A sua proximidade com o executivo do PS suportado por acordos inéditos bilaterais com PCP, BE e PEV foi mais intensa no início, num período de desconfiança interna e externa face ao Governo chefiado por António Costa, e pode ser ilustrada pela imagem dos dois sob o mesmo guarda-chuva na festa da Rádio Alfa, nos arredores de Paris, no dia 12 de junho de 2016.
"Estão a ver o que é a colaboração entre os dois poderes? Mas vejam bem, quem tem o guarda-chuva é o senhor primeiro-ministro de esquerda, quem é apoiado é o Presidente que veio da direita", observou Marcelo Rebelo de Sousa, acrescentando: "É a solidariedade".
Paris foi o palco da primeira edição de uma iniciativa conjunta, a celebração do Dia de Portugal junto das comunidades emigrantes no estrangeiro, que ao longo desta legislatura se repetiu anualmente, com a presença de ambos, no Brasil, nos Estados Unidos da América e em Cabo Verde.
Um ano mais tarde, as relações entre Governo e chefe de Estado entrariam no seu momento de maior afastamento, com os incêndios de junho e de outubro de 2017, que no seu conjunto mataram mais de cem pessoas e que levaram o chefe de Estado, como o próprio disse, a "exercer a autoridade" de forma mais acentuada.
Esse período "foi muito difícil, admito, de gestão, para mim e para o Governo", afirmou, no programa da TVI24 e da TSF "Circulatura do Quadrado", em fevereiro deste ano.
Numa comunicação ao país, no dia 17 de outubro de 2017, o Presidente da República exigiu "um novo ciclo" com ação urgente e uma clarificação do apoio ao Governo no parlamento, sugeriu mudanças de equipas, recomendou um pedido de desculpas e prometeu usar todos os seus poderes para assegurar que o Estado cumpre o dever de proteção das populações.
Marcelo Rebelo de Sousa, que tem remetido para o verão de 2020 uma decisão sobre o seu futuro político, chegou mesmo a dizer que uma nova tragédia como os fogos de 2017 seria um "impeditivo de uma recandidatura", numa entrevista à Rádio Renascença e ao jornal Público, em maio de 2018.
Nestes mais de 1200 dias de "coabitação especial" - uma expressão que usou em maio deste ano no programa da Globo "Conversa com Bial" - a não recondução de Joana Marques Vidal no cargo de procuradora-geral da República e a escolha de Lucília Gago para essas funções, por proposta do primeiro-ministro, foi um marco que suscitou fortes críticas.
O primeiro-ministro, António Costa, salientou que houve "absoluto consenso" entre Governo e Presidente da República neste processo.
A decisão foi anunciada na noite de 20 de setembro de 2018 pelo Presidente da República, que a justificou com a "limitação de mandatos, em homenagem à vitalidade da democracia", argumentando também que a nova procuradora assegurava "a continuidade da linha de salvaguarda do Estado de direito democrático, do combate à corrupção e da defesa da justiça igual para todos".
O anterior chefe de Estado, Aníbal Cavaco Silva, apontou a não recondução de Joana Marques Vidal como a decisão "mais estranha do Governo que geralmente é conhecido como gerigonça".
Marcelo Rebelo de Sousa tomou a crítica do seu antecessor como dirigida a si, por ser o responsável pela nomeação: "O Presidente Cavaco Silva, no fundo, disse que era a mais estranha decisão do meu mandato". E respondeu-lhe que nunca comentará antigos ou futuros presidentes "por uma questão de cortesia e sentido de Estado".
Marcelo Rebelo de Sousa, ex-comentador político e professor universitário de direito, entretanto jubilado por ter completado 70 anos em dezembro do ano passado, foi eleito Presidente da República à primeira volta, com 52% dos votos, nas eleições de 24 de janeiro de 2016 e tomou posse em 09 de março desse ano, após um ciclo de dez anos de Cavaco Silva em Belém.
Num contexto de forte bipolarização e crispação resultante das legislativas de 2015, o antigo presidente do PSD iniciou funções apresentando-se como um moderado defensor da estabilidade, empenhado em que o executivo cumprisse o seu mandato, em evitar crises e fazer pontes: "Estou aqui para pacificar e desdramatizar a sociedade portuguesa, para uni-la".
