Em cada cantinho dos 350 quilómetros de extensão do Rio Minho, há uma vista diferente sobre o horizonte que suplica por ser fotografada e eternizada, uma planta diferente que pede para ser observada de perto, um som distinto da água corrente que nos seduz para ser ouvida no embalar do caudal, uma margem a convidar para ser explorada. Desta vez, a paragem é em Vila Nova de Cerveira, Portugal. Do outro lado está Tomiño, Espanha. No meio, o imponente Minho.
A linha imaginária que divide o rio ao meio separa a metade portuguesa e espanhola, mas aqui navegam barcos que não vêem fronteiras. Se, em tempos, este caudal se enchia de embarcações de pesca, hoje em dia quem domina são as atrações turísticas ou os pequenos barcos privados. “Sinais dos tempos”, há quem diga. Em alguns casos, sinais francamente bons com mudanças que tornam a navegação mais amiga do ambiente.
É o caso do modelo que faz o passeio do “Cruzeiro das Ilhas” e que é movido a energia solar. Produzido integralmente em Portugal, é ecológico, autónomo, e procura ser uma solução que não perturba a biodiversidade da região, possibilitando que mais pessoas possam ficar a conhecer Vila Nova de Cerveira vista do rio.
A rota começa no Parque do Castelinho e vai até Caminha, podendo ser maior ou menor - literalmente à vontade do freguês. O nome, “Cruzeiro das Ilhas”, tem origem nos dois pedaços de quase-selva que emergem no meio do Minho: A Ilha da Boega e a Ilha dos Amores, à qual se junta uma terceira ilha, essa propriedade pública sob gestão da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira.
As Morraceiras, como também são conhecidas as ilhas do Rio Minho, são atualmente propriedade privada com histórias que passam de geração em geração. Em tempos, estes terrenos serviram de estábulos de vacas e cavalos, os mais antigos garantem que são da altura em que as Morraceiras ficavam submersas quando a maré subia. Hoje, com todas as certezas, e também porque o caudal é significativamente menos abundante, isso não acontece.
As duas ilhas privadas já foram alvo de várias propostas de investimento. Ao fim ao cabo, quem é que não gostaria de poder passar umas férias no meio de um resort numa pequena ilha no meio do Minho? Mas entre alojamentos e explorações turísticas, nenhum dos projetos foi aprovado. A preservação da biodiversidade é uma prioridade e a negociação (ou impasse na mesma) tem ditado essa sorte.
Vistas de fora, são uma bruma de natureza e mistério. Nas margens, troncos caídos e resíduos levados pela corrente servem de habitat às espécies que lá habitam. Há os peixes do rio, as aves que pousam à procura de alimento e também testemunhos que contam que aquela é uma zona de lontras. Ao que tudo indica, esta espécie dá-se bem com os ares do Minho e uma boa forma de o comprovar - caso não tenhamos a sorte de nos cruzar com uma rio abaixo e rio acima - é uma visita ao Aquamuseu localizado na margem portuguesa do rio, em Vila Nova de Cerveira.
Chama-se Eureka, foi resgatada há vários anos numa lagoa onde corria perigo de vida e levada para o centro de reabilitação do Aquamuseu, a sua nova casa, onde é agora uma das grandes atrações. Ali convive com várias espécies que constituem uma mostra da fauna local.
Explicar o rio Minho para quem não “pesca” nada disto
Entre os peixes que nadam nos aquários e espécimes que já desapareceram, e cujas memórias ali foram guardadas, há 15 anos que o Aquamuseu se dedica a contar a história daquele que é um dos rios mais importantes no que diz respeito à pesca artesanal. Numa visita guiada, o diretor do museu e responsável do projeto, Carlos Antunes, apresenta-nos ao detalhe o Rio Minho.
Com uma área com cerca de 17000 Km2, apenas uma pequena parte deste rio internacional, cerca de 5%, está em território português. A sua bacia hidrográfica, que serve de habitat a muitas espécies e é rica em biodiversidade, foi se alterando ao longo do tempo, também por consequência da intervenção humana na natureza.
O Aquamuseu simula a descida pelo rio Minho e convida os visitantes a fazer uma viagem, uma viagem que é temporal mas que também acompanha toda a extensão do rio e as diferentes camadas que constituem a sua fauna e flora.
O percurso começa na zona alta, onde as espécies que pertencem ao grupo dos Salmonídeos são as mais comuns, em particular, as trutas. Porque as condições naturais assim o permitem, numa zona em que a água é mais oxigenada, mais translúcida e mais fria, é também uma área propícia a atividades de pesca desportiva. Segue-se uma paragem pelos afluentes, pelas barragens, pelas zonas média e baixa do rio, e uma pequena visita pelo estuário e o banco de areia.
Para além de dar a conhecer e de promover o património do rio, o Aquamuseu apoia a investigação da biodiversidade e da sua evolução. À viagem pelo rio e às várias atividades pedagógicas que promove, junta-se a promoção de um espaço dedicado à sensibilização para o impacto das alterações climáticas, com um dos principais focos desta ação a apontar para a extinção das espécies ligadas ao marisco e aos bivalves.
