Em comunicado, o Conselho de Ministros refere que o decreto-lei aprovado esta quinta-feira define “as regras e os procedimentos relativos à matrícula, frequência, acompanhamento, monitorização e certificação das aprendizagens, tendo em vista o Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória”.

Com o novo regime, a chamado “protocolo de colaboração” com as escolas constitui o principal instrumento para definir a organização do percurso do aluno, estando também definidos os procedimentos de acompanhamento e monitorização do processo educativo e as responsabilidades do encarregado de educação e da escola onde o aluno estiver matriculado.

“O presente decreto-lei visa dar resposta às famílias que, por razões de natureza estritamente pessoal ou de mobilidade profissional, pretendem assumir uma maior responsabilidade na educação dos seus filhos ou educandos, optando por desenvolver o processo educativo fora do contexto escolar, garantindo-se a flexibilidade e adequação ao ritmo de desenvolvimento e aprendizagens de cada criança e jovem”, acrescenta o comunicado.

O texto do novo regime jurídico aprovado só será conhecido depois de publicado em Diário da República, mas não deverá introduzir alterações significativas ao decreto-lei associado à proposta que o Governo submeteu à Assembleia da República.

Já se sabe, porém, algumas das alíneas sobre as quais o documento irá versar. Segundo avança o Público, com a nova lei, os alunos em ensino doméstico ou individual matriculados nas escolas da rede pública vão passar a ter acesso à acção social escolar e vão também poder requisitar os manuais escolares que são cedidos gratuitamente no início de cada ano letivo. Vai ser ainda possível frequentarem atividades de enriquecimento curricular, no 1.º ciclo, sendo a inscrição voluntária.

A intenção de legislar sobre o ensino individual e doméstico já tinha sido anunciada em março, quando o Governo submeteu uma proposta de lei nesse sentido, alegando que o objetivo era conseguir regular estes dois modelos de ensino de forma a garantir que as crianças e jovens não são prejudicados na sua aprendizagem.

Esta lei decorre de uma polémica portaria publicada em 2019 e que tem sido muito contestada por encarregados de educação e associações ligadas ao ensino doméstico.

Antes da sua publicação já havia, todavia, regras vigentes. Os alunos não só precisavam de estar matriculados no seu agrupamento de escolas mais próximo, como também tinham de ser avaliados segundo o programa curricular vigente. Não sendo alvo da avaliação contínua de professores, os educandos seriam submetidos a provas de equivalência a todas as disciplinas a cada final de ciclo, ou seja, no 4.º, no 6.º, sendo que no 9º tinham de fazer as mesmas provas finais de ciclo que os restantes alunos, ou seja, a Português e a Matemática. Já no Ensino Secundário, para além de prestar provas de equivalência para cada cadeira prevista no curso que escolheram na matrícula, seja ele científico-humanístico, artístico ou tecnológico, precisavam também de fazer os exames nacionais com o estatuto de autopropostos.

Para ensinar os filhos, os pais precisavam, pelo menos, de ter concluído o ciclo de ensino seguinte ao que se propunham a lecionar. Ou seja, para ensinar os filhos no ensino primário os pais precisavam de ter o 6º ano, para lecionar até ao 2º ciclo precisavam de ter concluído o 9º ano, para formar estudantes no 3º ciclo necessitavam de ter o secundário e só para ensinar neste último patamar é que precisariam de ter formação superior.

Ainda durante a legislatura anterior, o Governo português publicou um documento destinado a regulamentar formalmente esta modalidade de ensino. A motivação para o diploma, segundo o secretário de Estado da Educação, João Costa, prendeu-se com necessidade de “controlar as situações irregulares”.

Denominado “Portaria n.º 69/2019”, o diploma, altamente contestado pelas famílias em Ensino Doméstico, introduziu uma série de alterações na forma como se pode praticar a modalidade em Portugal.

Estas são algumas das alterações:

  • Passou a ser obrigatório o responsável educativo ter, pelo menos, o grau de licenciatura;
  • O processo de matrícula deixou de se cingir à escolha da modalidade, tendo a escola autoridade para indeferir o pedido mediante avaliação. Os candidatos têm de justificar a escolha e está prevista “a realização de uma entrevista ao aluno e ao encarregado de educação mediante convocatória da escola, com vista a conhecer o aluno e o seu projeto educativo”;
  • As escolas têm de designar um professor-tutor para avaliar o progresso do seu aluno;
  • É agora obrigatória a celebração de um “Protocolo de Colaboração” onde são definidas não só as “aprendizagens essenciais” e os “temas da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania” a reter do currículo nacional, como também as “formas de monitorização e acompanhamento das aprendizagens realizadas pelo aluno, incluindo a calendarização de, pelo menos, uma sessão presencial, coincidente com o final do ano letivo, a realizar na escola de matrícula”;
  • As famílias têm de criar um “portfólio” para ir registando as aprendizagens feitas. Este “deverá conter a autoavaliação do aluno, a apreciação do trabalho desenvolvido, elaborada pelo responsável educativo, e ainda outros elementos considerados relevantes”. Este será então avaliado pelo professor-tutor. As provas de avaliação mantém-se;
  • A escola pode cancelar ou impedir a renovação da matrícula em ED caso avalie que o protocolo de colaboração não foi respeitado ou caso o aluno reprove durante dois anos consecutivos nas provas. Caso seja cancelada a matrícula, os alunos têm transitar para o ensino regular pelo menos, com a decisão a ter efeito a partir do décimo dia útil seguinte ao da respetiva notificação do encarregado de educação; 

Durante o debate do decreto-lei agora aprovado em Conselho de Ministros, documento que acabou por passar na Assembleia da República com os votos favoráveis do PS e PSD em abril, o secretário de Estado e Adjunto da Educação explicou que se pretendia preencher um vazio legislativo, afirmando que nas últimas décadas, estes regimes têm cobertura “em todo o lado, exceto na lei”.

Assemelhando-se, na sua essência, à portaria em vigor desde 2019, a proposta que em abril esteve em discussão no parlamento assentava em cinco princípios fundamentais, como explicou na altura o secretário de Estado João Costa.

Em concreto, pretendia-se garantir uma oferta educativa que cumpra o currículo nacional, elevar os requisitos para as qualificações dos responsáveis educativos para o nível de licenciatura, promover a explicitação dos planos de estudo num protocolo de colaboração com as escolas e regular preventivamente, evitando riscos associados a estes regimes.

“O que temos aqui é uma proposta que respeita as opções das famílias mas protege também este direito à educação das crianças”, resumiu o secretário de Estado.

O número de estudantes em ensino doméstico aumentou de 524 inscritos para 723 já no atual ano letivo, segundo dados do Ministério da Educação. A subida correspondeu às previsões que as associações de ensino doméstico fizeram ao SAPO24 antes do início deste ano letivo que agora cessou.

Os números avançados à Lusa no início de fevereiro revelaram um crescimento de 38% das matrículas no ensino doméstico, sendo que nos últimos três anos letivos, o de 2018/2019 foi o que registou um maior número de inscrições, com 866 alunos.

Atualmente existem neste tipo de ensino mais alunos do 3.º e 4.º ano, 108 e 104 alunos, respetivamente, quando no ano passado existiam mais alunos do 2.º e 3.º ano, 81 em ambos.

[Notícia atualizada às 08:53 de 16 de julho]