“Chegas tarde”, diz o boneco. “Tomámos o controlo do Estado e em breve das internets! Vai para casa”, continua Jerôme, “o intocável” que quer levar a sua fortuna para a Suíça. Irredutível, Jean-Luc Mélenchon, ou o seu avatar de 16 bits, agarra-o pelo colarinho e sacode-o até o dinheiro que o capitalista leva cair dos bolsos. Os maços de notas sobem airosamente para o céu e contribuem para pagar a dívida do país.
Ao contrário do que diz esse tal Jerôme a caminho da Suíça, talvez Mélenchon não tenha chegado tarde. Talvez tenha chegado na altura certa. É que o candidato da esquerda da esquerda, dizem as estatísticas, tem vindo a arrancar votos ao candidato socialista Benoît Hamon. Surge em terceiro nas sondagens, com 19% das intenções de voto, empatado com Fillon, o candidato da direita. Hamon tem apenas 8% a 21 de abril. E como as experiências recentes com sondagens e votos têm mostrado, nunca é tarde para sacudir um país com resultados inesperados.
Os adversários vêm de todos os lados. E em todos os feitios: executivos a tentar levar a fortuna para a Suíça, a diretor do FMI a criticar o programa eleitoral de Mélenchon, Sarkozy a oferecer discos autografados de Carla Bruni para o amansar. Até Emmanuel Macron, que não se candidata nem pela esquerda, nem pela direita, mas é o preferido das duas, faz uma aparição no caminho de Mélenchon, antes mesmo de uma central nuclear rebentar no horizonte. É o Fiscal Kombat, ou Combate Fiscal.
O jogo foi criado por jovens apoiantes do candidato da extrema-esquerda às presidenciais francesas Jean-Luc Mélenchon. O objetivo é "chocalhar" capitalistas, obrigá-los a pagar os impostos e contribuir para os cofres do país.
É mais uma das frentes em que a campanha de Mélenchon avança. Nas redes sociais é bastante forte. Facebook, Twitter e até Snapchat. Mas sobretudo, o uso que dá ao YouTube tem-lhe granjeado popularidade junto dos eleitores mais novos. Entre os jovens dos 18 aos 24 anos vai mesmo, dizem as sondagens, liderando as intenções de voto.
Num canal com gráficos a fazer lembrar alguns dos mais populares youtubers, Mélenchon sente-se à vontade nas “revue de la semaine”, que publica todas as semanas com a análise do que aconteceu e do que vai acontecer.
O jornal francês ‘Le Figaro’ chama-lhe o Hugo Chaves gaulês. Mas quem é, na verdade, este homem que parece só agora ter chegado à corrida, mas que luta no terceiro lugar da maratona ao Eliseu?
Jean-Luc Mélenchon nasceu em Marrocos, à altura nas mãos do governo gaulês, a 19 de agosto de 1951. A família regressou a França em 1962. A mãe era professora e, depois de estar em Yvetot, na Normandia, foi transferida para o Jura, nas montanhas no leste do país.
Quando os movimentos estudantis de maio de 1968 estalaram em França, Jean-Luc Mélenchon era um membro ativo na escola secundária de Lons-le-Saunier. Em 1969, juntou-se à União Nacional dos Estudantes Franceses e depois à Organização Comunista Internacional. Esteve envolvido em todas as lutas dos estudantes e trabalhadores no Jura durante quatro anos.
A par com a agitada vida de ativista, prossegue os estudos. Formou-se em Filosofia na Faculdade de Humanidades em Besançon. Depois, casa e trabalha como revisor de texto. A filha, Maryline, nasce em 1974. Dois anos depois, deixa Bensançon para dar aulas de francês numa escola de Lons-le-Saunier.
Depois de quatro anos nas fileiras Trotskistas-Leninistas, Mélenchon junta-se ao Partido Socialista de Mitterrand, no Jura. Nunca se afasta, porém, da esquerda. Em 1978 passa a ter responsabilidades no governo local. Foi senador de 1986 a 2010, ano em que se mudou para o Parlamento Europeu.
