O estudo, divulgado na quinta-feira pelo Laboratório de Investigação Humanitária da Escola de Saúde Pública de Yale, financiada pelo Departamento de Estado norte-americano, concluiu que “o trabalho sistematizado da Rússia para identificar, recolher, transportar e reeducar as crianças ucranianas tem sido facilitado pela Bielorrússia” e é “em última análise coordenado” entre o Presidente russo, Vladimir Putin, e o líder autoritário bielorrusso, Alexander Lukashenko.

“O envolvimento direto da Bielorrússia na deportação forçada de crianças pela Rússia representa uma colaboração” entre os dois países, “com diversas organizações pró-Rússia e pró-regime a facilitar a deportação de crianças da Ucrânia”, refere a investigação.

De acordo com o estudo, pelo menos 2.442 crianças, entre as quais crianças com deficiência, foram levadas para a Bielorrússia de 17 cidades das regiões ucranianas de Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporijia entre 24 de fevereiro de 2022 e 30 de outubro de 2023 — uma iniciativa descrita em grande pormenor no relatório de 40 páginas.

Das regiões ucranianas ocupadas, as crianças foram levadas para a cidade de Rostov, no sul da Rússia, e em seguida metidas num comboio para a Bielorrússia. O transporte foi financiado pelo Estado bielorrusso e estiveram envolvidas organizações estatais, com a aprovação de Lukashenko.

Ao todo, 2.050 crianças foram levadas para o centro infantil de Dubrava, na região bielorrussa de Minsk, ao passo que as restantes 392 foram distribuídas por 13 outras instalações em todo o país. Aí, foram sujeitas a reeducação e treino militar, incluindo com os serviços de segurança e policiais da Bielorrússia, segundo o relatório.

No documento, são também nomeados alguns intervenientes importantes neste processo, como a figura pública bielorrussa Alyaksei Talai, a empresa estatal bielorrussa produtora de potássio Belaruskali, a União da Juventude Republicana da Bielorrússia e clubes de motociclistas ultranacionalistas pró-russos.

As autoridades ucranianas afirmaram que estão a investigar as deportações como um possível genocídio. O Procurador-Geral da Ucrânia indicou que o papel da Bielorrússia nas deportações forçadas de mais de 19.000 crianças dos territórios ocupados está também a ser investigado.

No início deste ano, o Tribunal Penal Internacional (TPI) indiciou Putin e a comissária russa para os direitos das crianças, Maria Lvova-Belova, pelo seu alegado envolvimento em crimes relacionados com a deportação forçada de crianças da Ucrânia e emitiu mandados de captura para eles.

A oposição bielorrussa tem procurado obter um indiciamento semelhante para Lukashenko. Pavel Latushka, um antigo ministro bielorrusso que se tornou líder da oposição no exílio, indicou ter entregado ao TPI provas que implicam o Presidente da Bielorrússia.

Latushka disse hoje à agência de notícias norte-americana Associated Press (AP) que o relatório de Yale complementa os dados que ele e a sua equipa recolheram com mais “pormenores horríveis” e “levanta a questão da acusação criminal internacional dos principais criminosos bielorrussos que organizaram a deslocação ilegal de crianças ucranianas para a Bielorrússia”.

“A democracia vence quando há responsabilização, e Lukashenko e os que lhe estão associados têm cometido milhares de crimes contra bielorrussos e ucranianos”, sustentou.

Num comunicado anunciando o relatório de Yale, na quinta-feira, o Departamento de Estado norte-americano declarou que Washington “continuará a procurar responsabilizar os envolvidos em abusos relacionados com a guerra da Rússia contra a Ucrânia”.

A Rússia lançou a 24 de fevereiro de 2022 uma ofensiva militar na Ucrânia que causou, de acordo com dados da ONU, a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e fez nos últimos 20 meses um elevado número de vítimas não só militares como também civis, impossíveis de contabilizar enquanto o conflito decorrer.

A invasão — justificada por Putin com a necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.