Irene Neto intervinha hoje na discussão na especialidade do projeto de Lei orgânica sobre o Regime Jurídico dos Ex-Presidentes e vice-presidentes da República Após Cessação de Mandato, de iniciativa do grupo parlamentar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder, previsto para ir a votação na sessão plenária da próxima quinta-feira.
“Será justo beneficiarem ainda destas regalias, ninguém pode dizer que a família presidencial é pobre, podendo, por esta razão, atender às suas necessidades pessoais e políticas, com a dignidade que correspondam às altas funções exercidas”, questionou Irene Neto, deputada do MPLA e membro do Comité Central do partido.
“Já o mesmo não se poderá dizer do primeiro Presidente, em que nem o seu cônjuge e os seus descendentes alguma vez beneficiaram de lugares em administrações da banca, na mineração ou de qualquer outro recurso do país, pelo qual tanto se bateu e se conseguiu levar à independência de forma vitoriosa”, acrescentou.
António Agostinho Neto proclamou a independência de Angola a 11 de novembro de 1975 e morreu, vítima de doença, em setembro de 1979, tendo então subido ao poder José Eduardo dos Santos, que não se recandidata nas próximas eleições gerais de 23 de agosto.
Durante a sua intervenção, em que alguns momentos chegou a emocionar-se, a deputada contou episódios por que passou a família após a morte do primeiro Presidente de Angola, que classificou como de “inúmeras dificuldades”, como por exemplo não poderem entrar na sua própria casa no Futungo de Belas, “por permanente empecilhos, embaraços ou pura obstrução da segurança”.
Naquela altura, contou, “foram mais atenciosos o corpo diplomático, a Swapo [organização política da Namíbia]”, do que os “próprios camaradas”.
A deputada diz não concordar com o seu partido, que afirma, na introdução do assunto, que “é a primeira vez que temos um Presidente cessante”.
“Já houve um Presidente cessante, não voluntariamente, mas houve, e se ele não ficou aqui, ficou a sua família”, disse.
Para a deputada é compreensível que, com a “retirada do atual Presidente da República, perante uma conjuntura de grande desgaste”, as medidas cautelares e preventivas “para a garantia da segurança e da estabilidade da sua pessoa e dos seus familiares”.
Lembrou que “não foi fácil para a família gerir o dia seguinte à morte do Presidente Agostinho Neto”, tendo por várias vezes sido solicitado que o assunto fosse discutido, na Assembleia do Povo, naquela altura, mas sem sucesso.
“Com toda a transparência, não queríamos favor, não queríamos coisas opacas, não queríamos ser encobertos, queríamos que o povo decidisse qual era o apoio que devia ser dado à família do primeiro Presidente da República”, frisou.
“E ficámos indignadíssimos, por nos manterem à mercê das boas ou más vontades, da arbitrariedade de cada um que necessitasse de ajustar contas com o Presidente Agostinho Neto, por interposta pessoa à sua família”, lamentou.
Atendo-se mais ao projeto de lei em discussão, Irene Neto questionou a designação de “Presidente da República Emérito”, proposto no documento, que defende não está prevista na Constituição da República, e o direito a uma pensão vitalícia correspondente a 90% do vencimento durante o último ano de mandato.
Chamou a atenção que à medida que se consolida a democracia em Angola, os candidatos à Presidente da República “serão cada vez mais jovens e ficarão menos mandatos consecutivos no poder”, daí não concordar com o critério vitalício.
O projeto de lei não chegou a ser aprovado na sessão de hoje, devendo merecer, na próxima semana, novas discussões para melhoria do documento, antes de ir a votação na quinta-feira.
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