"Não se admite no Brasil de hoje o confronto de ideias, e se você critica, você está torcendo contra o Brasil. É assim que é vista a crítica: como uma torcida contra o país, e não como a correção de um Governo que em 20 dias provocou pequenos desastres", disse, numa palestra na Casa do Alentejo, em Lisboa, o antigo candidato às eleições presidenciais de outubro pelo Partido dos Trabalhadores (PT), derrotado por Jair Bolsonaro (extrema-direita).
Fernando Haddad, antigo prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação, afirmou que o Brasil tem vivido uma crise desde 2013, tendo o 'impeachment' a Dilma Rousseff, em 2016, marcado uma "mudança de regime" que tem ameaçado os direitos dos cidadãos.
"Eu falo de uma mudança de regime porque efetivamente, para aqueles comprometidos com as jornadas democráticas de obtenção de direitos, e que têm mais ao menos a lembrança de como isso tudo começou, as revoluções em 2018 e 2019, trouxeram a lembrança de que isso exigia muita luta: dos trabalhadores, das mulheres, dos negros. Nada veio de graça no campo da democracia", declarou, para uma plateia de cerca de 400 pessoas.
O ex-candidato à presidência assinalou que estes direitos estão em causa quando se "perde para a extrema-direita".
"Quando você perde para a direita, para a centro-direita, tem uma parte disso que é preservada, ninguém discute. Mas quando você perde para a extrema-direita, sobretudo dessa natureza, que assumiu o Governo do Brasil, tudo está em discussão", disse o candidato do PT, referindo-se ao Governo de Jair Bolsonaro, empossado no início do ano.
O ex-ministro da Educação foi crítico do Presidente brasileiro, brincando que, caso a eleição tivesse sido por sorteio, "tinha 11 de 12 avos de tirar um candidato melhor".
"Não é uma simples alternância de poder, o que aconteceu. Nós não estaríamos tão apreensivos se uma pessoa razoável tivesse ganhado a eleição. Não é porque o PT perdeu, é em função de quem ganhou que há essa apreensão", acrescentou.
Haddad criticou o "ato impensável" de alterar a embaixada brasileira em Israel de Telavive para Jerusalém, apontando as consequências.
"Hoje a Árabia Saudita anunciou o descredenciamento de quase todos os frigoríficos brasileiros [contentores com produtos de origem brasileira], em função de um ato impensável", disse, referindo-se à decisão do Governo do Brasil em alterar a sua embaixada em Israel.
Para Haddad, compete à esquerda "oferecer uma alternativa", acrescentando que é necessário "elaborar um projeto de diálogo interpopular" para encontrar uma solução.
"Quando há uma crise, quem está com o discurso populista na ponta da língua é a extrema-direita", referiu, sublinhando que o projeto "não tem futuro" e que surgem com discursos "muito fáceis nos momentos de angústia".
Fernando Haddad, de 55 anos, está a realizar uma visita a Portugal e Espanha, juntamente com o também antigo responsável pela pasta da Educação no governo brasileiro, Tarso Genro.
Na sua intervenção, Tarso Genro, ainda antigo governador do estado de Rio Grande do Sul, justificou a visita à Península Ibérica para uma articulação com "dois países que são fundamentais para o futuro da América Latina: Portugal e Espanha".
Os dois políticos tiveram várias reuniões com membros de partidos de esquerda e de centro-esquerda portugueses e brasileiros, tendo Tarso Genro apontado a vontade do PT em "beber dessa fonte".
O antigo governador de Rio Grande do Sul mostrou o interesse na criação, "particularmente em Portugal e Espanha (...) de uma rede de resistência, de informação, de combate ideológico e de princípios" para combater "o fascismo, a reação política e a degradação completa dos direitos sociais e fundamentais".
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