As consequências do caso — entre as quais várias demissões, embaraços políticos e até hipóteses formuladas de extinção do SEF ou da sua absorção por outras forças de segurança — não foram suficientes para desvelar a obscuridade do mesmo, combatida através de pressões políticas e investigações jornalísticas.
Paradigmática da forma como este processo tem sido conduzido foi a audiência desta terça-feira, feita a pedido de Joacine Katar Moreira e do PSD, ao ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, onde este esteve para prestar mais esclarecimentos quanto à morte de Homeniuk e justificar a sua atuação.
Ao longo das duas horas e meia de sessão, Cabrita revelou algumas informações novas, mas furtou-se a responder à maioria das perguntas dos deputados, tanto mais que foi lembrado disso mesmo pelo presidente da comissão, Luís Marques Guedes, e os presentes desistiram mesmo de fazer uma segunda ronda de apresentações, tendo a audiência terminado mais cedo.
Esta foi a segunda vez que o ministro foi chamado a explicar-se ao Parlamento, depois de tê-lo feito também a 8 de abril. Desde então, a diretora do SEF pediu demissão, foi prometida uma indemnização à família de Homeniuk e foi aventada a hipótese ao Presidente da República do SEF e da PSP se fundirem, não por Eduardo Cabrita, mas por um diretor de polícia.
Crónica de uma morte denunciada
Para compreender o que trouxe Eduardo Cabrita até aqui, é necessário traçar os acontecimentos que tiveram início a 12 de março. Foi este o dia em que Ihor Homeniuk, cidadão ucraniano de 40 anos, morreu no Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (EECIT) no aeroporto de Lisboa, dois dias depois de ter chegado da Turquia, tentando entrar de forma ilegal em Portugal com um visto de turista para tentar trabalhar.
A morte só foi revelada no dia 29 do mesmo mês, quando a TVI avançou com a notícia de que Ihor teria morrido às mãos de inspetores do SEF, adiantando que teria sido “torturado e morto à pancada”. Um dia depois, três elementos do SEF foram detidos pela Polícia Judiciária (PJ) por "fortes indícios" da prática de homicídio, após a vítima ter supostamente provocado alguns distúrbios no EECIT, sendo colocado em prisão preventiva.
A polémica com o caso começou logo aqui, e não apenas devido à brutalidade com que aparentemente um cidadão estrangeiro tinha morrido às mãos das forças de segurança por “ter supostamente provocado alguns distúrbios no local", como descreve a PJ, mas também devido aos atrasos processuais por explicar e até à tentativa de encobrimento da causa da sua morte.
No próprio dia do facto ocorrido, o SEF diz ter informado o Ministério Público (MP) da ocorrência da morte de um cidadão ucraniano no EECIT, tendo sido “feitas as diligências necessárias, quer de comunicação ao MP, quer de remoção do cadáver para o Instituto de Medicina Legal (IML) para autópsia”. Um médico do INEM ter-se-á dirigido ao local, às 18:40, e terá confirmado o óbito, citando “paragem cardíaca respiratória após crise convulsiva”. Mais tarde, um inspetor que preencheu a ficha enviada ao IML referiu que o corpo tinha sido encontrado na via pública.
Passados cinco dias do homicídio, a 17 de março, o SEF transmitiu à Inspeção Geral da Administração Interna e ao Ministério da Administração Interna a existência de uma morte de “natureza epiléptica” — Homeniuk foi transportado para um hospital devido a um aparente ataque no dia 11 — e uma paragem cardiorrespiratória. Esta, segundo o Diário de Notícias, foi também a informação adiantada à embaixada da Ucrânia.
A tese, porém, viria a ser contestada quando a Polícia Judiciária entrou em cena, alertada por uma fonte anónima, que se crê ter sido um médico legista, para a existência de lesões graves no corpo que não correspondiam à causa de morte declarada. Iniciada a investigação criminal do caso, foi apurado que Ihor foi espancado durante 20 minutos na manhã de 12 de março, mas que apenas morreu 10 horas depois, às 18:40, tendo sido deixado manietado numa sala sem acesso a cuidados médicos — apesar dos alertas de um enfermeiro no local — e morrendo dos ferimentos, conforme reportam as investigações do DN e do jornal Público.
Ou seja, 13 dias passaram entre o relato de uma morte natural no aeroporto e a detenção de três inspectores por suspeitas de homicídio.
