“Temos falhas desde o diagnóstico precoce das pessoas com diabetes. Teremos 40% de pessoas que vivem com diabetes ainda por diagnosticar, o que significa que não estamos a intervir nas fases precoces e estamos a usar tratamentos mais caros, mas também temos falhas no acompanhamento das complicações [da doença]”, explicou à agência Lusa o presidente da SPD, João Raposo, a propósito do 20.º Congresso Português de Diabetes, que arranca hoje em Vilamoura.

O responsável disse ainda que o facto de muitas pessoas com diabetes não serem acompanhadas devidamente, aumenta o potencial risco de desenvolver situações complicadas de pé diabético e de amputações.

“Na verdade falamos de vários tipos de rastreio, desde o rastreio da doença propriamente dita, até ao rastreio das complicações, onde o rastreio do pé e o rastreio da retinopatia, das complicações oftalmológicas, são claramente áreas onde precisamos de investir com urgência para diminuir o peso daquilo que gastamos na diabetes”, afirmou.

O responsável lembra que as pessoas que não estão diagnosticadas “são provavelmente aquelas pessoas que não recorrem normalmente aos cuidados de saúde primários” e defende que estes utentes sejam “ativamente chamados”.

“Tem de haver aqui um papel de chamarmos ativamente estas pessoas para o sistema de saúde, para preencher um questionário de risco, fazer a análise ao sangue. Não é nada complexo, mas o sistema, a seguir, tem de dar resposta”, disse o responsável, insistindo: “não podemos baixar a cabeça e abandonar esta luta”.

João Raposo considera “preocupante” a dimensão da diabetes, lembrando que há cerca de 900.000 pessoas diagnosticadas.

“Se pensarmos incluir mais de 200.000 pessoas nos próximos anos, compreendemos que, do ponto de vista de uma estrutura de saúde, um Serviço Nacional de Saúde, isso representa um desafio, mas os desafios estão exatamente lá para serem abordados, para se encontrarem as estratégias adequadas”, acrescentou.

João Raposo aponta ainda a necessidade de uma Resolução Nacional para a Diabetes, lembrando que a União Europeia aprovou em 2022 uma resolução europeia em que apela aos estados membros para adotarem as resoluções nacionais.

“Se não assumirmos como um desafio nacional, considerando o programa nacional realmente um programa prioritário, com os recursos necessários (…) nada acontece”, considerou o presidente da SPD, apelando à futura Assembleia da República assuma este problema como “um problema nacional (…) que necessita de recursos e que estes recursos têm de ser alocados”.

Defendendo uma visão integrada da diabetes – “que não existe” -, João Raposo insiste nos “impactos significativos” que a doença tem em toda a organização de cuidados de saúde e nos custos indiretos, muitas vezes esquecidos, como as incapacidades com que os doentes ficam e os apoios de estruturas do Estado, da família e de outros cuidadores.

Bombas de insulina ainda por distribuir ao fim de um ano

João Raposo lamenta também o atraso do programa anunciado em maio do ano passado, lembrando que a mais recente informação indica que apenas esta semana foi anunciado o concurso público internacional para aquisição por parte do Estado português das bombas de insulina.

O programa para tratamento com bombas de insulina de última geração foi anunciado em maio de 2022 pelo ministro da Saúde, Manuel Pizarro.

Na altura, o governante explicou que se estimava que o programa abrangesse 15 mil pessoas com diabetes tipo 1 e que os doentes deveriam começar a receber os aparelhos ainda em 2023.

O despacho publicado na altura explicava que o programa resultava do trabalho desenvolvido por um grupo constituído em 2022 que estimou a existência de cerca de 30.000 pessoas afetadas pela doença em Portugal, assumindo que metade teria indicação para tratamento por sistemas automáticos de perfusão.

À Lusa, João Raposo recordou que este programa abrangia crianças e adultos “que têm ficado para trás no acesso a esta tecnologia”, lamentando os “processos burocráticos pesados e demorados”.

As bombas de insulina de última geração têm um sensor que mede em permanência o nível de glicemia do doente, adaptando a dose de insulina necessária ao longo do dia. Nas mais antigas, o doente tinha de medir ele próprio o índice de glicemia (com picada no dedo) e introduzir os dados no equipamento.

O presidente da SPD alerta alerta ainda que a diabetes tipo 1, "apesar de começar tipicamente na idade pediátrica, também afeta adultos”.

“Atrasando este processo de colocação das bombas híbridas, se não damos uma porta de esperança para as pessoas adultas com diabetes tipo 1 estamos realmente a adiar o acesso a uma terapêutica tão importante como esta”, acrescentou.

João Raposo considerou ainda que estes atrasos têm “um impacto direto na qualidade do serviço prestado na acessibilidade” e pediu maior capacidade para agilizar processos.

“Era bom que o processo tivesse evoluído no sentido de acompanhar a agilidade necessária, porque não conhecemos muitas outras áreas na saúde que tenham um processo tão complexo e que se arraste tanto tempo. Na verdade, acabam por defraudar as expectativas das pessoas com diabetes e têm um impacto direto no funcionamento dos serviços de saúde”, afirmou.

Dados divulgados em maio do ano passado indicavam que, nos últimos 12 anos, tinham sido colocadas 4.710 bombas de perfusão subcutânea de insulina.

A Lusa questionou o Ministério da Saúde sobre o andamento do programa de acesso anunciado há cerca de um ano, mas não recebeu resposta em tempo útil.