Foi no Comedy Cellar, um famoso “comedy club” no bairro de Greenwich Village, em Nova Iorque, que Louis CK voltou a fazer uma atuação, tomando o palco de surpresa ao não constar no alinhamento da noite.
O evento no passado dia 26 de agosto marcou o fim do hiato de Louis CK depois de ter sido acusado em novembro de 2017 por cinco mulheres, todas elas comediantes, de má conduta sexual. O caso, acompanhado pelo jornal The New York Times (NYT), ocorreu em plena campanha #MeToo e tornou públicas instâncias em que o autor de “Louie” tinha coagido, por diversas ocasiões que se estendem até aos anos 90, mulheres a assistir a práticas de masturbação.
O comediante rapidamente admitiu a sua culpa nestes atos, emitindo um comunicado no qual escreve: “Não há nada do que aconteceu que eu me consiga perdoar. Eu tenho de me reconciliar com aquilo que sou. O que não é nada comparado com o desafio com que as deixei”. Louis CK mencionou ainda que passou a sua “longa e feliz carreira a dizer tudo aquilo que queria” e que agora tomaria a oportunidade para “dar um passo atrás” e “passar a algum tempo a ouvir”.
O caso levou-o não só a fazer uma retração pública, como também provocou o cancelamento da produção dos seus programas na FX Networks, ao corte de relações com a HBO e a Netflix e ao muito tímido lançamento de “I Love You, Daddy”, filme por si escrito, realizado e protagonizado.
No entanto, o tempo passou e Louis CK regressou mesmo aos palcos, recebido por uma calorosa ovação por parte dos 115 espetadores presentes no Comedy Cellar. “Muito relaxado”, o comediante apresentou um set de 15 minutos composto por “material típico de Louis CK”, segundo Noam Dworman, dono do espaço.
Citado pelo NYT, o empresário disse que o comediante não abordou a controvérsia do último ano e que “parecia que estava a testar novo material, tal como fez nos últimos 10 anos em que chegava aqui no início de um novo set”, acrescentou. Um dos comediantes que atuou nessa noite, Mo Amer, disse ao mesmo jornal que foi um “momento wow” para o público e que o seu material foi “clássico Louis, muito, muito bom”.
Penitência ou leniência?
Apesar da boa recetividade à atuação por parte dos espetadores presentes no clube, este retorno parece ter servido de teste para perceber se o público e os seus colegas seriam capazes de perdoá-lo pelo escândalo que protagonizou.
Mas as reações negativas não tardaram, especialmente por parte de outros colegas de profissão. Foram vários os aspetos criticados, desde o caráter repentino do seu regresso, à sua alegada falta de arrependimento, passando pelo facto da sua atuação ter sido marcada sem o consentimento dos espetadores.
Uma das críticas partiu de Kathy Griffin, com a atriz e comediante a utilizar o Twitter para condenar o regresso de Louis CK “pelos seus próprios termos”, considerando-o apenas possível porque existe uma estrutura no mundo da comédia que diz ser “um clube de rapazes” que se apoia mutuamente e exclui mulheres e pessoas de proveniência multirracial. Griffin termina a tirada dizendo que o comediante “apenas tirou umas longas férias e não fez nada para mostrar que melhorou ou mudou” e que “ele é um multimilionário que finalmente pôde dormir depois de trabalhar anos a fio”, perguntando-se “será desta forma que estamos a fazer as pessoas redimir-se na era #MeToo?”
Outras figuras de relevo na indústria do humor utilizaram a mesma plataforma para insurgir-se perante o regresso, como o ator Paul F. Tompkins - que acusou CK de falta de arrependimento por não incluir qualquer menção ao assédio no seu set - ou Ian Karmel, argumentista do programa "The Late Late Show with James Corden", que defendeu que a “ostracização” de CK da cena stand-up não era um “castigo mesquinho” mas sim uma “questão de segurança laboral”. A comediante Melinda Hill escreveu que “Louis CK está a encabeçar o movimento #MeTooSoon [um trocadilho com ‘too soon’, demasiado cedo]”, ao passo que Aparna Nancherla apontou que a ovação em pé com que foi recebido “diz tudo o que é preciso para saber sobre como a sociedade aplaude homens poderosos para fazer menos que o mínimo de decência.”
