No recurso apresentado para o pleno da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal Administrativo (STA) da decisão da juíza, o Sindepor insiste que a decisão do Conselho de Ministros que deu origem à requisição civil não estava devidamente fundamentada e, logo, esta figura usada pelo Governo para acabar com a greve é ilegal.
“São desde logo patentes não só a completa falta de fundamentação da resolução do Conselho de Ministros como também a absoluta desconformidade das declarações genéricas dela constantes (e ensaiadas a título de pretensa justificação ou fundamentação) com a verdade material dos factos”, lê-se no recurso, a que a agência Lusa teve acesso.
No documento, o Sindepor considera que “é incontornável a completa e grave ilegalidade” não só da resolução do Conselho de Ministros, por não estar devidamente fundamentada, como também da portaria que efetivou a requisição civil.
“A tese consagrada no acórdão recorrido, a poder ser aceite, significaria que qualquer Governo poderia, fácil e impunemente, impor o facto consumado da lesão irreversível, da inutilização e até da supressão de um direito fundamental, com natureza análoga ao de um direito, liberdade e garantia, como é o caso do direito à greve”, lê-se no texto do recurso.
O Sindepor considera “inaceitável o entendimento de que a violação do direito fundamental à greve não decorreria de uma requisição civil ilegal (decretada por pretenso e realmente inexistente incumprimento dos serviços mínimos) porque… a compressão do direito já decorreria da definição dos serviços mínimos operada no Acórdão do Tribunal Arbitral”.
Insiste que não houve violação dos serviços mínimos e que a intimação que apresentou em fevereiro (dia 11) para a proteção de direitos, liberdades e garantias da classe e contestando a requisição civil decretada pelo Governo “mantém inteira utilidade”.
O argumento (do acórdão do STA) de que o Tribunal não pode ordenar à Administração a anulação ou revogação de atos administrativos e só lhe compete anular tais atos, “levaria ao inaceitável absurdo de que nenhum processo urgente ou sequer o procedimento cautelar de suspensão de eficácia – todos legalmente previstos – pudessem afinal ser utilizados”.
Considera ainda o sindicato que a tese do acórdão do STA de que este tribunal não poderia ordenar à Administração que fizesse cessar resolução e a portaria que concretiza a requisição civil “representa não só um total absurdo como a consagração da impunidade dos atos governamentais ilegais e lesivos, senão mesmo impeditivos, e até inutilizadores, do direito à greve”
Representa ainda “a imposição da inexistência de tutela jurisdicional efetiva relativamente a tais atos. Em suma, representa a real destruição e liquidação do Estado de Direito, ainda que com belas e densas argumentações formais”.
O sindicato insiste que a resolução do Conselho de Ministros não contém, como deveria, “a indicação de concretas situações dos incumprimentos” e que “nem mesmo a desesperada tentativa das Entidades Requeridas de, tardia e intempestivamente (ou seja, em sede apenas de resposta à intimação), tentarem invocar pretensas situações concretas pode servir, a posteriori, de fundamentação de atos administrativos originários”.
“Por isso, aliás, questões relevantes como as das alterações e sobredimensionamentos dos programas cirúrgicos e das modificações das prioridades atribuídas aos pacientes – levadas depois a cabo […] precisamente para criar situações de não realização de atos cirúrgicos mas que em nada se deveram à greve dos enfermeiros – não deviam ser, como erradamente foram no Acórdão recorrido, por inteiro desvalorizadas e esquecidas”, considera.
O sindicato explica que houve “sobredimensionamentos [dos serviços mínimos] propositadamente praticados antes e até já no decurso da greve”, assim como foram redefinidas prioridades atribuídas aos doentes, nomeadamente no Centro Hospitalar Universitário de Coimbra e Centro Hospitalar de S. João, no Porto.
Tais atos, insiste, foram praticados para se “provocarem situações de impossibilidade de realização de intervenções cirúrgicas, para depois se atribuir, perante os próprios doentes, os seus familiares e a opinião pública em geral, a não realização desses atos cirúrgicos à greve”.
Diz ainda que se chegou mesmo a atribuir à greve dos enfermeiros “o adiamento de operações em estabelecimentos hospitalares onde ela pura e simplesmente não se verificou”, dando o exemplo dos hospitais de Leiria e no Amadora/Sintra.
Defende igualmente o Sindepor que a intenção do Governo foi a de “fazer da inutilização da greve dos enfermeiros uma mensagem para todos os outros setores profissionais que estão em luta e/ou se mostram descontentes com a sua presente situação profissional”.
Diz que foram fabricadas situações de incumprimento de serviços mínimos para sustentar depois a resolução do decretamento da requisição civil e que o Governo construiu argumentos para encontrar apoio junto de uma opinião pública “prévia e profusamente manipulada”.
“Que o crime compense e que as violações de direitos fundamentais possam ser impunemente praticadas por órgãos de soberania de um Estado que se proclama de direito democrático, baseado no respeito e na garantia da efetivação de direitos e liberdades fundamentais (artº 2º da CRP) é, seguramente, algo em absoluto inaceitável e que nenhuma vertente normativa pode consagrar”, conclui.
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