Na última década, o número de alunos no ensino profissional em Portugal diminuiu ligeiramente – representam hoje cerca de 33% dos estudantes do secundário –, mas são cada vez mais aqueles que acabam o curso e cada vez mais aqueles que prosseguem os estudos.
Segundo a edição de 2024 do relatório "Estado da Nação: Educação, Emprego e Competências em Portugal", divulgada pela Fundação José Neves, no ano letivo 2021/2022, 84% dos finalistas concluíram o curso (em 2014/2015 foram 70%) e no ano anterior, a que se referem os dados mais recentes, 24% seguiram para o ensino superior (em 2014/2015 foram 15%).
Quando passam para o ensino superior, as opções dividem-se entre tirar uma licenciatura ou ingressar num Curso Técnico Superior Profissional (CTeSP), que não confere grau académico.
Beatriz Ribeiro tem agora 21 anos e foi uma das alunas que fez este percurso. A escolha para o ensino secundário foi óbvia, considerando o que se via a fazer no futuro: trabalhar com crianças. Por isso, frequentou o Curso Profissional Técnico de Ação Educativa na Escola de Serviços e Comércio do Oeste (ESCO) em Torres Vedras.
"Na altura tinha algumas dificuldades a Matemática, o que me fez pensar em seguir algo já direcionado para o que gostava, em vez de ir para o ensino regular. Achei que o curso profissional era o melhor para mim", começa por contar ao SAPO24.
Contudo, não foi um percurso sem obstáculos, principalmente no que diz respeito ao que ouviu de outras pessoas. "Quando digo que segui pela via profissional, referem que esses cursos são só para pessoas que não têm tantas capacidades. Pelo contrário, estes cursos precisam de bastante esforço e dedicação, isto para não falar que no final temos uma prova de aptidão profissional — e não é assim tão fácil de realizar".
Como acontece com tantos alunos, para Beatriz o curso profissional não foi o fim do percurso de estudos. "Sempre tive o sonho, desde pequenina, de ser educadora de infância e para isso teria de entrar na faculdade. O curso profissional dá-nos todas as bases para seguirmos para o mercado de trabalho como auxiliares, mas para quem deseja mais o Ensino Superior é o melhor caminho".
E não foi por falta de oportunidades mal terminou o curso profissional. "Após o estágio profissional que realizei, ofereceram-me emprego como auxiliar de educação. Só não aceitei porque queria seguir estudos na área", frisa.
Mesmo assim, não teve dúvidas das opções que tomou até aqui. "O curso profissional foi o melhor que fiz e acho que é um bom caminho a percorrer. Em tudo, desde as matérias que nos dão, focadas mesmo na área que gostamos, até ao estágio profissional em que percebemos mesmo o que é trabalhar naquela área", evidencia.
Para Beatriz, o primeiro passo no Ensino Superior foi frequentar o Curso Técnico Superior Profissional (CTeSP) de Intervenção em Espaços Educativos, na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais (ESECS), do Politécnico de Leiria. "Quando realizei os exames nacionais não consegui nota positiva a Matemática e a única forma para entrar na universidade era o CTeSP".
Começou em 2022 e, ao longo dos quatro semestres que frequentou, notou diferenças nos níveis de aprendizagem de quem vinha do ensino regular. "Quem seguiu um curso profissional tem muito mais experiência e está muito mais preparado".
Mas há mais caminho a percorrer: este ano, Beatriz entrou na licenciatura em Educação Básica, na mesma instituição. "Vai dar-me as bases para seguir o meu sonho. Existem matérias iguais no CTeSP e na licenciatura, por isso vou ter equivalência a essas disciplinas", remata.
Um ensino "mais fixe" e cada vez mais valorizado
Por toda esta possibilidade de crescimento, "o ensino profissional é cada vez mais valorizado pelos empregadores e pelos jovens portugueses, sendo que um em cada três jovens inscritos no ensino secundário frequenta um curso profissional", refere o relatório da Fundação José Neves.
"É nas áreas ligadas à tecnologia e à digitalização que uma boa parte dos diplomados deste nível de ensino secundário se encontra, reforçando o seu importante contributo na transição digital do país", é ainda referido.
E quem acompanha estas escolas sabe disso. Ana Cabral, diretora pedagógica da Escola Profissional Projeto Plural, em Viseu, esteve envolvida no lançamento do ensino profissional em Portugal, há cerca de 30 anos, e não tem dúvidas de que estes são uma boa opção — e ao nível de qualquer opção no ensino regular.
"O ensino profissional surge com um modelo pedagógico completamente distinto da escola regular e muito mais atualizado, muito mais moderno, muitíssimo mais profícuo para os alunos, para a aprendizagem, para o sucesso, porque tem uma estrutura modular. Isto quer dizer que os miúdos não são avaliados numa disciplina porque vão fazendo os testes, mas são avaliados ao longo de módulos em cada disciplina. Podem deixar um por fazer, passam para o seguinte, vêm recuperar o anterior. E o professor pode, no momento em que está a dar um qualquer, considerar que o anterior até já está feito porque o miúdo revela competências, capacidades e conhecimento. Há uma dinâmica muitíssimo diferente", começa por dizer ao SAPO24.