Esta é a acusação que, seis meses depois, seria formalizada pelo Ministério Público, a 30 de setembro, apontando aos inspetores do SEF Bruno Sousa, Duarte Laja e Luís Silva, que se encontram em prisão domiciliária, a autoria do crime por homicídio qualificado. O MP considerou que os três inspetores do SEF tiveram um comportamento desumano, provocando ao cidadão graves lesões corporais e psicológicas, sendo que os arguidos algemarem Homeniuk com os braços atrás do corpo e, desferindo-lhe socos, pontapés e pancadas com o bastão, atingiram-no em várias partes do corpo, designadamente, na caixa torácica, provocando a morte por asfixia mecânica. O julgamento está marcado para o início de 2021. E dada a hipótese de encobrimento, o MP decidiu também extrair uma certidão para que seja investigada a prática de eventuais crimes de falsificação de documento.
Um dia antes da divulgação da acusação do MP, foram reveladas as conclusões de uma investigação paralela desenvolvida pela Inspeção-Geral da Administração Interna à Direção de Fronteiras de Lisboa do SEF. Como resultado, a IGAI instaurou oito processos disciplinares a elementos do SEF potencialmente cúmplices ou omitentes de auxílio e aos três inspetores acusados de homicídio, tendo implicado ainda no caso seguranças privados presentes no local e um enfermeiro.
Das datas erradas às demissões: as investigações e as implicações políticas deste caso
Desde a morte de Ihor até às detenções aos inspetores passaram-se 18 dias, subsistindo várias dúvidas sobre o que realmente se terá passado nestas duas semanas e sobre a forma como SEF e Governo lidaram com o caso.
Foi a 30 de março que se conheceram as primeiras consequências do caso, com a demissão imediata do diretor e o subdiretor da Direção de Fronteiras de Lisboa do SEF, assim como a determinação, por parte do Governo, da abertura do inquérito acima mencionado, dirigido pela IGAI. Foram também de imediato abertos processos disciplinares aos membros demissionários e ao coordenador do EECIT.
A natureza do caso levou o PSD a chamar Eduardo Cabrita para uma audição na Comissão Parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a 8 de abril — a primeira das duas a que compareceu devido a este processo. Nesta instância, o ministro referiu que a investigação interna do SEF não apurou instâncias de crime, considerando apenas ter havido “coisas que estarão entre a negligência grosseira e o encobrimento gravíssimo”.
Para além disso, Eduardo Cabrita informou os deputados de que o SEF tinha aberto de imediato um inquérito interno, a 13 de março, após a morte de Ihor. Ora, o problema é que as informações apuradas pela investigação da IGAI deram conta de que esse procedimento só teve início no dia 30, já depois das detenções dos inspetores. Para além disso, recorde-se, a ocorrência apenas foi relatada ao IGAI e ao Governo no dia 17 do mesmo mês, apesar de ser obrigatório por lei comunicá-la de imediato.
O facto de Cabrita ter avançado uma data errada e de não ter explicado porque é que o seu gabinete recebeu a informação da morte de Ihor cinco dias depois do ocorrido levou a acusações dos vários partidos políticos de ter mentido ao Parlamento, motivando nova audiência, requerida pelo PSD e pela deputada não-inscrita Joacine Katar Moreira.
Nesta segunda comparência perante os deputados, o ministro voltou a não explicar estas incongruências, indicando somente que as detenções foram apenas feitas no dia 30 de março, porque foi só a 29 que o relatório da autópsia foi revelado, desmentindo as causas de morte natural adiantadas pelo SEF e motivando a abertura do inquérito. “Qualquer atuação na véspera deste dia da detenção teria um gravíssimo impacto de prejuízo do que era uma investigação em curso”, justificou, adiantando que nenhuma das pessoas envolvidas no caso se encontra atualmente a trabalhar no aeroporto de Lisboa.
Eduardo Cabrita revelou também que a IGAI fez participações à Ordem dos Médicos — devido à intervenção do médico que assinou a certidão de óbito de Ihor — e à Ordem dos Enfermeiros — quanto ao enfermeiro envolvido no caso. No entanto, a Ordem dos Médicos desmentiu o ministro no próprio dia, anunciando que foi apenas ontem que foi “contactada pela primeira vez pelo Ministério da Administração Interna, através da Inspeção-Geral da Administração Interna, no âmbito do processo relacionado com a morte de Ihor Homeniuk”.
