“A perceção é que a situação está completamente descontrolada, porque são milhares e milhares e milhares de pessoas que andam nas ruas e a polícia não dá conta do recado”, afirmou a presidente da associação de moradores Aqui Mora Gente, Isabel Sá da Bandeira, destacando a ocorrência de atos de vandalismo contra o património, assaltos, venda de droga, lutas de ‘gangues’ por controlo de território e “toda uma multidão de gente que bebe sem parar”, apesar de ser proibido beber na via pública no âmbito das medidas para controlar a pandemia de covid-19.
Após uma reunião com a presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira (PS), realizada na semana passada, a representante dos moradores recebeu a confirmação de que “a situação está descontrolada e que a polícia faz detenções, muitas detenções por noite, mas que as multidões são tantas que não consegue dar conta do assunto”.
Em declarações à agência Lusa, Isabel Sá da Bandeira referiu que estas situações de criminalidade em contexto de diversão noturna já aconteciam antes da pandemia, mas agravaram-se “talvez por força do confinamento e de as pessoas estarem sequiosas de saídas”, com os ajuntamentos “no meio da rua até às tantas da noite”, inclusive porque as discotecas continuam fechadas.
A presidente da associação Aqui Mora Gente sugere “uma polícia mais firme e mais eficaz” e, para obrigar a dispersar ajuntamentos, “começar a limpeza das ruas com mangueiras às duas da manhã quando os bares fecham”, alertando que, “enquanto houver este chamariz de turismo pé descalço para os copos, isto vai continuar”.
“É um modelo de turismo que não é sustentável e que, enquanto se mantiver isto, está entregue ao deus-dará”, reforçou Isabel Sá da Bandeira, revelando que tem recebido dezenas de chamadas e de mensagens de pessoas residentes nestas zonas de Lisboa a dizer que “estão desesperadas, que não conseguem viver assim”, sobretudo devido à falta de descanso durante a noite.
Da Associação de Moradores da Freguesia da Misericórdia, que resulta da antiga Associação de Moradores do Bairro Alto, Luís Paisana falou também no aumento de ajuntamentos na via pública durante a noite, a maioria jovens que “querem aproveitar o divertimento ao máximo” após os períodos de confinamento devido à pandemia, e “o aumento de ‘gangues’ de marginais, que não vão divertir-se, mas vão para roubar, para ter violência, para provocar, e esse tem sido um fenómeno novo, que dá origem aos atos de violência, aos esfaqueamentos”.
“Há cenas de violência que não havia tanto no passado”, indicou Luís Paisana, referindo que houve um aumento de comportamentos agressivos, o que tem assustado os moradores, em particular os mais idosos, “porque já não se limitam a estar na rua, já forçam portas, já tentam entrar nas portas e, se alguém diz alguma coisa, então rebentam mesmo a porta”.
Segundo o presidente da Associação de Moradores da Freguesia da Misericórdia, esses atos de vandalismo são “um fenómeno novo”, que põem em causa o descanso e a segurança dos residentes, o que tem sido “um bocadinho alarmante”.
“Já tivemos uma reunião com a Junta, com a PSP, com a associação de comerciantes, com a proteção civil, sobre a questão da segurança, e a polícia esclareceu que de facto é um fenómeno que eles estão a tentar controlar, mas que não é fácil porque estamos a falar de grupos enormes, de muita gente, que se movimentam muitas vezes sem qualquer previsão […] estão na praia de Carcavelos e, de repente, vão parar ao Cais do Sodré”, avançou o representante dos moradores.
Ainda que seja apenas uma parte do problema, “o facto de as discotecas estarem fechadas também não ajuda”, apontou Luís Paisana, propondo uma ação policial “mais musculada e mais dura”, inclusive com a polícia de intervenção, considerando que há regras em vigor que não são cumpridas como, por exemplo, o consumo de álcool na rua.
“Neste momento, toda a gente está a perder, estão os moradores, estão os comerciantes de porta aberta com esplanadas que pagam impostos, está a própria cidade que está a ser vandalizada e que está a criar uma imagem de confusão, e a política também fica com uma imagem que não consegue controlar a situação”, declarou à Lusa o presidente da Associação de Moradores da Freguesia da Misericórdia.
Afastando a ideia de sentimento de medo e de insegurança, o presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto, Hilário Castro, partilhou da ideia que as situações de criminalidade violenta, inclusive roubos e esfaqueamentos, são provocadas por grupos que vêm das periferias de Lisboa, com o propósito de assaltar ou vender estupefacientes.
“Estamos constantemente a solicitar o apoio policial, um policiamento de proximidade efetivo no terreno, […] não quer dizer que o policiamento não exista mas é pouco visível no terreno e isso proporciona a que, depois, estas coisas aconteçam”, frisou Hilário Castro, considerando que o aumento de afluência às zonas de diversão noturna, sobretudo de jovens e turistas, aliado à falta de policiamento “é o ‘cocktail’ perfeito” para que aconteçam situações de criminalidade violenta.
Na perspetiva do representante dos comerciantes, o sistema de videovigilância que está instalado deve ser utilizado melhor pela polícia e a reabertura das discotecas pode ajudar a reduzir os ajuntamentos na rua.
“Não diria que há um sentimento de medo, não é o caso, até porque onde há pessoas a probabilidade de as coisas acontecerem não é propriamente dentro dos estabelecimentos, não há um caso registado nos estabelecimentos do bairro. Agora é evidente que depois a parte exterior é um problema sério, porque aí qualquer pessoa terá receio perante grupos desta natureza. Não podemos dissociar as coisas, mas, no cômputo geral, o Bairro Alto é um bairro tranquilo”, sublinhou o presidente da Associação de Comerciantes do Bairro Alto.
Nas últimas semanas, Lisboa tem registado situações de criminalidade violenta em contexto de diversão noturna, nomeadamente no Bairro Alto, Cais do Sodré e Santos, com ocorrências de esfaqueamentos.
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