Ninguém diria, mas o SNS tem hoje mais 25 mil profissionais do que no final de 2015, entre eles 4.400 médicos especialistas. O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, diz que o que falta é organização - "não tenho dúvida que temos de gerir melhor os recursos que temos", diz -, mas espera conseguir com os médicos um acordo semelhante ao alcançado com os enfermeiros.

Cerca de 20 mil enfermeiros vão ganhar mais 200 ou 400 euros por mês já a partir de dezembro - "o salário à entrada na carreira é de 1.200 euros, mas há enfermeiros a receber isso há 15, 20 ou 25 anos", lamenta.

Agora é a vez dos médicos, e o ministro espera chegar a um entendimento "nos primeiros meses do próximo ano". "Com os médicos temos de implementar novos sistemas de remuneração", associar salários ao desempenho, a "dedicação plena" de que fala o novo Estatuto do SNS. Ou seja, o processo de negociação "tem vários aspetos além da média salarial".

Manuel Pizarro dá o exemplo das USF [Unidade de Saúde Familiar] de modelo B, em que "a remuneração de médicos, enfermeiros e secretários clínicos é mais alta [do que nas USF de modelo A], mas também temos um retorno maior em termos de resultados assistenciais".

Apesar disso, concorda, os indicadores que servem de medida estão desatualizados e muito mais voltados para a quantidade do que para a qualidade do atendimento. O novo mapa de indicadores, avança, será definido em 2023.

"Precisamos de aperfeiçoar os indicadores de base, que são hoje mais de primeira geração", diz, acrescentando que é preciso reconhecer que se há mais pessoas atendidas, também é natural que o controlo e a prevenção da doença seja maior.

Só no ano passado o Estado gastou 130 milhões de euros com médicos tarefeiros, o que daria para contratar mais de 2.500 médicos durante um ano, com um horário de 40 horas semanais [números da Ordem dos Médicos].

Manuel Pizarro reconhece que seria "melhor não ter de recorrer a médicos tarefeiros", mas lembra que, no essencial, estes são contratados para fazer todo o seu horário no serviço de urgência, o que é parte do problema: "Temos os serviços demasiado voltados para as dificuldades das urgências".

"Mas por isso foi criada a direção executiva do SNS, na qual tenho grande expectativa". O objetivo é "organizar melhor o conjunto do SNS, para que a maior parte dos casos possam ser vistos fora da urgência", e articular hospitais, centros de saúde, INEM e cuidados continuados (onde faltam seis mil vagas).

Ainda assim, garante, "estamos razoavelmente preparados para as infeções respiratórias que vêm aí no inverno".

Quanto à enchente que entope hospitais, "a culpa será das pessoas que vão às urgências?" Manuel Pizarro faz a pergunta e dá a resposta: "Não me parece, a responsabilidade é nossa, que não abrimos outras portas quando as pessoas sentem que têm uma doença aguda".

As "outras portas" são, por exemplo, os centros de saúde. "O que acontece hoje é que as pessoas ou têm médico de família ou vão para a porta do centro de saúde às duas ou três da manhã para ver se arranjam senha. Isso não podemos tolerar".

Mas, afinal, quem prometeu um médico de família para todos ao longo de sucessivos governos foi o PS. No entanto, mais de 1,2 milhões de portugueses não médico de família. E, uma vez mais, a diferença entre o Norte e a região de Lisboa e Vele do Tejo é enorme: "70% das pessoas que não têm médico de família vivem na região de Lisboa e Vale do Tejo".

Se tem uma solução? "Não há uma varinha mágica que resolva isto tudo", desarma. Mas há alternativas transitórias e "estamos a procurar uma panóplia de soluções que vai ser apresentada até ao final do ano [...] reconhecendo que não vai ser possível nos próximos dois ou três anos que todos tenham uma equipa de saúde familiar", diz o ministro.

Para já, "é preciso aumentar muito a formação de médicos de família. Este ano vamos ter 162 jovens médicos que começam a especialidade no dia 1 de janeiro. Se lhes pagarmos adequadamente e se conseguirmos estimulá-los", já não falta tudo.

Depois há outras soluções mais ou menos ortodoxas. "No Seixal, por exemplo, o centro de saúde criou uma resposta chamada Via Verde do Seixal, que tem a coordenação de um médico de medicina geral e familiar, com outros médicos em horas extraordinárias, médicos reformados, médicos jovens internos no último ano da especialidade. As pessoas podem marcar consultas por telefone - com o telefone a funcionar direitinho -, ou pela internet, de maneira a terem consulta no dia seguinte".

Mas há mais. "Na região Norte há um sistema telefónico nos centros de saúde, com um sistema automatizado de atendimento, que funciona bem, começou agora a ser testado e vai ser alargado ao país todo",    adianta Manuel Pizarro.

Há outro tema que mobiliza o Ministro da Saúde: a inovação tecnológica. "Precisamos de garantir que o SNS é o espaço de maior inovação em matéria de tecnologia", afirma.

Por isso uma das apostas para fixar jovens médicos no SNS - e para isso conta com o PRR [Plano de Recuperação e Resiliência] -, é "trazer para os hospitais mais inovação tecnológica". Brevemente o Curry Cabral vai deixar de ser o único hospital público a ter um robot cirúrgico - oferecido por uma instituição do setor social e solidário.

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"Está em curso um conjunto de aquisições que vai fazer com que já no próximo ano outros hospitais tenham acesso a esta tecnologia", anuncia. "Não tenho nenhuma dúvida que isso faz a diferença para um jovem cirurgião a iniciar a sua atividade".

Uma boa notícia nunca vem só, mas desta vez vem devagar. A tão esperada transformação digital e a criação do chamado processo clínico único ainda está longe. Este sistema possibilitará o acesso dos profissionais de saúde à ficha do doente a todo o momento e permitirá ainda ao Estado poupar milhões em exames repetidos. Ainda assim,"vamos ter registo de saúde eletrónico até 2026" (data final para execução do PRR).

Nesta entrevista, Manuel Pizarro traça ainda outros objetivos, como melhorar a qualidade de vida dos mais velhos - "ainda não nos comparamos com a média dos países da União Europeia ou da OCDE" - e, por exemplo, "chegar a 2024 com pelo menos 70% das fraturas do colo do fémur operadas nas primeiras 48 horas" (todos os anos são operadas 13 mil pessoas).

Ou negociar com a indústria farmacêutica uma solução para a falta de alguns medicamentos no mercado porque o preço de venda é tão baixo que não compensa produzi-los.

Ou avançar naquilo que é a União Europeia da Saúde, por exemplo, em matéria de doenças raras, onde uma população de quase 450 milhões tem muito mais significado.

Em 2023 Manuel Pizarro vai ter à disposição o maior orçamento da Saúde de sempre: 15 mil milhões de euros. "Acho exagerada a expectativa de que em algumas semanas se veem os resultados destas orientações, mas também não acho que as pessoas possam esperar anos. Os resultados vão ser visíveis no final de 2023", promete.

Esta é a conversa com o ministro da Saúde, especialista em Medicina Interna, que decorreu em Lisboa depois da vacina de reforço contra a Covid, no Porto.