A visita não fica completa sem se conhecer a Eureka, mas, quem queira ver mais, o museu integra ainda na visita a exposição do Museu das Pescas. É aqui que se mantêm vivas as memórias da tradição piscatória. Entre exemplos de antigas embarcações, redes que eram utilizadas para a pesca e de instrumentos ilegais para a apanha do peixe, há espaço para homenagear alguns dos nomes mais conhecidos na terra pela arte que faziam no rio.
A história está aqui preservada, mas as águas do Minho ainda recebem a pesca tradicional sazonal. Atualmente, só nos meses de dezembro a maio é que a atividade volta, para a pesca de espécies como o meixão, particularmente apreciada em Espanha, a lampreia, o sável e a truta.
Mas o encanto do rio não está só dentro de água e, como se diz na gíria tradicional, não há nada como ver pelos próprios olhos. Foi a pensar na população local, em turistas ou nos curiosos, que a região do Alto Minho investiu na ecovia que liga uma extensão de quase 40 quilómetros à beira-rio. Em 2018, a extensão que liga Monção e Caminha, que está livre de carros com acesso exclusivo a peões e ciclistas, ganhou o prémio GreenWays, recebendo o título de terceira melhor via verde da Europa.
Nas duas margens do rio, quer em Portugal, quer em Espanha, dominam os espaços verdes e as praias fluviais improvisadas. A fazer a ligação entre Vila Nova de Cerveira e Tomiño está a Ponte da Amizade, a que se irá juntar a planeada ponte pedonal.
A mais movimentada fronteira entre Portugal e Espanha
Em 2021, Vila Nova da Cerveira faz 700 anos. Lá no cimo da Serra da Gávea, o cervo que dá nome à vila e é símbolo de armas recorda aos distraídos que foi ele a dar nome à terra banhada pelo Rio Minho e que vive paredes meias – melhor será dizer águas meias – com Espanha, logo ali do outro lado.
Dali tudo se vê. Os barcos que saem para a dar a conhecer a partir das águas do Minho. O museu que e os seus segredos. Os caminhantes ou corredores que respiram o ar puro do Alto Minho.
Portugal e Espanha têm 64 postos fronteiriços. A de Valença, aqui no Alto Minho, é a mais movimentada respondendo por 55% do tráfego rodoviário – segue-se Ayamonte, depois Badajoz. O peso económico das trocas na região – associado à tradição de vida conjunta entre portugueses e galegos, faz com que a aspiração de um cartão transfronteiriço para quem aqui vive tenha sido um tema recorrente nos últimos meses.
E já que se fala de peso económico, a pequena Cerveira é, do ponto de vista das exportações, um pequeno colosso com 700 milhões de euros exportados devido ao cluster da PSA aqui instalado e que cresce 100 milhões ao ano. São 5 vezes a Autoreuropa, dizem os da terra onde não vivem menos de 10 mil pessoas.
Conta Fernando Nogueira, presidente da câmara de Vila Nova de Cerveira, que durante a quarentena uma das queixas maiores foi o sentimento de fronteira, uma ideia que as gentes já não tinham memória. Os galegos, nomeadamente os de Tomiño que é a terra mais próxima, deixaram de vir tomar pequeno-almoço a Cerveira, e os cerveirenses deixaram de ir às compras a Tui, isto só para falar de duas rotinas instituídas. Mas a fronteira fez mais que isso: houve quem tivesse de dar volta uma de quilómetros para poder trabalhar nos sítios que antes estavam a escassos minutos, houve famílias como rituais interrompidos porque uns estavam do lado de cá e outros do lado de lá.
Aqui como noutras terras da região toda a gente tem alguma memória dos tempos do contrabando, memórias que agora voltaram como histórias pitorescas de um tempo que passou. O tempo em que se levava sabão e café escondido até ao outro lado para de lá trazer chocolates e caramelos. Há nostalgia e há sorrisos quando se recorda tudo isso.
Uma sugestão de roteiro:
- Fazer o "Cruzeiro das Ilhas" a bordo de um barco solar
O percurso decorre entre Vila Nova de Cerveira e Lanhelas, com passagem pelas ilhas da Boega e dos Amores onde muitas aves encontram o seu refugio natural, como por exemplo, a garça-real, o milhafre-preto e o pato-real. A partir do rio vêm-se as aldeias portuguesas de Gondarém e Lanhelas e as localidades espanholas de Goian e Eiras. A viagem tem uma duração de 50 minutos.
- Almoçar no restaurante "As Velhas"
Do bacalhau à posta barrosã - pratos incontornáveis por quem anda por estas paragens - aos mariscos e especialidades de época. Com uma vista privilegiada sobre o rio e a vila.
- Visitar o Aquamuseu do Rio Minho
Um espaço onde convivem um aquário, um lontrário e o Museu das Pescas. O aquário simula a descida do rio, iniciando uma “viagem” na zona alta do rio e onde se podem encontrar, entre outros trutas e bogas. A zona média, que inclui uma zona de barragem e um afluente, leva-nos a conhecer peixes migradores como o salmão e a lampreia assim como outras espécies tipicamente de água doce, caso do ruivaco e do pimpão. A zona baixa mostra um banco de areia e sapal, onde vivem as tainhas, as solhas e o peixe-rei.
Um bom programa de família.
Este artigo faz parte do dossier "Alto Minho: na rota do que é "sustentável por natureza" que conta com o apoio do projeto "ECODESTIN_3_IN", cofinanciado pelo programa POCTEP - Programa de Cooperação Transfronteiriça Espanha-Portugal
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