Durante a audiência, o ministro voltou também a endereçar as questões do encobrimento do caso, revelando um novo dado: o de que o coordenador do gabinete de inspeção do SEF, João Ataíde, escreveu à diretora do SEF a 17 de março a constatar não haver "qualquer indício objetivo de agressões” com base nas imagens por videovigilância, as mesmas que mais tarde foram usadas para a investigação da PJ.
Tal comunicação errónea motivou, referiu o ministro, a abertura de mais um processo disciplinar, mas a ação produziu efeitos de curta duração, já que João Ataíde se demitiu esta manhã. Esta foi a quarta pessoa a abandonar o SEF devido a este caso, sendo que a terceira foi a própria diretora do serviço, Cristina Gatões.
O papel de Gatões durante todo o caso tem também sido altamente questionado. A responsável manteve-se à margem do processo — pelo menos publicamente — até ao dia 11 de novembro, quando se pronunciou indiretamente sobre o caso na cerimónia de tomada de posse dos 100 novos inspetores do SEF. “Nenhum cidadão estrangeiro ou nacional pode correr risco de vida quando se encontra sobre a nossa responsabilidade, temos a acrescida responsabilidade e o constitucional dever de garantir que em cada uma das nossas ações os diretos fundamentais das pessoas, designadamente o direito à vida e à integridade física, são protegidos”, disse.
Cinco dias depois, porém, a ex-diretora do SEF deu a entrevista que seria o início do seu fim na função. Em conversa com a RTP, Gatões admitiu que a morte de Ihor foi resultado de “uma situação de tortura evidente” e de que os seus contornos lhe tinham sido ocultados até à fase das detenções. No entanto, não obstante considerar este caso motivador da “pior situação que o SEF alguma vez viveu”, a responsável disse que não tinha pensado em colocar o seu lugar à disposição do ministro da Administração Interna.
“É uma responsabilidade à qual eu não podia fugir. Por muito duro que seja o momento com que tive que lidar, abandonar não adiantaria nada e não iria introduzir nenhuma mudança positiva, que eu achava que era possível introduzir, para que este trágico e hediondo acontecimento não seja nunca esquecido e nos catapulte para garantir que nenhum Ihor volta a sofrer o que este cidadão ucraniano sofreu nas instalações do SEF”, disse.
Com o aumentar da pressão, Gatões, contudo, não resistiu e apresentou a sua demissão a 9 de dezembro. No entanto, a sua saída também rapidamente foi cercada de controvérsia, tendo sido adiantado o rumor de que seria transferida para uma posição enquanto oficial de ligação em Londres, algo já desmentido pelo próprio ministro da Administração Interna.
Ainda assim, ao abandonar as suas funções no SEF, a ex-diretora acabou por se isentar de ser escrutinada pelos deputados no Parlamento, que já tinham requisitado a sua comparência a uma audiência. Ao fazê-lo, poderia ter esclarecido informações como a adiantada pelo DN, de que já sabia desde 19 de março dos contornos criminais do caso porque seu gabinete terá recebido um email referente à investigação da PJ.
Na semana passada, depois de ser conhecida a decisão de Cristina Gatões, o ministro da Administração Interna considerou que a diretora do SEF “fez bem em entender dever cessar funções”, justificando que não teria condições para liderar o organismo, mas também esclareceu o porquê de não a ter demitido formalmente.
“Uma pessoa dessas funções só pode ser afastada por responsabilidade criminal, por responsabilidade disciplinar ou por alteração de orientação política”, explicou o governante, justificando que não foi o caso. Tal foi proferido na mesma conferência em que foi anunciado que o Estado português iria finalmente indemnizar a família de Homeniuk.
Da Ucrânia com dor
Em paralelo às investigações à morte de Homeniuk decorreu a situação — também ela alvo de informações contraditórias — em que a família do imigrante foi deixada em Novoiavorivsk, localidade na Ucrânia.
Segundo disse o advogado a representar a família de Homeniuk, José Gaspar Schwalbach, ao Público, esta não tinha ainda recebido qualquer contacto do Estado português, nem para prestar condolências, nem para compensá-la financeiramente, nove meses passados da morte. Para além disso, numa entrevista dada à SIC Notícias, a viúva de Ihor, Oksana Homeniuk, adiantou ter sido ela a pagar pela transladação do corpo, tendo gasto 2200 euros, apesar de apenas receber 100 euros mensais do estado ucraniano.
