Num evento organizado pela Missão de Portugal junto às Nações Unidas para assinalar os 50 anos da Revolução dos Cravos, António Guterres afirmou, num discurso sem guião e em inglês: ”não teríamos consolidado a democracia se o povo não tivesse ido repetidamente e massivamente às ruas de Portugal para dizer que queria a democracia no nosso país”.
Perante centenas de pessoas, incluindo diplomatas de vários países, Guterres recordou vivências pessoais de quando Portugal era liderado pelo ditador António de Oliveira Salazar e partilhou memórias não só do dia da revolução, mas também do período conturbado que se seguiu.
O ex-primeiro-ministro disse saber o que é viver num país sob regime ditatorial, em que se podia ser preso ou torturado por ter uma opinião diferente da do Governo, em que os jornais eram alvo de censura e qualquer forma de associação era proibida.
“Mas o regime ruiu, não só porque estava podre, mas também porque o povo se juntou às Forças Armadas na criação das condições para a revolução”, frisou.
“E essa importância das pessoas não ficou limitada ao 25 de Abril de 1974 (…). Demorou dois anos para consolidar a democracia portuguesa”, acrescentou, recordando as mobilizações e manifestações pós-revolução.
Além das vivências desse período em Portugal, Guterres ligou ainda o 25 de Abril aos movimentos de libertação africanos que levaram à descolonização.
A partir do mote “Portugal 3D: Democracia, Descolonização, Desenvolvimento”, o evento discutiu “O impacto da Revolução dos Cravos no mundo”, com a participação dos embaixadores de Moçambique, Brasil, Espanha e Timor-Leste.
A representante permanente de Portugal junto à ONU, Ana Paula Zacarias, defendeu a necessidade de se lutar pela democracia “todos os dias”.
“A democracia nunca está garantida. Temos de lutar por ela todos os dias”, declarou a diplomata na câmara do Conselho Económico e Social das Nações Unidas (ECOSOC), especialmente decorada com centenas de cravos vermelhos.
Em declarações à Lusa durante o evento, Ana Paula Zacarias considerou ”muitíssimo importante” a mensagem transmitida por Guterres, assim como a partilha da experiência pessoal.
“O secretário-geral reforçou a ideia de que a democracia é vontade popular, num momento em que o mundo atravessa situações dramáticas de autoritarismo e de até regressão em alguns aspetos”, observou a diplomata.
“É o povo quem tem a condução do que deve ser a política, as escolhas políticas em democracia. E isso foi uma mensagem muito clara que o secretário-geral passou: que podemos atravessar tempos difíceis, podemos passar circunstâncias complicadas, mas o povo é sabedor e sabe encontrar os caminhos”, acrescentou a embaixadora.
Entre as centenas de pessoas na plateia estavam, além dos funcionários portugueses nas Nações Unidas, representantes permanentes nas Nações Unidas de países como Angola, Cabo Verde, Ucrânia e Marrocos.
A celebração teve ainda dois momentos musicais: um concerto de guitarra portuguesa de Marta Pereira da Costa, e uma interpretação da ”Grândola, Vila Morena” da jovem artista portuguesa Júlia Machado.
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