Paulo Vaz, que integrou a Unidade Nacional de Contra Terrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária, explicou em tribunal que o que deu origem a este inquérito foram os atos violentos ocorridos em 20 de setembro de 2015, quando um simpatizante comunista foi agredido por membros e simpatizantes do movimento ‘hammerskins’, os quais, uma hora antes, tinham participado numa manifestação contra os refugiados, diante da Assembleia da República.
Os 27 arguidos conotados com o movimento 'hammerskin' estão a ser julgados em Lisboa.
O inspetor da PJ, com 26 anos de carreira, referiu que após as detenções e condenações de vários ‘hammerskins’ em 2007, este movimento de extrema-direita atravessou "dificuldades", mas a partir de 2013 a PJ "detetou o recrutamento de novos membros e atividades ilícitas" deste grupo xenófobo e racista em locais como o Cais do Sodré e Bairro Alto, em Lisboa.
Entre outras revelações, Paulo Vaz disse que a PJ ficou surpreendida por ter detetado que havia um guarda prisional com supostas ligações ao movimento ‘hammerskins’ a partir do incidente ocorrido em setembro de 2015.
O militante comunista agredido em setembro de 2015 - relatou - tinha saído de um comício organizado pelo partido, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, enquanto os ditos agressores, com t-shirts com a inscrição "Refugiados não são bem-vindos", escrito em inglês, tinham participado nessa mesma tarde numa manifestação anti-refugiados.
Paulo Silva, atualmente a trabalhar no estrangeiro em formação policial, revelou ainda que a PJ "acompanhou a dinâmica crescente do movimento" e ao "aumento de agressões” em certas áreas da capital, o que levou esta polícia a "reunir todos os processos dispersos pelas várias comarcas" sobre os membros e simpatizantes ‘hammerskins’ que tinham sido constituídos arguidos por agressões e outros delitos como posse de arma proibida.
O inspetor da PJ descreveu o movimento Portugal Hammerskins como uma "organização hierarquizada" composta por quatro escalões: os ‘hammers’ (membros efetivos), os ‘prospect’ (candidatos), os ‘hangarounds’ (novos membros numa fase inicial de adesão) e os ‘supporters’ (simpatizantes ou meros apoiantes do movimento).
Os crimes de ódio praticados, esclareceu, incindem sobre minorias étnicas, comunidade LGBT, militantes antifascistas e de extrema-esquerda e comunidade judaica.
Explicou ainda que no movimento não existem mulheres, embora estas tenham por vezes possam acompanhar os maridos e membros do movimento nas deslocações a encontros e festivais internacionais, onde só lhes é permitido assistir a concertos de música, e não aos ‘meetings’ fechados da organização.
No seu depoimento, o inspetor salientou que a PJ "não investiga partidos políticos, nem ideologias, nem religiões, mas atos que podem ser relevantes para a investigação criminal".
Antes, prestaram depoimento os arguidos Pedro Branco Guilherme e Luís Ribeiro, tendo o primeiro admitido que ensaiou e tocou, em dezembro de 2015 e fevereiro de 2016, como baterista de uma banda conotada com os ‘hammerskins’, mas apenas como substituto de outro baterista.
Alegou que nunca se apercebeu que as letras das músicas tocadas pela banda continham mensagens de ódio e apelos à saudação nazi, numa versão que motivou dúvidas e perguntas do coletivo de juízes presidido por Noé Bettencourt.
"Nunca pertenci a grupo nenhum ‘hammerskins’ só ouvi falar neste processo. Nunca fui, nem nunca desejei ser nada parecido", enfatizou Pedro Branco Guilherme, que atuou uma das vezes num evento no Porto, cidade para onde se deslocou de avião, com passagem paga por terceiros.
Os outros três membros da banda e também arguidos no processo decidiram, para já, não prestar declarações em julgamento.
Na sessão de hoje foi também inquirido o arguido e empresário Rui Ribeiro, dono de uma empresa que, em 2015, forneceu camisolas estampadas com uma frase contra os refugiados.
O arguido declarou "nunca ter pertencido, nem ter a pretensão" de integrar o grupo, embora admitisse conhecer três dos arguidos do processo, mas de outras paragens e circunstâncias e não do movimento.
Justificou que as camisolas que a sua empresa forneceu resultaram uma encomenda pedida e paga pelo arguido Ricardo Afoito.
O empresário está acusado de discriminação racial e de tráfico de armas, este último crime por ter sido encontrado na sua posse material pirotécnico, como petardos e tochas, cuja justificação motivou por parte do arguido versões diferentes em sede de inquérito e hoje em julgamento.
O julgamento prossegue na quinta-feira. O processo tem 24 volumes, 5.800 páginas e 88 apensos.
Quatro dos 27 arguidos estão pronunciados por tentativa de homicídio, estando ainda em causa entre os restantes arguidos os crimes de ódio racial e sexual, ofensas corporais, incitamento à violência, tráfico de droga e posse de arma proibida.
Este grupo violento foi desmantelado numa operação da PJ, em 2016.
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