Quem entra na página do Twitter de Geert Wilders fica logo a saber ao que vem o homem de volumoso cabelo loiro que sorri, de braços cruzados, na imagem de perfil: “STOP ISLAM”, dizem as letras de tamanho enorme que cobrem o cabeçalho da página. STOP ISLAM, ou, em português e sem maiúsculas, "parem o Islão".
Sozinho contra todos, Geert Wilders, de 53 anos, líder do PVV (Partij vor de Vrijheid, ou Partido pela Liberdade), tinha como mote devolver os Países Baixos aos seus cidadãos, naquele que é um spin-off do slogan do atual presidente dos Estados Unidos que dizia: “Make America Great Again” (tornar os EUA grandes de novo). Já Wilders reclama “The Netherlands Ours Again!” (os Países Baixos de novo nossos) no seu programa de governo. Os holandeses, porém, escolheram entregar a Mark Rutte o comando do país nos próximos quatro anos.
Não se dando por vencido, Wilders reagiu à derrota com uma mensagem para o adversário: “Ganhámos deputados! Essa é a primeira vitória! Rutte ainda não se livrou de mim!”, escreveu no Twitter.
Afinal, quem é o holandês nacionalista que antes sequer de Donald Trump marcar o debate político - com as suas ideias radicais, cabelo com personalidade e slogans entusiasmados - do outro lado do Atlântico, já dava nas vistas na cena política holandesa - e não apenas pelo seu cabelo oxigenado.
Nacionalista holandês de origem indonésia
As biografias que se têm escrito sobre Wilders (como esta em português, esta em inglês, ou esta em alemão) raramente deixam escapar a incongruência das suas raízes. É que a mãe de Geert Wilders emigrou para a Holanda vinda da Indonésia, precisamente o país com a maior população muçulmana do mundo. Porém, a Indonésia de onde a mãe de Wilders saiu, ainda bebé, era à altura uma colónia holandesa.
Nasceu a 6 de setembro de 1963 em Venlo, no sudeste dos Países Baixos. E foi nessa pequena cidade no centro do sul católico holandês que cresceu numa família da classe média. Ao contrário da mãe, o pai do líder do PVV trabalhava numa empresa local e tinha raízes em Limburgo, província do extremo sul do país, com capital em Maastricht, onde fica Venlo.
Wilders é o mais novo de quatro irmãos. Um irmão e duas irmãs que compõem a família Católica Romana em que Wilders cresceu. Fez a escola secundária em Venlo e logo aos dez anos, lembra o site americano ‘Politico’, revelava um “tom de comando”. A imprensa holandesa descobriu um artigo num jornal de escola que o mostra: “A 7 de janeiro de 1974 o petróleo é racionado”, cita o ‘Político’. “Todos têm de o respeitar. Não apenas tu, mas… !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!TODOS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!”, pode ler-se.
Antes de estudar Direito na Universidade Aberta dos Países Baixos, Wilders passou pelo Médio Oriente. Entre 1981 e 1983 viveu em Israel e viajou pelo Egito, pela Síria e pelo Irão.
“Chegando a Israel no início dos anos 1980 como um adolescente com uma cabeça boémia de caracóis castanhos, gastou todo o dinheiro numa semana e acabou a apanhar pimentos e melões num Moshav, no vale da Jordânia. Ficou durante mais de um ano. Foi o início do fascínio de uma vida com o país que hoje vê como a fronteira da luta entre a barbárie e a civilização”, escreve o Naomi O’Leary no ‘Politico’.
Começou por pintar o cabelo numa piada. Mas hoje o seu penteado a lembrar um compositor do século XVIII, é imagem de marca.
Já nos Países Baixos, ainda jovem, depois do serviço militar e dos estudos, vai para a função pública e fica chocado com a burocracia que encontra. É o momento em que Wilders se vira para a política.
Junta-se, em 1988, ao VVD, hoje liderado pelo rival de Wilders nestas eleições, Mark Rutte. E trilhou o seu caminho até dar nas vistas. Começou por escrever para o líder do partido, Frits Bolkestein, também ele crítico da emigração.
Daí, já na segunda metade dos anos 1990, passou a representar o VVD em Utrecht. Em 1998, foi eleito para o parlamento pelas listas do VVD. Inicialmente não deu muito nas vistas, mas depois dos ataques de 11 de setembro, em Nova Iorque, e do surgimento de uma onda anti-Islão na Holanda, Wilders foi ganhando a reputação de rebelde, não apenas por ir contra a disciplina do partido, mas também por aquilo que dizia.
