Numa praça a poucos metros do Tribunal da Relação do Porto, o final de tarde reuniu homens e mulheres de todas as idades, que com cartazes, palavras de ordem e canções, mostraram o seu desagrado pelo acórdão.
Em causa está um acórdão, datado de 11 de outubro passado, no qual o juiz relator, Neto de Moura, faz censura moral a uma mulher de Felgueiras vítima de violência doméstica, minimizando a culpa do agressor pelo facto de a vítima ter cometido adultério.
O juiz invoca a Bíblia, o Código Penal de 1886 e até civilizações que punem ainda o adultério com pena de morte, para justificar a violência cometida contra a mulher em causa por parte do marido e do amante, que foram condenados a pena suspensa na primeira instância.
Segurando um cartaz onde se lia “o juiz é adúltero”, Jorge Milheiro exibiu a sua indignação, considerando, em declarações à Lusa, que “não é justo que o juiz tenha usado os termos que usou dirigidos a uma mulher que caiu numa cilada provocada pelo amante”.
Criticou também o recurso pelo juiz “ao código penal de 1886 que já está caduco há muitos anos” e, sobre a posição do Conselho Superior de Magistratura de avançar com um procedimento disciplinar considerou ser pouco.
“Não me parece boa ainda, eles estão a ver no que é que isto dá, mas a opinião pública é unânime em rejeitar o que o juiz fez e isso devia ser levado em consideração”, disse o cidadão de 72 anos para quem o Ministério Público “devia tomar uma posição sobre isto”.
Richard Zimmler, escritor norte-americano radicado no Porto juntou-se aos manifestantes, explicando que o fez para “mostrar solidariedade às vítimas de abusos, de violações, e para exigir um sistema de justiça que responda às necessidades e que defenda as pessoas mais frágeis vulneráveis”.
E sobre o acórdão, não poupou nas críticas: “o raciocínio do juiz é um bocado grotesco ao referir a Bíblia”, defendendo “uma separação total entre a religião e o Estado”.
“Temos o exemplo do “casamento” entre a religião e o governo, que se chamou a Inquisição portuguesa e que durou de 1536 até 1770″, recordou o escritor, considerando que apesar de não poder comentar decisão por não conhecera lei, já o raciocínio “foi caricato, grotesco e anacrónico”.
E prosseguiu: “a parte mais preocupante, para mim, é esta tentativa de legitimar a utilização de violência doméstica. O sistema de justiça que legitima a utilização de violência é um falso sistema de justiça”.
Para a jovem Luísa Barateiro o acórdão provocou-lhe surpresa e revolta, explicando que este “além do caráter machista viola vários direitos constitucionais desde a igualdade de género até à laicidade do Estado”.
“A posição deste juiz é antiquada, de um machismo medonho e é acima de tudo uma posição de quem não sabe desempenhar a função dele, uma pessoa que não consegue ser imparcial”, disse, antes de rematar o tema admitindo ser este “um caminho muito perigoso”.
Em nome da organização, a plataforma “Parar o machismo construir a igualdade” Patrícia Martins mostrou a “indignação feminista” pelo acórdão que foi lavrado no Tribunal da Relação do Porto em que um “coletivo de juízes fez julgamentos morais e de valores sobre o comportamento de uma mulher, pondo em causa um crime de violência doméstica”.
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