo que é que é conhecida”.
Aumento sim, o debate e o nível de discussão internas, uma “reflexão interna sistemática e rigorosa sobre as peças que têm um conteúdo sobretudo mais intenso, que resultam mais do jornalismo de investigação”, recorrendo sempre aos “cuidados próprios, clássicos e típicos do jornalismo, da verificação, do contraditório”, concluiu.
E na questão da fiscalização, Dâmaso é da opinião de que algo terá de mudar, dado que a profissão de jornalista é uma das mais escrutinadas, mais do que advogados ou médicos, tanto a nível profissional, com várias estruturas, da Comissão da Carteira à Entidade Reguladora da Comunicação Social, aos próprios tribunais.
Uma supervisão que, acrescentou, penaliza sempre o “elo mais frágil desta cadeia, o jornalismo e os jornalistas”
Num universo, o jornalístico, em que a rapidez é um elemento de pressão, Eduardo Dâmaso defendeu tempo para refletir sobre o problema das informações falsas e manipuladas.
“Do ponto de vista cívico, é essencial perceber que estamos perante um fenómeno de manipulação potencial da nossa própria consciência, da nossa própria margem de intervenção social. As pessoas vivem na ilusão de elas próprias publicarem porque publicam no Facebook. É preciso parar para pensar um bocadinho”, concluiu.
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