As suas ideias foram-se afastando cada vez mais do centro do partido. Sem surpresa, em 2008 deixa o Partido Socialista gaulês e vai fundar o seu próprio movimento: Parti de Gauche, ou Partido da Esquerda.
A 21 de janeiro de 2011 anuncia a candidatura às presidenciais de 2012, com dois objetivos primordiais: dividir a riqueza e criar um salário máximo. Na altura, conquistou menos votos do que aqueles que as sondagens previam: apenas 11,1% dos franceses votaram em Mélenchon, numas eleições que acabariam por dar a vitória a François Hollande.
Andemos cinco anos para a frente e eis-nos à porta do segundo nível do jogo. Depois de recusar aliança com o candidato saído das primárias do Partido Socialista, Benoît Hamon (que tem vindo a ultrapassar largamente nas sondagens), lidera o movimento “França Insubmissa”, apoiado pelos comunistas. O momento de viragem na perceção do candidato de 65 anos parece estar ligados a dois debates na televisão, onde se impôs.
Uma sondagem citada pelo ‘The New York Times’ diz que os espetadores viram em Mélenchon o mais convincente de todos os 11 candidatos. Batalhou com Le Pen sobre religião e disse que a dívida dos estados europeus em crise deve ser esquecida, pois só assim pode ser possível uma nova onda de investimento.
“A dívida não será paga quer seja em França, Espanha, Portugal ou Grécia. O Banco Central Europeu tem de comprar toda a dívida (...) para que os nossos estados possam encontrar uma forma de respirar novamente”, disse, citado pelo jornal americano.
Radical, o líder do movimento “La France Insoumise” quer reinventar a democracia em França. Quer abater a atual república (iniciada com novas regras nos anos 1960) e partir para a Sexta República. Uma onde a oligarquia desapareça, bem como a necessidade do papel para o qual está a tentar ser eleito. Prometendo sair assim que isto se concretizar.
Para além disso, quer reduzir as semanas de trabalho das atuais 35 para as 32 horas, baixar a idade de reforma para os 60 anos, rever o estatuto francês na União Europeia e tirar o país da NATO (de que Portugal também faz parte). Inclui ainda um plano com 100 mil milhões de euros em estímulos.
A sacudir capitalistas no jogo e a denunciar as elites na vida real. Mélenchon põe-se ao lado do povo. No programa procura uma justiça em nome do povo, uma segurança que volte à racionalidade, uma economia livre da finança, criar e distribuir recursos para o pleno emprego, igualdade entre homens e mulheres, habitação universal e durável e a revisão fiscal.
Propõe também subir o salário mínimo e os pagamentos da segurança social gaulesa. Para pagar tudo isto, quer cobrar impostos de 90% a todos quanto tenham fortunas acima dos 400 mil euros. Qualquer rendimento acima dos 33 mil euros mensais será taxado a 100% por cento.
Quer também uma França a caminho das energias 100% renováveis, com soluções para a energia nuclear - que atualmente produz cerca de 75% da eletricidade no país. Propõe alternativas como o aproveitamento das energias eólica e geotérmica. Para além disso, quer proteger a água como um bem comum e defender uma agricultura ecológica e tradicional. A defesa do ambiente e dos animais são alguns dos traços que releva nos discursos.
Para as relações externas quer uma Europa livre dos tratados, o acolhimento com dignidade dos migrantes e procurar resolver as causas que os levam a abandonar os países de origem. “Hoje como ontem, estou satisfeito com o facto de a França ser uma mistura de raças e todas as crianças são nossas crianças”, disse recentemente.
Estas são apenas algumas das temáticas que aborda no seu programa. Dos oceanos ao espaço, as propostas de Jean-Luc Mélenchon são alargadas. Resta saber se, caso consiga derrubar o boss, será capaz de vencer o jogo e as implementar.
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