Todavia, desde o início que estes cursos têm "uma carga pejorativa". "Há que trabalhar sobre o pendor negativo que se colocou sobre as escolas profissionais, em que os alunos eram associados ao insucesso. E isto ainda é muito difícil, mais para os pais do que para os garotos. Ouve-se muito o 'não vás para o ensino profissional porque isso significa que não és um bom aluno'. Isso é mentira, cada vez temos mais miúdos de enorme sucesso no profissional", evidencia.
"O profissional tem largas vantagens sobre o regular. O modelo é largamente mais atual e melhor. Compete melhor com este mundo digital que é o dos miúdos, em que a distração é permanente porque não estão para ouvir uma hora de aula e depois repetir o que o professor disse. Há aqui uma vantagem imensa", acrescenta Ana Cabral.
Além disso, nestes cursos "a autonomia pedagógica é muito maior, há uma flexibilidade do currículo muito maior, porque as outras escolas estão agarradas a um programa e não podem sair dali e aqui é possível sair e articular o programa de outra forma, distribuí-lo pelas disciplinas de outra maneira — e até assegurar uma transversalidade grande entre as disciplinas, que estão todas articuladas". "É muito mais fixe, basicamente", defende entre risos.
Com a certeza de que este tipo de ensino resulta, é preciso olhar para o futuro. "A ambição europeia é que haja 50% de alunos no profissional e 50% de alunos no académico, este é um caminho que se está a fazer e que eu tenho muita esperança em que se faça com sucesso em relativamente tanto tempo", nota a diretora pedagógica.
E isso também vai refletir-se nos próprios alunos, que ganham "capacidade de olhar o mundo de outra maneira, de interpretar o mundo de outra forma". "Não ficam tão quadrados. Não trabalham para os exames e para as notas dos exames, mas fazer isto com equilíbrio é que é difícil", reflete.
Nada é perfeito: ainda há quebras no desempenho
Está provado, de acordo com o PISA 2022, que "os alunos do ensino profissional apresentam maiores quebras no desempenho nos três domínios em avaliação (Leitura, Matemática e Ciências)".
Assim, "se, por um lado, o ensino profissional se afigura como um potencial parceiro na transição digital de Portugal, por outro lado, fica patente a necessidade urgente de valorizar socialmente este tipo de ensino e reforçar iniciativas que possam contribuir para uma franca melhoria do desempenho destes alunos".
Além das quebras mais acentuadas no desempenho em todos os domínios, em comparação com os colegas dos cursos científico-humanísticos, o PISA 2022 confirmou igualmente que o desempenho dos alunos é tanto melhor quanto mais elevado é o estatuto socioeconómico.
“Quase metade dos alunos do profissional são oriundos de contextos de baixo estatuto socioeconómico, o que sugere ainda algum preconceito face a este tipo de ensino”, refere o relatório.
Já em 2023, o estudo “Como valorizar o Ensino Secundário Profissional? Dilemas, Desafios e Oportunidades”, realizado pela Edulog — iniciativa da Fundação Belmiro de Azevedo — em colaboração com a Universidade de Aveiro, referia que a opção dos alunos pelo ensino e formação profissional ainda está associada a um baixo desempenho académico e a contextos familiares e socioeconómicos mais desfavorecidos, em que dominam níveis de escolaridade inferiores.
Com 45% dos estudantes a frequentarem cursos profissionais, Portugal está entre os países europeus onde menos jovens optam por aquela via de ensino.
“O contexto socioeconómico é visto como determinante para a escolha do ensino secundário profissional, designadamente porque, para as famílias mais carenciadas, esta tipologia de ensino oferece perspetivas de uma integração mais rápida no mercado de trabalho após a conclusão do nível de ensino obrigatório”, referia o relatório.
Em comparação com os colegas do chamado ensino regular, há também diferenças em termos do histórico profissional e académico das famílias. Enquanto um terço dos alunos de cursos científico-humanísticos provêm de famílias em que o ensino superior é dominante, apenas 9% dos jovens a frequentar cursos profissionais têm contextos familiares semelhantes.
Nas famílias da maioria desses estudantes, dominam níveis de ensino inferiores e as profissões mais frequentes incluem operários e trabalhadores não qualificados.
O contexto familiar influencia igualmente o caminho dos estudantes quando terminam o ensino obrigatório. Aqueles que prosseguem os estudos têm, habitualmente, tutores mais escolarizados, uma escolha que está também ligada a médias mais altas e faixas etárias mais jovens.
Alunos com uma maior evolução
Beatriz Ribeiro, que frequentou o ensino profissional em parte devido aos problemas com Matemática, é um dos casos que os investigadores comprovam, já que reconheceu ter capacidades em algumas vertentes que os alunos do ensino regular não atingiram.