De resto, foram poucas as vozes mediáticas que se colocaram do lado de Louis CK, e as que o fizeram tiveram de recuar no apoio. O comediante Michael Ian Black começou por dizer que “as pessoas têm de poder cumprir o seu tempo e seguir com a sua vida”. Não sabendo se “passou tempo suficiente, se a sua carreira vai recuperar ou se as pessoas vão recebê-lo”, disse-se “feliz por vê-lo [Louis CK] tentar”. Contudo, perante uma enxurrada de respostas, Ian Black recuou e disse mais tarde que a sua empatia não era por Louis CK, mas “pelo reconhecimento de que estamos num momento cultural em que algumas pessoas que fazem coisas terríveis não têm caminhos para a redenção. Assim, estamos a expulsá-los, mas sem lhes dar uma alternativa para voltarem.”
Perante as críticas, Dworman, que não estava no Comedy Celler à altura da atuação, disse estar numa posição difícil, compreendendo que “algumas pessoas estejam chateadas” consigo, dizendo preocupar-se com os consumidores e que sente cada queixa “como uma facada”, adiantando que também ficou surpreendido com o regresso tão célere de Louis CK. Não obstante, o empresário justificou a sua decisão, dizendo não poder haver “uma sentença perpétua para alguém que fez uma coisa errada” e argumentando que, perante a volatilidade dos padrões sociais, é melhor deixar as pessoas escolher por si mesmas o que querem ver já que “estaremos melhor em sociedade se pararmos de esperar que os canais de distribuição - Twitter, Netflix, Facebook ou ‘comedy clubs’ - filtrem o mundo por nós.”
Contudo, outro problema apontado por várias pessoas não foi apenas o retorno em si de CK, mas também o facto da sua performance não ter constado do alinhamento e, por isso, não ter sido dada a possibilidade aos espetadores de escolher ir ou não com base nessa informação. A este respeito, Dworman adiantou que apenas recebeu uma queixa no dia seguinte perante os muitos emails a felicitá-lo pela decisão, enviados por espetadores.
O que se segue para os “vilões” do #MeToo?
A diferença de reação entre os espetadores no Comedy Cellar e os comentadores no Twitter, ainda que não seja uma forma de medição fidedigna, dá algumas luzes quanto à discordância que parece existir sobre o perdão a figuras como Louis CK - a qual se junta a personalidades como Harvey Weinstein, Charlie Rose e Kevin Spacey, todas acusadas de crimes diferentes, mas de índole sexual.
De um lado, há quem acredite que as suas carreiras já sofreram o suficiente com o irromper dos escândalos e que, apesar dos crimes cometidos, merecem ser perdoados pela opinião pública. Do outro, recorda-se que, apesar terem perdido oportunidades de negócio e terem sido marginalizados, estes homens não deixaram de ser poderosos e detentores de uma vida abastada. A esse propósito, o website Vox enquadrou Louis CK num artigo enquanto “um dos homens a esgueirar-se da prisão do #MeToo”, apontando para o facto do comediante ser apenas um dos vários “vilões” a procurar fazer o seu retorno à respetiva indústria.
Outra revista, a The Cut, recorda que a possibilidade destes acusados voltarem a reconstruir a sua vida depois do escândalo está assente numa assimetria em relação aos seus acusadores e acusadoras. A revista defende que a maioria das figuras visadas pelo movimento #MeToo são homens milionários que se podem apoiar num legado, tanto cultural como financeiro, para viver até ao fim dos seus dias sem precisar de voltar a trabalhar. No extremo oposto estarão, por exemplo, as mulheres que Louis CK assediou e que foram silenciadas e ostracizadas para não serem incomodativas - prática que, nem com a revelação do escândalo, deixou de se fazer, com várias delas a sofrer ameaças após a acusação.
O que se sabe neste momento é que a campanha do #MeToo não só está longe de ter um final, como é cada vez mais difícil de definir que fim será esse. Casos como de Asia Argento - uma das primeiras vozes contra Harvey Weinstein e que foi recentemente acusada de ter relações sexuais com um menor - apenas complicam uma matéria com repercussões imprevisíveis e que continua a produzir ondas de choque.
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