Por perder o seu principal sustento económico e pela “dor profunda” que a morte de Homeniuk causou à sua família, esta pediu formalmente uma indemnização de um milhão de euros por danos não patrimoniais ao Estado, ao próprio SEF e aos três inspectores que foram acusados de homicídio.
Não confirmando se seria esse o valor a pagar — o número final ainda será definido pela Provedoria de Justiça e sairá do orçamento do SEF — , Eduardo Cabrita confirmou na conferência de 10 de dezembro, após reunião de Conselho de Ministros, que “decidiu assumir, em nome do Estado, a responsabilidade pelo pagamento de uma indemnização pela morte de um cidadão à sua guarda e em instalações públicas”. Um dia depois, o ministro informou a embaixadora da Ucrânia em Lisboa, Inna Ohnivets, da decisão.
Quanto à polémica relativa à ausência de contacto com a família, se Cristina Gatões e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, justificaram-na com o facto de não quererem intrometer-se no processo em curso, já o gabinete do primeiro-ministro foi omisso quanto a se António Costa falou ou não com Oksana.
No que toca a Eduardo Cabrita e Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, ambos terão falado não diretamente com a família, mas com o Governo ucraniano. Cabrita, por exemplo, já disse que logo em abril que foram prestadas as condolências — ontem, durante a audiência no Parlamento, repetiu-o.
A embaixadora da Ucrânia, em entrevista à RTP a 12 de dezembro, confirmou ter recebido a mensagem de Eduardo Cabrita, mas não se esta foi de facto transmitida à família. Aliás, tais questões tiveram contornos incómodos e até levaram Inna Ohnivets a abandonar a conversa. Dois dias depois, o ex-cônsul da Ucrânia em Portugal, Volodymyr Kamarchuk, disse que transmitiu “oralmente” as condolências a Oksana Homeniúk.
Ainda assim, mesmo confirmando-se que a morte de Homeniuk foi comunicada em mais do que uma instância ao Estado ucraniano, a diplomacia deste país queixou-se em reuniões com Augusto Santos Silva do facto de Oksana Homeniuk ter sido mantida à margem da investigação. Em causa está o facto de não lhe tendo sido dado acesso ao processo, apesar do Código de Processo Penal português permitir a sua colaboração com o Ministério Público.
O futuro: do SEF e de Eduardo Cabrita
Os contornos da morte de Ihor Homeniuk tiveram como consequência o apontar dos holofotes mediáticos para os procedimentos do SEF no seu tratamento de estrangeiros e até a sua própria natureza enquanto serviço do Estado.
Eduardo Cabrita garantiu ontem durante a audiência no Parlamento que a morte do cidadão ucraniano é um caso isolado, não havendo “qualquer registo de circunstância similar”. O ministro referiu, aliás, que houve mais duas mortes registadas no aeroporto de Lisboa em 2014 e 2019, mas em ambos os casos trataram-se de correios de droga que morreram enquanto transportavam narcóticos no seu organismo.
No entanto, se as circunstâncias da morte do cidadão ucraniano são extraordinárias, a violação dos direitos humanos e a violência não. Referências à “salinha da surra” — onde Homeniuk terá sido espancado — e a denúncias de abuso de autoridade, coação, intimidação e obstrução ao exercício do direito de defesa têm vindo a avolumar-se junto da Provedoria de Justiça, tendo como principal alvo o Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária do aeroporto de Lisboa.
Espaços como este vinham a ser alvo de várias críticas — inclusive por parte de observadores e até da Provedoria de Justiça —, mas particularmente o do aeroporto da capital, por ter capacidade para deter 58 pessoas, incluindo crianças, em condições sem privacidade e por mais do que 48 horas. Para além disso, nos Centros de Instalação Temporária (CIT) os detidos não tinham acesso a apoio jurídico, sendo sujeitos a interrogatórios ilegais.
Perante esta situação, e com a pressão criada pela morte de Ihor Homeniúk, o ministro da Administração Interna anunciou logo a 6 de abril mudanças profundas no modelo de funcionamento do CIT do aeroporto de Lisboa e determinou o seu encerramento. Este só viria a reabrir a 1 de agosto, tendo sido alvo de remodelações já sugeridas desde 2017, desde a criação de duas áreas distintas para separação dos utentes por sexo, até a um gabinete destinado ao contacto entre os cidadãos estrangeiros e respetivos advogados, algo que foi acordado em protocolo com a Ordem dos Advogados.
