O tema da reforma da Justiça parece eternizar-se e Manuel Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) não acredita que algum dia se chegue a um consenso sobre o tema, desde logo porque ninguém consegue identificar a causa da crise em que todos dizem que a Justiça está mergulhada “e não havendo quem identifique o problema, naturalmente torna-se muito mais difícil dizer o que é que se reforma, para que é que se reforma e como é que se reforma”.
É também um setor em que “os partidos políticos são mais dados a controvérsias do que a consensos” com “forças partidárias mais interessadas em destruir do que em construir”, e em relação ao qual “os governos e as oposições e as maiorias atuam a pensar nos cinco anos seguintes e não nos 10 ou 20”, considerou o organizador do congresso à Lusa.
“A possibilidade de algum dia haver um consenso que permita dizer que a reforma da justiça que é necessária fazer é esta e todos estamos de acordo essa probabilidade é mínima, se é que existe. Portanto, o que é que resta daqui? Que quem tem responsabilidade de definir as políticas públicas de justiça são os parlamentos e os governos”, disse, recordando que isso mesmo foi lembrado pelo Presidente da República no discurso de abertura do ano judicial.
Manuel Soares entende que “é excessivo” pedir aos juízes ou às restantes profissões da Justiça que assumam a responsabilidade da reforma, até porque, “a bola está do outro lado”, do lado do Governo, sendo que a Agenda da Reforma da Justiça em debate no XII Congresso dos Juízes Portugueses, impulsionada pela ASJP, é o contributo destes magistrados para apresentar propostas e “procurar influenciar a agenda política”.
“Não somos nós que aprovamos as leis e portanto também não podemos forçar um Governo que parece não querer fazer reformas, não somos capazes de forçar a abertura do processo de reforma”, disse o juiz desembargador que preside à ASJP.
Manuel Soares criticou um sistema de Justiça que continua a funcionar com base nos pressupostos com que foi criado na década de 1980 e que “já não dá resposta para alguns problemas”, que precisa de adaptações e de preparar o futuro.
“Há de haver um momento em que se as coisas baterem no fundo a reforma se há de impor por força das circunstâncias, mas aí provavelmente de maneira menos refletida. Pode acontecer o que aconteceu na Hungria, na Polónia, noutros países, em que o sistema colapsa, deixa de funcionar, deixa de estar à altura das expectativas, aparece um Governo autoritário, aproveita o ambiente favorável à introdução de roturas e faz uma Justiça à sua maneira, que depois já só tem o nome de Justiça e é outra coisa qualquer”, alertou.
Prioritária será a justiça administrativa, a qual “já é um foco de graves problemas há 20 anos e para o qual tardam soluções”, disse Manuel Soares, afirmando que duvida que o pacote legislativo para este setor específico anunciado pelo Governo para os próximos meses.
“Não tenho nenhuma dúvida de que é a área mais importante neste momento de ineficiência e que precisa de uma resposta. Resposta essa que não vai resolver o problema em dois ou três anos”, disse, recordando que a ASJP apresentou uma proposta com um custo de cerca de 10 milhões de euros para melhorar o funcionamento da justiça administrativa no prazo de seis anos.
Manuel Soares referiu-se ainda a “outra área de ineficiência”, sem “expressão numérica”, mas com impacto na confiança dos cidadãos, a dos processos mediáticos.
“Não há nenhum processo com um arguido famoso que se resolva rapidamente. Andam para cima, para baixo, de tribunal em tribunal, da esquerda para a direita, de incidente em incidente, para a frente e para trás de escusa de juiz e demoram anos e anos a chegar ao fim, quando chegam. E há alguns que acho que não vão chegar sequer ao fim. A pergunta é: ninguém está a ver isto? Ninguém percebeu ainda que há um problema com estes processos?”, criticou Manuel Soares.
O presidente da ASJP defende que se deve olhar para esses processos para retirar lições, perceber onde estão “os fatores de bloqueio” e as “cascas de banana processuais” que tentam julgamentos e levar à prescrição.
Sem nomear processos ou arguidos, Manuel Soares, criticou que seja possível interpor 20 incidentes de recusa de juiz num mesmo tribunal, apenas porque se pode pagar as custas judiciais inerentes.
“Isto é apenas uma manobra processual para levar o processo para a prescrição enquanto depois a pessoa que está nesse processo vai poder continuar a dar entrevistas a dizer que foi vítima da lentidão da justiça. Isto assim parece uma brincadeira, não é?”, disse.
“A solução possível e única que eu encontro é o juiz deparando-se com o abuso do direito processual dizer: muito bem, o processo principal vai ao fim até ao julgamento. Essas questões todas dos incidentes, das cascas de banana, das recusas, vamos discutir aqui à parte num outro processo. Quando chegarmos ao fim do principal e houver recurso logo se vai ver se houve aqui algum problemazito que devia ter sido melhor resolvido. Pronto”, concluiu.
O XII Congresso dos Juízes Portugueses decorre entre 16 e 18 de março, no Funchal, Madeira, subordinado ao tema “Democracia, Direitos, Desenvolvimento”, prevendo-se a participação de cerca de 600 juizes, com os direitos humanos e a agenda da reforma da Justiça no programa.
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