A estabilização do sistema financeiro foi uma das suas prioridades no começo de mandato, e ainda na campanha anunciou que pretendia secundar a ação do executivo nessa matéria. Neste domínio, porém, destaca-se um episódio relacionado com a polémica sobre as declarações de rendimentos da administração a Caixa Geral de Depósitos (CGD), em que aparentemente esteve em causa a continuidade de Mário Centeno como ministro das Finanças.
Em fevereiro de 2017, o Presidente da República recebeu o ministro das Finanças em Belém e acabou a emitir uma nota aceitando a posição do primeiro-ministro de manter a confiança em Mário Centeno, "atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira".
Marcelo Rebelo de Sousa tem sido um Presidente popular e interventivo, com uma agenda intensa e preocupado em ter um acompanhamento permanente da governação e da atividade parlamentar, num registo que, entre os partidos da atual maioria, suscitou críticas em particular por parte do Bloco de Esquerda (BE).
Nas duas últimas moções subscritas pela coordenadora do BE, Catarina Martins, às convenções do seu partido, o chefe de Estado foi acusado, primeiro, de "tentativa de presidencialização do regime político" e, na mais recente, de ser um "obreiro" da "hipótese de bloco central" entre PS e PSD e de ter como marca "a defesa do setor privado da saúde".
À direita, Marcelo Rebelo de Sousa reconhece que "uma parte do país ficou zangada" consigo por não ter posto fim a esta experiência governativa. "Não sabem os custos dessa crise, não imaginam o que isso é", argumentou.
Quando o primeiro-ministro, António Costa, colocou em cima da mesa a hipótese de demissão do seu Governo, caso o parlamento aprovasse a contagem integral do tempo de serviço dos professores, no dia 03 de maio deste ano, o Presidente da República optou por uma reação contrária à que lhe é habitual e ficou em silêncio durante dez dias.
Uma semana antes, no dia 26 de abril, em visita de Estado à China, na Grande Muralha, Marcelo Rebelo de Sousa tinha sido "provocado" pelo ministro dos Negócios Estrangeiros sobre uma possível "queda do Governo".
Augusto Santos Silva gracejou: "Na descida é que é preciso cuidado. Sobretudo o Governo, para não cair, porque a queda do Governo dá sempre azo a interpretações. Espero que o Presidente não empurre".
O Presidente não quis responder logo, mas acabou por retorquir algum tempo depois: "Quem pode empurrar o Governo só pode ser o povo, para cima ou para baixo, em ano de eleições, não é o Presidente. Mas estamos quase a atingir o topo".
Quando finalmente falou sobre a declaração do primeiro-ministro ao país, no dia 13 de maio, em Lisboa, já com o cenário de demissão afastado, Marcelo Rebelo de Sousa relatou que se "deparou com a crise" entre Governo e parlamento ao chegar da China e justificou o silêncio com o objetivo de manter "mãos livres" para intervir, se viesse a ser necessário.
O chefe de Estado avisou que "os portugueses têm de se habituar", porque que isso pode repetir-se.
"Quem intervém muitas vezes, não intervém por uma mania, por um estilo, por uma obsessão. Intervém por uma necessidade, e quando entende que a necessidade impõe estar calado uma semana, duas semanas, três semanas, tão depressa está calado como fala todos os dias", disse.
Quanto à futura solução do Governo na próxima legislatura, o Presidente da República adiantou no ano passado e reiterou entretanto que não considera "essencial haver acordo escrito" entre partidos – ao contrário do que aconteceu em 2015, quando o seu antecessor, Cavaco Silva, exigiu ao PS certas garantias acordadas por escrito com PCP, BE e PEV para empossar o atual executivo de António Costa.
Há uma semana, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou, contudo, o desejo de que o resultado das legislativas de 06 de outubro permita que "a governação não tenha de gerir à vista da costa com acordos pontuais e o sistema não fique debilitado por falta de imprescindível alternativa".
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