Para além destas medidas, foi tornada pública pelo DN a implementação de botões de pânico nos centros de detenção que servem para alertar membros do SEF que se encontrem na portaria. Apesar do SEF indicar que tais botões servem para situações de emergência ou casos de indisposição, e não para situações como a que afetou Homeniuk, este procedimento foi politicamente encarado como uma admissão de incapacidade do próprio serviço de proteger os detidos da sua violência.
Estas medidas, porém, não chegaram, e subiu o tom da contestação ao SEF, principalmente pela voz do Presidente da República, que chegou a sugerir a sua extinção. Em declarações no Palácio de Belém, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu ser preciso apurar se a morte de Homeniuk nas instalações do SEF correspondia a uma atuação sistémica. “Importa verificar se há ou não há um pecado mortal do sistema. Se há, então este SEF não serve e tem de se avançar para uma realidade completamente diferente", reforçou o chefe de Estado.
Com isto, o Governo foi forçado a antecipar as reformas que sublinhou já estarem previstas no seu programa, de proceder a uma “separação orgânica muito clara entre as funções policiais e as funções administrativas de autorização e documentação de imigrantes", conforme anunciado em Conselho de Ministros. Tal vontade de mudar o SEF foi ontem tornada efetiva por Eduardo Cabrita, que anunciou janeiro do próximo ano como o mês em que se inicia o processo de reforma, devendo este demorar seis meses. Todavia, o ministro não adiantou mais detalhes.
Concomitante à pressão exercida sobre o SEF, o próprio ministro chegou a dezembro fortemente pressionado pelos diversos quadrantes políticos para apresentar a sua demissão, apesar de este ressalvar que foi o primeiro a lamentar e a agir “quando muitos estavam desatentos”.
Defendendo a sua conduta e demonstrando orgulho no seu trabalho enquanto ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita disse na conferência de imprensa de 10 de dezembro que a sua continuidade no Governo dependeria da decisão de António Costa. "Tal como estou aqui porque o senhor primeiro-ministro entendeu nessa altura tão difícil [em outubro de 2017] pedir a minha contribuição nessas novas funções, também relativamente a esta matéria só o primeiro-ministro lhes poderá responder", afirmou. Costa, porém, segurou-o, dizendo manter “total confiança no dr. Eduardo Cabrita como ministro da Administração Interna”.
Com o apoio público do primeiro-ministro, a turbulência à volta de Eduardo Cabrita poderia ter-se dissipado ou pelo menos diminuído. No entanto, entrou em cena Magina da Silva, o diretor nacional da Polícia de Segurança Pública. No passado domingo, após dirigir-se ao Palácio de Belém para entregar um livro sobre a história da PSP, o responsável admitiu aos jornalistas estar a ser trabalhada a fusão da PSP com o SEF — extinguindo ambas as instituições e formando “uma polícia nacional” — e que chegou a abordar a questão com o Presidente da República.
A “bomba” foi largada. Apesar de Eduardo Cabrita avisar que a reforma do SEF será anunciada "da forma adequada" pelo Governo "e não por um diretor de Polícia", de António Costa negar esses planos de fusão e do próprio Magina da Silva mais tarde admitir que “apenas apresentou a sua visão pessoal", a ideia de um diretor da polícia ignorar o seu superior hierárquico, o ministro da Administração Interna, para falar de planos com o Presidente da República ficou.
Como resultado, Cabrita foi ontem confrontado por vários deputados quanto à situação aparentemente insustentável de ter sido desautorizado pelo diretor nacional da PSP, e questionado sobre quer ele ou Magina da Silva dever-se-iam demitir. O ministro não respondeu, dizendo apenas que “a PSP deve cingir as suas intervenções a matérias da sua competência".
Tendo protagonizado uma audiência que pouco clarificou o que permanece obscuro, pendem algumas questões para Eduardo Cabrita. Será que o ministro sobrevive a este caso? Que mais pormenores do encobrimento da morte de Homeniuk falta descobrir? E que SEF será este a ter um novo começo em 2021? Será que serão dados passos significativos para se garantir que um caso destes nunca mais volta acontecer? Ou, como Marcelo Rebelo de Sousa sugeriu, poderá este ser um problema sistémico do SEF? A única certeza é que, seja ou não a sua morte motriz de mudança, Ihor Homeniuk aterrou em Portugal com a promessa de uma vida melhor, mas nunca chegou a sair do aeroporto.
*com Lusa
Comentários