Em 2004, do realizador Theo van Gogh, descendente de um irmão do pintor do século XIX, foi assassinado depois de lançar um filme que criticava o papel das mulheres nas sociedades islâmicas. Wilders capitalizou com a morte de van Gogh e ergueu a voz para denunciar o Islão como “ideologia fascista” e pedir restrições à entrada de muçulmanos nos Países Baixos.
Depois da morte do político populista holandês Pim Fortuyn, assassinado por um ativista em 2002, Wilders herdou a audiência e começou a ganhar apoiantes. Em 2004 deixou o VVD.
Partido pela Liberdade
Dois anos depois de abandonar o partido de centro-direita em parte por causa do apoio do VVD à entrada da Turquia na União Europeia, Geert Wilders fundou o seu partido, o PVV, na sigla em holandês. Logo em 2006, o jovem partido conseguiu nove lugares no parlamento holandês.
Mas a missão permanecia igual: lutar contra o Islão. Em 2007 propôs banir o Corão; em 2008 produziu uma curta-metragem onde juntava imagens violentas a passagens do livro. Os problemas diplomáticos (foi impedido de entrar no Reino Unido em 2009) e com a justiça (a última acusação de incitar ao ódio foi provada em dezembro do ano passado) por causa do seu discurso somavam-se, mas ainda assim a sua popularidade aumentava.
“Acredito que o Islão e a liberdade são incompatíveis”, disse numa recente entrevista à televisão alemã Das Erste. “Não tenho um problema com os muçulmanos, mas com o Islão como ideologia”, explica. É que para Wilders, “o Islão é mais uma ideologia do que uma religião” e das ideologias não se pode sair. Logo não há liberdade, argumenta Geert Wilders.
O PVV conquistou quatro lugares no parlamento Europeu em 2009 e 15 lugares para o parlamento dos Países Baixos no ano a seguir. Mark Rutte é encarregado pela rainha Beatriz de formar governo e conta com o apoio de Wilders.
Dois anos depois, contudo, Rutte propôs um novo orçamento com austeridade à medida de Bruxelas e Wilders retirou o apoio ao governo, que caiu e precipitou novas eleições no outono de 2012. O PVV sofre, então, a sua primeira quebra: perdeu nove lugares no parlamento.
Menos Europa, Mais Holanda
Em entrevista ao canal alemão Das Erste, no mês passado, Wilders dizia que o mesmo descontentamento com os partidos do sistema que pôs Donald Trump na Casa Branca, atravessa a Europa: “os líderes de hoje, os velhos partidos já não estão a representar um vasto número de pessoa nas suas sociedades.”
“Acredito que demos a soberania da nossa nação a uma instituição chamada União Europeia. Eu adoro a Europa, mas sou muito contra a União Europeia. Não somos responsáveis pelas políticas de imigração, não somos responsáveis pela política fiscal”, disse ainda Wilders. “Uma democracia, um estado-nação precisa de ser independente”.
E acusa ainda Bruxelas de não querer controlar quem chega ao espaço comunitário: “acredito que não estão dispostos, não só não conseguem como não estão dispostos [a controlar a fronteira]”.
Todavia, em 2013, Wilders procurava um bloco no parlamento europeu com um nome familiar ao PVV: Aliança pela Liberdade, com o objetivo de desmantelar a burocracia europeia e impor um controlo apertado das fronteiras do Velho Continente. Ao seu lado, na Aliança pela Liberdade, estava o contributo francês para o populismo: Marine Le Pen, que vai a eleições no próximo mês.
As culturas não são iguais
“Acredito que as nossas sociedades e os nossos valores são baseados no cristianismo e no judaísmo, no humanismo. E isso não quer dizer que nada mais seja bem-vindo. Devemos ter orgulho e devemos ter a certeza de que a nossa própria cultura está a liderar, é dominante”, defende Wilders na entrevista à Das Erste. “A maioria das pessoas no poder hoje acredita que as culturas são iguais”, acrescenta.
E por isso, a responsabilidade não é dos cidadãos: “Não estou a culpar as pessoas. Estou a culpar os líderes que permitiram esta situação”, diz Wilders. E essa indefinição leva a problemas: “Se não sabes quem és, também não sabes quem não és”, conclui.
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