Uma "loucura". Foi assim que um advogado da Casa Branca classificou a reunião noturna de 18 de dezembro de 2020, na Sala Oval da Casa Branca.
Neste encontro, três assessores externos propuseram a Donald Trump vários planos para anular os resultados das eleições de 2020 — que Biden venceu — e mantê-lo no poder.
A comissão da Câmara dos Representantes que investiga o ataque ao Capitólio, a 6 de janeiro de 2021, revelou novos detalhes daquela que foi classificada pelo deputado democrata Jamie Raskin como a "reunião mais louca da presidência de Trump".
Eis a lista de participantes neste encontro de 18 de dezembro: Sidney Powell, advogada da campanha e instigadora de teorias da conspiração; Michael Flynn, ex-assessor de segurança nacional, e Patrick Byrne, ex-diretor-executivo do site Overstock.com.
Segundo a comissão parlamentar de inquérito, os participantes chegaram com um esboço de uma ordem executiva para que fosse assinada por Trump. O documento autorizava o secretário de Defesa a capturar todas as máquinas de votos e nomeava de Sidney Powell como procuradora especial para supervisionar esta operação e instituir processos criminais em resultado, com vista a investigar as eleições de novembro, vencidas por Biden.
Powell, Flynn e Byrne apareceram na Sala Oval sem que isso constasse na agenda, motivo pelo qual os advogados da Casa Branca foram alertados sobre a visita inesperada.
Powell disse que o grupo esteve a sós com o então presidente cerca de 10 a 15 minutos, antes que o assessor da Casa Branca, Pat Cipollone, chegasse a correr à Sala Oval.
"Não entendia como tinham entrado", conta Cipollone à comissão. "Não gostei de ver as pessoas que estavam na Sala Oval", confidenciou.
Perante a ordem executiva proposta pelos inesperados convidados, Pat Cipollone, opôs-se com veemência: “Ter o governo federal a confiscar máquinas de votos é uma ideia terrível para o país”, disse, num testemunho à porta fechada. “Não é assim que fazemos as coisas”, continuou, referindo que “há uma forma de contestar eleições” nos tribunais e que simplesmente não havia evidências de fraude para mudar o resultado desta eleição.
Além disso, estava "veementemente" contra a nomeação de Powell como procuradora especial.
Seguiu-se um "confronto acalorado e rude" entre Cipollone e os restantes funcionários da Casa Branca e assessores de Trump presentes na reunião.
Cipollone disse que, na reunião contenciosa, perguntou repetidamente onde estavam as provas de fraude que Sidney Powell alegava e não obteve respostas concretas. “Havia um desprezo claro pela ideia de fundamentar as alegações”, conta.
O ex-mayor de Nova Iorque, Rudy Giuliani, advogado pessoal de Trump, juntou-se ao movimento, depois de impulsionar durante semanas as teorias de fraude eleitoral.
Gritos e insultos
"Não foi uma reunião normal", conta Derek Lyons, secretário de pessoal da Casa Branca. "Havia pessoas a gritar e a proferir insultos."
Cassidy Hutchinson, assessora de Mark Meadows, chefe de gabinete de Trump, pôde ouvir o escândalo no Salão Oval e enviou uma mensagem de texto para outro funcionário a dizer que a Ala Oeste estava "CAÓTICA".
Cipollone, principal assessor da Casa Branca, disse que foi alvo de "agressões verbais" dos assessores externos por não demonstrar lealdade a Trump e investigar as denúncias de fraude eleitoral.
Eric Herschmann, outro advogado da Casa Branca que estava presente, disse que Flynn, num determinado momento, tentou demonstrar as supostas irregularidades eleitorais com diagramas que mostravam "termostatos Nest [equipamento inteligente que controla a temperatura das casas e serve para economizar energia] a ser conectados à Internet".
"Chegou a um ponto em que os gritos estavam completamente fora de lugar", conta Herschmann. "Tinha sido um longo dia e o que eles estavam a propor parecia-me uma loucura."
Naquela noite, Herschmann assinalou que todas as impugnações legais de Trump aos resultados das eleições tinham sido rejeitadas nos tribunais, ao que Powell respondeu: "Então os juízes são corruptos."
"Cada um deles é corrupto? Inclusive os que nós indicámos?", questionou Herschmann. Foi então que Flynn acusou o advogado da Casa Branca de ser um "desertor".
A reunião terminou depois da meia-noite, "voltando para o ponto de partida", segundo Lyons, que garantiu que os assistentes "lutaram" para que Trump continuasse a ser presidente.
Pouco depois do encontro, Trump enviou um tweet no qual instava seus milhões de seguidores a comparecer a um comício em Washington em 6 de janeiro.
“Grande protesto em D.C. a seis de janeiro. Apareçam, vai ser selvagem”, podia ler-se.
No dia 'marcado', milhares de apoiantes do ex-Presidente republicano reuniram-se em Washington num comício para denunciar o resultado da eleição de 2020, de que Trump saiu derrotado. As imagens de uma multidão invadindo a sede do Congresso dos Estados Unidos chocaram.
Ao longo dos últimos meses, a chamada ‘Comissão 06 de janeiro’ — com sete democratas e dois republicanos — ouviu mais de 1.000 testemunhas, incluindo dois filhos do ex-Presidente e analisou 140.000 documentos para esclarecer a responsabilidade exata de Donald Trump no evento que abalou a democracia norte-americana.
Por Chris Lefkow/AFP
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