Vestidas de branco e de punhos fechados e erguidos, cerca de 50 pessoas, na maioria mulheres negras, participaram no “ato de solidariedade” com Cláudia Simões, num manifestação no Terreiro do Paço, em Lisboa.
O caso remonta a 19 de janeiro de 2020, numa paragem de autocarro na Amadora, quando Cláudia Simões, cozinheira, se envolveu numa discussão entre passageiros e o motorista de um autocarro da empresa Vimeca, pelo facto de a sua filha, à data com 8 anos, se ter esquecido do passe.
Chegados ao destino, o motorista decidiu chamar a polícia e, após alguns momentos de tensão, o agente Carlos Canha decidiu imobilizar Cláudia Simões, no chão, junto à paragem de autocarro, depois de a mulher se recusar a ser identificada.
O caso ganhou mediatismo com a posterior difusão nas redes sociais de vídeos da confusão à saída do autocarro e de imagens dos ferimentos de Cláudia Simões.
A sentença do tribunal de Sintra, conhecida no dia 01, condenou Cláudia Simões por morder o agente da PSP Carlos Canha, enquanto o polícia foi absolvido das acusações de agressão na detenção da cozinheira.
A juíza Catarina Pires aplicou uma pena de oito meses de prisão a Cláudia Simões, suspensa na execução, por um crime de ofensa à integridade física qualificada.
Já o polícia Carlos Canha não foi condenado por ter agredido Cláudia Simões, embora o tribunal lhe tenha aplicado uma pena suspensa de três anos por ter agredido outros dois cidadãos Quintino Gomes e Ricardo Botelho, que foram levados para a esquadra na sequência do mesmo caso.
No protesto realizado hoje, Célia Pires e Joacine Katar Moreira foram-se revezando nas palavras, recorrendo a um megafone.
“Este é um ato de solidariedade com uma mulher, negra, vítima de violência policial racista”, disseram e repetiram, em português e em inglês, chamando a atenção dos muitos turistas que passavam pelo Cais das Colunas neste domingo.
“Achamos que é importante que este caso seja também conhecido lá fora”, justificou Célia Pires, enquanto vários turistas de passagem filmavam o protesto com os telemóveis e questionavam os portugueses presentes sobre as suas razões.
“Descolonizar a mente” e “25 de Abril para toda a gente” foram algumas das frases inscritas nos cartazes dispostos aos pés do grupo de manifestantes, que, durante uma hora, fizeram “apelos à justiça” e entoaram “De punho em riste, Cláudia resiste”.
O protesto pretendeu “chamar a atenção” para “uma injustiça clara com uma vítima de brutalidade policial”, disse Célia Pires, considerando que houve “muito pouca” reflexão sobre o caso na opinião pública.
É preciso – defendeu – uma discussão “profunda, perceber quais são as verdadeiras raízes” que explicam a sentença do tribunal de Sintra.
“O racismo é estrutural, institucional, personifica-se neste caso, mas é mais profundo e mais abrangente do que este caso”, assinalou.
O objetivo do protesto de hoje foi reagir rapidamente à sentença, sublinhou Célia Pires, confirmando que vários coletivos estão a planear realizar mais ações sobre o caso.
No final do protesto, a ex-deputada e historiadora Joacine Katar Moreira exigiu “justiça” e vincou que “a justiça tem a função de proteger toda a gente”.
A associação SOS Racismo considerou a sentença “inaceitável” e uma “prova de que a Justiça em Portugal tem cor e de que o racismo goza de proteção institucional”.
Para a organização antirracista, o tribunal “resolveu sancionar a vítima e poupar os carrascos”.
Em declarações prestadas ao jornal Público, Cláudia Simões comunicou que vai recorrer da sentença.
*Com Lusa
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