Com mais de uma centena de histórias já publicadas no Instagram, onde a página do grupo supera 12 mil seguidores, e também no Facebook, o projeto foi idealizado por cinco brasileiras que moram no Porto.
A Lusa falou com uma delas, que será identificada apenas como Maria. A jovem, de 23 anos, pediu anonimato porque o movimento tem sido alvo de ofensas.
“Mandaram-nos mensagens dizendo coisas como ‘volta para a sua terra’, por isso, queremos preservar a nossa identidade. Estou em Portugal há 5 anos, vim estudar. Somos cinco mulheres e decidimos criar o grupo porque não tenho nenhuma amiga, nenhuma conhecida brasileira que não foi vítima. Todas têm estas histórias para contar”, disse Maria.
A porta-voz do ‘Brasileiras não se calam’ contou que o projeto começou depois de uma participante do Big Brother Portugal ter feito um comentário preconceituoso sobre as mulheres brasileiras.
“Ela falou que as brasileiras já têm a perna aberta. Eu fiquei muito chocada porque isto foi dito num programa de televisão. Causou uma grande polémica, isto foi muito noticiado. É uma coisa que sabemos que acontece, mas nos revoltou porque pareceu que era algo que estava a ser normalizado”, afirmou.
Maria acrescentou que este foi o mote, mas que já estava cansada de ser alvo de assédio de homens em Portugal que, sabendo da sua nacionalidade, por exemplo tocavam no seu corpo sem permissão. A brasileira disse que vive estas situações de constrangimento e assédio mesmo quando está apenas a andar na rua ou em transporte público.
“Pelo meu corpo, pelo meu cabelo, pela cor da minha pele, pelo meu jeito de me expressar, de sorrir, de ser educada e até por dar bom dia. Já sofri muitas formas de assédio (…) Já chegaram a perseguir-me na rua, estava com um grupo de amigas, alguns portugueses ouviram o nosso sotaque e começaram a andar atrás da gente e a dizer coisas ofensivas”, afirmou.
Os relatos publicados nas páginas “Brasileiras não se calam” do Facebook e do Instagram são anónimos para preservar a segurança das vítimas.
Maria disse que a maioria dos casos se referem a histórias ocorridas em Portugal, onde estas situações são mais frequentes e mais graves, embora existam também relatos de situações de assédio, xenofobia e violência vividas por brasileiras na Alemanha, Suíça, Espanha, Estados Unidos, Austrália e outros locais.
“Trabalhava num restaurante e o gerente só me chamava de bonita e sempre fazia piadas de duplo sentido sobre brasileiras. Os outros funcionários homens também me assediavam. Cheguei ao ponto de ficar na cozinha sozinha, tive uma crise de ansiedade e pedi a demissão 15 dias depois", diz uma das mulheres, num relato publicado no Instagram do grupo.
“Faço mestrado e quando fui apresentar um trabalho a professora disse: Vejamos o que sai desta. Os brasileiros são preguiçosos! Tirei 19", relatou outra brasileira, que estuda em Portugal.
"Estava na escola e dois colegas levaram-me para dentro de uma sala, seguraram-me e passaram as mãos pelo meu corpo. Eu debati-me e consegui sair, mas nunca esqueci a sensação de que para eles eu não poderia ser uma colega de sala, eu já era a 'zuca', a p**a. Eu tinha 12 anos, sabe", relatou outra vítima nas redes sociais do grupo.
Questionada pela Lusa sobre os objetivos do grupo, Maria explicou que é dar apoio e inclusive farão reuniões online com outras brasileiras vítimas. Embora as páginas nas redes sociais sejam recentes, o projeto já se expandiu e sete advogadas prontificaram-se a ajudar as mulheres que contam as suas histórias às administradoras do grupo, responsáveis por publicar os relatos.
“Criámos o grupo para que estas mulheres possam ter voz. Depois apareceram outras mulheres que se voluntariaram para nos ajudar de alguma forma (…) Sete advogadas ofereceram-se para fazer trabalho voluntário e nos prestar uma ajuda. Percebemos que falta às mulheres que são vítimas destes crimes informações sobre como denunciar. A ideia é que as advogadas façam este trabalho informativo”, contou Maria.
“Já surgiu um caso de uma senhora que precisou de ajuda. Ela entrou com um processo, uma causa, e elas [advogadas] estão a ajudá-la de forma pro bono [gratuitamente]”, disse a porta-voz do ‘Brasileiras não se calam’.
Questionada sobre se sabe o motivo deste tipo de tratamento, Maria disse não ser capaz de o explicar totalmente, mas contou que muitos portugueses justificam este comportamento dizendo que no passado muitas brasileiras foram para o país para se prostituírem ou conseguirem um passaporte europeu através do casamento.
“Eu não tenho como dizer o porquê. O que aparece na página, as brasileiras sempre citam esta questão do passaporte e da prostituição (...) Não são todos os portugueses que nos tratam assim. Há algumas pessoas aqui que acham estas coisas um absurdo e nos apoiam, mas há muita gente que considera um exagero quando reclamamos e dizem que isto [a discriminação, caos de assédio] não acontece ou alegam que nós, brasileiras, somos muito sensíveis”, concluiu.
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