Na sexta sessão do julgamento do processo conexo e separado da Operação Marquês, em curso no Juízo Criminal de Lisboa, Carlos Silva falou como testemunha enquanto empregado bancário, primeiro no BES e depois no Novo Banco, numa ligação profissional que já dura desde 1988 e através da qual conheceu pessoalmente Ricardo Salgado, lidando pela via sindical com o antigo presidente do Grupo Espírito Santo (GES) em processos negociais.
“[Ricardo Salgado foi] um homem disponível e sério sempre que lidou connosco e cumpriu sempre os seus compromissos. A perceção é de que um patrão deve olhar para a sua empresa e respeitar os trabalhadores, que são o principal ativo, e havia da parte da administração da comissão executiva e de quem presidia uma vontade de ter paz social. E isso também se constrói”, afirmou o dirigente sindical, de 59 anos.
Carlos Silva revelou ter conhecido o antigo banqueiro em 1996, quando passou a integrar a comissão de trabalhadores do BES, desenvolvendo-se então “um conjunto de ligações institucionais”, e assinalou a criação de uma cultura de proximidade com os clientes por parte de Ricardo Salgado e “um vestir da camisola dentro do banco”.
“Acima do respeito, [havia] uma certa admiração pelo presidente do banco. Havia uma relação de equilíbrio”, observou o atual líder da UGT, sem deixar de assumir que os trabalhadores, “depois de tudo o que aconteceu em 2014, ficaram desiludidos”, em alusão ao colapso do BES.
Sobre o poder de Ricardo Salgado na instituição, Carlos Silva começou por dizer que o antigo banqueiro não decidia sozinho, mas, mais tarde, admitiu que era ao presidente do banco a quem os sindicatos recorriam para tentar desbloquear certos processos negociais.
“Se me perguntava se Ricardo Salgado mandava na comissão executiva, não. Havia pelouros e cada qual assumia a sua responsabilidade, foi isso que foi demonstrado nas reuniões. Ele só vinha quando era solicitado e ouvia os trabalhadores”, disse inicialmente o dirigente sindical.
Questionado pelo procurador do Ministério Público (MP), Vítor Pinto, se, afinal, “chamava-se Ricardo Salgado para resolver”, Carlos Silva foi transparente: “Os pelouros estavam sempre presentes. Quando estávamos aflitos, chamávamos ‘acima’”.
No seguimento, travou-se um debate mais aceso entre os advogados de defesa e o coletivo de juízes, com Francisco Proença de Carvalho a apontar “perguntas tendenciosas” ao MP, levando o coletivo de juízes presidido por Francisco Henriques a contrapor que “o tribunal valora as declarações das testemunhas, não as entoações do advogado ou do procurador”.
Já depois do depoimento, no exterior do tribunal, o líder da UGT reconheceu que talvez tivesse sido “mal compreendido pela defesa” do arguido e acrescentou que os trabalhadores procuravam ter “uma reunião institucional com o presidente da Comissão Executiva” sempre que havia aspetos negociais que estavam bloqueados e não deixou de reiterar os elogios a Ricardo Salgado.
“Elogiei e continuarei a elogiar enquanto for vivo, não tenho nada de me arrepender em relação ao tempo em que estive no banco e em que acompanhei as reuniões da comissão de trabalhadores e depois no setor bancário. Sou apenas um intérprete de uma esmagadora maioria de trabalhadores que entendiam que se sentiam bem no banco, que eram compensados pelo esforço e que olhavam para Ricardo Salgado com respeito e admiração”.
Também ouvido esta manhã foi Yves Alain Morvan, antigo administrador da Espírito Santo Financial Group (ESFG), que explicou ter conhecido Ricardo Salgado em 1991, a propósito da criação de um conselho consultivo europeu para a Bolsa de Nova Iorque, onde então trabalhava, e que foi convidado em 2005 pelo antigo banqueiro para ser membro do conselho de administração daquela sociedade financeira do grupo.
De acordo com a testemunha, as decisões eram “colegiais e toda a gente votava”, sendo tomadas “depois do reporte da comissão executiva ao conselho de administração”, no qual Ricardo Salgado tinha o cargo de ‘chairman’ entre cerca de duas dezenas de administradores. “Durante toda a relação que tive com Ricardo Salgado, foi uma pessoa correta, respeitadora, cortês e profissional. Não entendo o fundamento destas acusações”, sintetizou.
O julgamento prossegue agora de tarde com as audições de Tereza Araújo e Pedro Brito e Cunha, sendo esta a última sessão prevista até 22 de outubro.
Ricardo Salgado responde neste julgamento por três crimes de abuso de confiança, devido a transferências de mais de 10 milhões de euros no âmbito da Operação Marquês, do qual este processo foi separado.
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