Nas 999 páginas de “Memórias” (Ed. Porto Editora), o fundador do Expresso e do grupo Impresa recorda os tempos em que foi deputado da Ala Liberal, ainda em ditadura, a fundação do então PPD, hoje PSD, e as atribulações do tempo em que foi primeiro-ministro e sucedeu a Sá Carneiro.
Ao longo de 23 capítulos, Balsemão assume que o “jogo de memória é perigoso e complicado”, mas realça o que quis escrever: “Aquilo que ficou e visto à minha maneira.”
Mário Soares
Balsemão escreve que conversou pela primeira vez com Mário Soares ainda em ditadura, em 1968, quando o futuro líder do PS era um ativista antifascista. Foi num almoço. “Conversámos muito, e acho que gostámos um do outro”, escreve Balsemão, embora assuma as diferenças políticas e ideológicas.
A política levou-os para campos opostos e Balsemão teve de enfrentar Soares quando esteve no Governo da AD com Sá Carneiro ou quando ele próprio liderou o executivo. Além da crise económica, e da crise do petróleo, em 1982, recorda, tinha também pela frente dois dos líderes do Portugal saído do 25 de Abril – Mário Soares e Álvaro Cunhal.
Esses foram anos em que Balsemão também negociou uma revisão constitucional com Soares, que retirou poderes aos militares que ainda tinham um papel preponderante após o 25 de Abril de 1974.
As divisões no PS, lembra ainda no livro, não deixam ir “Soares tão longe quanto podia”.
Os caminhos aproximaram-no ainda de Soares, a quem apoiou na segunda volta das presidenciais, em que Freitas do Amaral, histórico do CDS, apoiado pela direita, foi derrotado.
Quando Soares morreu, o título do artigo que escreveu foi: “Democrata, Estadista, Homem de Cultura e Bom Amigo.”
Sá Carneiro
Por ambos terem o nome Francisco, sentavam-se lado a lado no parlamento, ainda durante o Estado Novo, quando pertenceram à Ala Liberal, durante a chamada Primavera Marcelista. A ligação ficou para sempre, dado que fundaram os dois o então PPD, hoje PSD, e estiveram ambos no primeiro Governo de centro direita do pós-25 de Abril.
No livro, Pinto Balsemão descreve como foi difícil suceder a Sá Carneiro, após a morte do então primeiro-ministro, na queda de um avião, em 04 de dezembro de 1980. “Sabia que ia ser muito difícil, para não dizer que se tratava de uma missão impossível” substituir “com êxito um estadista” com a sua envergadura.
“Sá Carneiro não era apenas o líder incontestável do PSD (e da AD que, sem ele não teria existido e não sobreviveu mais de dois anos), nem era apenas, embora isso fosse muito, quem culminara e legitimara, dois meses antes de falecer, em eleições legislativas, a sua actuação como primeiro-ministro. Tinha um carisma pessoal que o colocava acima dos outros, mesmo quando provocava cisões, e os seus apoiantes indefectíveis contam-se por muitas centenas de milhar. Arrastava multidões”, descreveu.
Marcelo Rebelo de Sousa
São conhecidas as divergências e desencontros com Marcelo Rebelo de Sousa, que foi um dos fundadores do Expresso e atual Presidente da República. Balsemão assume-as abertamente no livro de memórias, com críticas e alguns elogios ao “jovem muito inteligente e rápido” que tinha “sentido de humor” quando o conheceu, na década de 1970.
Balsemão está à frente do Governo e convida Marcelo para secretário de Estado da Presidência do Conselho, apesar dos avisos de amigos: “Estás a aproximar-te do escorpião da fábula, e tu serás a rã”. A rã da fábula do escorpião que morreu afogado a atravessar um rio porque não resistiu à tentação de dar uma ferroada mortal na rã, apesar de esta lhe dar uma boleia às costas. Lado positivo, para Balsemão, é “a incrível capacidade de trabalho e de produção” de Rebelo de Sousa.
O lado de “escorpião”, recorda, correspondeu, montando “intrigas desnecessárias entre ministros e/ou secretários de Estado”, aproveitando “intervalos do Conselho de Ministros ou idas à casa de banho para ir dar notícias a jornalistas”
Outro “balde de água fria de Marcelo”, ou “a maior traição”, foi quando os dois combinaram a saída de Marcelo do Governo - era ministro para os Assuntos Parlamentares -, mas que só seria tornada pública depois das autárquicas de dezembro de 1982. No entanto, a notícia estava nos jornais no dia seguinte.
Ramalho Eanes
Apesar das divergências e relações tensas, logo na introdução das “Memórias”, o nome do ex-Presidente Ramalho Eanes surge, a par de Sá Carneiro, José Pedro Leite Pinto e Mário Soares, como uma das pessoas marcantes com quem contactou.
No livro, conta o episódio dos gravadores no Palácio de Belém, em que eram gravadas, em duplicado, as conversas entre os dois, e que retrata a desconfiança de Eanes relativamente ao que era dito naquelas conversas. Balsemão até gracejou: “Para que é isto? Vamos fazer um programa de rádio?”
“Eanes fez aquela cara-de-pau que ele sabe fazer quando está zangado ou quando, recorrendo às suas tácticas de psicólogo encartado, quer que os outros pensem que está zangado”.
Balsemão ficou “chocado, magoado e furioso e disse-lhe”.
Cavaco Silva
No livro, são relatados os incidentes em que o grupo de críticos, em que se incluía Cavaco Silva e Eurico de Melo, atacavam Pinto Balsemão, o Governo e as opções de política económica e que, na prática, ajudaram a desgastar a imagem do executivo. “[Vivi num] ambiente venenoso alimentado, constantemente, por uma minoria” dentro do PSD, descreve.
Balsemão tem até um subtítulo num dos capítulos sobre o ex-primeiro-ministro - “Cavaco: Activo e Destrutivo” – numa parte do livro que trata os problemas internos no PSD que levaram à sua demissão. E chega a escrever que “é curioso e lamentável que, na sua ‘Autobiografia Política’, Cavaco assuma sempre a postura do inocente ou ingénuo cidadão que ‘às vezes troca impressões’ com outros militantes do PSD”.
“Durante todo o meu tempo de Governo, Cavaco esteve sempre ativo e destrutivo”, concluiu.
PSD
Militante n.º 1, Pinto Balsemão afirma: “O PSD é parte integrante, importante e inseparável da minha existência e do rumo que, ao longo dos anos, lhe fui dando”.
Comentários