O orçamento destinado à Marinha em 2017, de 377 milhões de euros, “vai ser mais do mesmo, extremamente restritivo”, disse, em entrevista à Agência Lusa, Luís Macieira Fragoso, que termina sexta-feira o mandato como chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA).
Macieira Fragoso advertiu que quando os orçamentos ficam “abaixo das necessidades” para além de um ou dois anos, e “já vai em seis anos”, começa a haver “consequências muito negativas”, a começar pela manutenção, afetando a capacidade operacional.
“Os navios precisam de uma manutenção planeada, precisam de ser regularmente tratados e o facto de não termos financiamento leva-nos apenas, naquela agilização face aos recursos, a aprontar navios [para as missões], o que é um bocadinho diferente de manter navios”, disse.
No esforço de renovação da frota, “muito envelhecida”, disse, dos quatro patrulhas de fiscalização costeira comprados à marinha dinamarquesa em 2014, apenas um, o NRP Tejo, já foi modificado para as necessidades portuguesas e está a terminar o seu treino operacional, entrando em breve em missão.
O programa de modernização dos restantes “está atrasado”, disse, porque “os fundos pensados e planeados têm vindo a ser libertados de forma mais lenta” do que o desejável.
Depois de falhado o projeto para a compra de um navio polivalente logístico, Macieira Fragoso insiste que este tipo de meio “faz uma falta terrível” ao país, não só em termos militares mas na componente de apoio à população, no caso, por exemplo, de ser necessária uma operação de maior dimensão de resgate de cidadãos portugueses. Neste momento, Portugal está a esse nível “dependente” de meios de outros países.
Macieira Fragoso destacou também o programa de revisão dos submarinos e a construção de dois navios patrulha oceânica, frisando esperar “vivamente que haja já outro contrato para um segundo par de navios”.
“Uma coisa que me deixa um sabor mais amargo é não ter conseguido ter os navios patrulha costeiros [os navios comprados à Dinamarca] já todos prontos, era um dos meus objetivos, tê-los no fim deste ano todos a navegar, não consegui. Temos que lutar sempre, fazer o nosso melhor. Saio de consciência tranquila porque fiz tudo aquilo que sabia”, disse o CEMA, que é também por inerência o titular máximo da Autoridade Marítima Nacional.
“Num tempo em que tanto se fala do mar e do desígnio nacional que é o mar acho que a soberania sobre esse mar é absolutamente fundamental que se exerça e por isso precisamos de mais e melhores navios”, justificou.
No balanço dos três anos de mandato, Macieira Fragoso destacou a “reestruturação” ao nível dos efetivos, que atingiu sobretudo o Corpo de Fuzileiros, mas que foi transversal nas estruturas do ramo, visando torná-las mais “flexíveis e ágeis”. No entanto, a redução de pessoal já vem do passado, frisou: Em 20 anos, a Marinha perdeu 45% do pessoal.
A Marinha conta hoje com cerca de 7920 militares, 1008 militarizados e 1178 civis, segundo dados fornecidos pelo ramo.
Atualmente, o ramo não vai poder reduzir mais, disse Macieira Fragoso, até porque enfrenta já dificuldades em constituir e substituir guarnições, em algumas especialidades, sobretudo na categoria de praças.
“Isso leva a que haja nessas especialidades militares que têm dificuldade em desembarcar. Portanto, saem de um navio, vão para outro e vão para outro e isso é um esforço muito grande porque acabam por estar sempre com grau de disponibilidade para estar fora e com pouco apoio para as famílias”, disse.
O almirante CEMA revelou que “há uma redução significativa no interesse dos jovens em concorrer para a categoria de Praças da Marinha”, um fenómeno que disse ser transversal a todos os ramos e que está a ser estudado a nível superior.
Dados relativos a 2016 indicam que no curso de formação básica de Praças houve 118 incorporações em 420 vagas. No curso de formação de praças dos Fuzileiros ficaram incorporados 109 militares em 500 vagas. Até ao final do ano decorre um concurso para tentar incorporar mais 240 Praças. Apenas no curso de mergulhador na categoria de Praças foram preenchidas todas as vagas – cinco.
Na Marinha, já há muito tempo que a formação técnico-profissional obtida “é reconhecida pelos critérios da formação civil” no catálogo das qualificações, disse, admitindo ser necessário mais esforço de divulgação.
Defensor do modelo atual da Autoridade Marítima Nacional, que está na dependência da Marinha para o cumprimento das suas atribuições, Macieira Fragoso considerou que se houvesse uma separação total seria rapidamente criada “outra Marinha”. O modelo atual “permite poupar muitos recursos” e evitar “duplicações de meios”, frisou.
Aos que alegam que o atual modelo é inconstitucional, invocando uma alegada mistura das esferas de segurança interna e de defesa nacional, Macieira Fragoso respondeu que nunca algum tribunal levantou a questão e que nem o Presidente da República, constitucionalista, mostrou alguma vez preocupar-se com isso.
“O que não pode ser admissível e eu nunca transigiria com isso é que essas ideias tenham a ver mais com interesses pessoais, sejam eles de poder sejam eles interesses de carreira. Isso não é aceitável, devemos olhar ao interesse coletivo”, afirmou.
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