No que diz respeito ao perfil dos alunos, apesar do historial de baixo desempenho, os professores ouvidos pelos investigadores no estudo referem uma grande evolução de competências ao longo dos três anos do secundário e vantagens relativamente ao ensino regular.
“Os estudantes são descritos como mais resilientes, com maior capacidade de resolução de problemas e maior capacidade de trabalho em equipa do que os colegas do ensino regular”, lê-se no relatório.
Também Ana Cabral concorda que os resultados são visíveis na prática. No caso da escola onde trabalha, que se centra em cursos da área jurídica, os alunos ganham bases que seriam impossíveis de outra forma. "Estes miúdos fazem o 10.º, 11.º e 12.º e têm formação numa área técnica. Se forem para Direito na universidade, dão dez a zero a qualquer um dos outros que nunca tiveram contacto com os temas. Têm bases de Direito Processual, Penal, Civil, Organização Judiciária, mexem em códigos durante três anos. Vão muitíssimo melhor preparados".
Durante o curso, "têm 600 horas de formação em contexto de trabalho" e "fazem uma prova de aptidão profissional, em que desenvolvem um tema que tenha a ver com a área que escolheram. É um trabalho já académico, relevante, que depois apresentam e defendem publicamente". E isso só traz vantagens.
Como melhorar a imagem do ensino profissional?
Ainda assim, a imagem geral do ensino secundário profissional é tendencialmente negativa, pelo que há a necessidade de aumentar o reconhecimento do seu valor dentro das escolas, um trabalho que deve contar, desde logo, com os professores.
Para Ana Cabral, os últimos dez anos, tanto na Europa como em Portugal, têm mostrado que estes cursos trazem cada vez mais a ideia de um "ritmo de aprendizagem, um ensino individualizado", e a "avaliação para as aprendizagens e não das aprendizagens", o que permite que se olhe mais para "o modo como o aluno aprende e o que aprende" e não para as classificações.
Como "mudar vícios é difícil", o sucesso destes cursos — e a diminuição do preconceito — passa também pelo que acontece em cada estabelecimento de ensino.
"É preciso divulgar que o ensino profissional é apenas uma alternativa ao ensino regular, tão boa como o ensino regular, dá o mesmo acesso aos exames, dá o mesmo acesso à faculdade. Os miúdos se não quiserem logo estudar podem começar a trabalhar, porque têm uma área profissional reconhecida, com reconhecimento europeu, que vale igual em toda a Europa. Há vantagens acrescidas para os garotos", nota.
Por sua vez, "o próprio Ministério da Educação tem de fazer mais esclarecimentos sobre os cursos. Para mais público, não para dentro das escolas. Dentro das escolas, acontece que os alunos são cada vez menos e as escolas disputam alunos. Como o ensino profissional já existe nas escolas públicas, e é preciso dar horários aos professores, há uma tentativa de não deixar que os garotos saiam da escola para procurar alternativas profissionais que não existem ali. Por exemplo, o ensino público nunca vai a nada que envolva muito equipamento, porque sai caro, então só vai a coisas um bocadinho mais de lápis e papel. E as psicólogas fazem esse trabalho dentro das escolas, indicam o ensino profissional só lá dentro, para os alunos não procurarem fora daquela escola uma outra alternativa. E isto é errado", denuncia.
Assim, é necessário dizer aos pais que estes cursos "não são uma alternativa ao insucesso, mas sim uma alternativa ao estudo". "É preciso publicar muitos casos de sucesso de alunos do profissional, mas por vezes parece que isso só existe nas artes. A escola de Teatro de Cascais é uma escola profissional e aí funciona bem, porque não há o correspondente no público e valoriza-se o que acontece ali. Quando é o artista da novela [a frequentar um curso profissional] desmistifica um pouco a coisa", explica Ana Cabral.
Mas há mais entraves a uma evolução que se quer rápida, principalmente no ensino público. "Os cursos ficam meio embrulhados porque o preconceito também já está na cabeça do professor, dos pais e até dos alunos. E o preconceito é a coisa mais difícil de vencer. Entre os professores, se houver um engenheiro de madeiras ou um técnico de informática a ensinar, o professor olhar para ele como um colega de segunda. 'Aquele não tem uma licenciatura, um mestrado ou um não sei o quê. É um técnico que está aqui a ensinar, só tem uma formação para poder ensinar'. É uma coisa coisa muito portuguesa, é um processo um bocado conservador, antigo, que demora a vencer".
Mesmo assim, há sempre esperança. "Os pais ficam surpreendidos quando veem os miúdos a começar o 10.º ano com algum insucesso escolar e depois no curso profissional começam a revelar-se, porque sentem uma liberdade diferente, uma possibilidade de caminharem com mais autonomia, de criarem. Ouve-se o 'Eu que achei que o meu filho era tão burrinho e afinal é tão capaz'. É preciso criar esta oportunidade", remata.
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