Este texto faz parte de uma série de três artigos sobre as razões do voto na segunda volta das eleições brasileiras. Sem ruído, pretende ouvir e espelhar o que motiva estes eleitores a votar nos candidatos Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad ou a votar em branco ou nulo. Os testemunhos expressos são de eleitores a viver em Portugal e no Brasil e que aceitaram falar com o SAPO24.
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Primeiro dado. No Brasil o voto é eletrónico e é obrigatório para os cidadãos com idades entre 18 e 70 anos, e facultativo para aqueles com idades entre os 16 e 17 anos, para quem tem mais de 70 e para os não escolarizados. Se não for votar, o eleitor deve justificar a sua ausência nos prazos determinados pela Justiça Eleitoral ou incorrerá numa multa.
Segundo dado. Votar nulo ou branco apenas invalida o voto, não tem peso na contagem e não influencia o resultado. O resultado do sufrágio é calculado sobre o número de votos válidos, aqueles dirigidos aos candidatos.
Como explica um texto recente do Senado brasileiro, a anulação acontece quando o eleitor digita intencionalmente um número que não pertence a nenhum candidato, como por exemplo, “99” ou “0000”. Já voto em branco é registado quando o eleitor seleciona a tecla “branco” na urna eletrónica.
Nas eleições presidenciais consideradas as mais polarizadas da história democrática do Brasil, porque é que alguns eleitores, que até votaram na primeira volta, decidem agora não votar ou anular o seu voto? Protesto ou falta de representação política e partidária são os principais motivos. Mas há outros, e estes eleitores explicam porque não votam em Jair Bolsonaro (PSL) ou em Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT).
Valeria, 27 anos, advogada, vive no Rio de Janeiro
Para Valeria, o voto nulo não é um voto de protesto "quanto a um candidato específico, é contra a falta de opção". "Não consigo ver coisas positivas que me façam votar num lado, mas consigo ver coisas negativas que me fazem não votar nos dois", justifica a carioca. A decisão foi tomada apenas esta semana porque, diz, "esta não é uma coisa que gostaria de fazer mas infelizmente não conseguiria dormir tranquila sabendo que ia votar num ou noutro" candidato.
"Não consigo ver coisas positivas que me façam votar num lado, mas consigo ver coisas negativas que me fazem não votar nos dois"
No seu ponto de vista, Bolsonaro legitima um tipo de discurso e de ações "extremistas": "Se lá de cima está vindo esta mensagem, isso passa o sinal de que agora pode [agir-se de determinada forma]". "Isso é inadmissível, não importa o que ele traga na política económica".
Mas Valeria admite que esta possa não ser uma questão que preocupe toda a gente, nomeadamente as pessoas mais velhas que "estão fartas do PT". Apesar de considerar Bolsonaro "um populista de direita que tem respostas fáceis para problemas complexos", admite que o candidato "fala aquilo que as pessoas querem ouvir".
Por outro lado, "quando uma criança faz uma coisa errada e você deixa — porque considera que não é assim tão errado ou que tem justificação —, você está a corroborar". Valeria resume desta forma o porquê de também não votar no Partido dos Trabalhadores, quem atribui responsabilidade no "maior escândalo de corrupção da história do país". Mas sublinha que "se o Haddad não fosse do PT e se concordasse com o seu programa, votava nele".
E como vai ser o Brasil no dia 29 de outubro? "Não acredito que isto vá virar uma ditadura militar, nem uma Venezuela", diz.
José, 45 anos, economista e professor de Gestão Financeira, vive em Brasília
José é português e está viver no Brasil há 15 anos. Votou pela primeira vez nas segundas eleições que Lula venceu (2006). Neste sufrágio já decidiu: vai anular.
Na primeira volta votou na Marina Silva, candidata pelo partido Rede Sustentabilidade. Neste segundo turno vai anular, diz, "porque as duas opções são miseráveis". "Não há a mínima hipótese de votar nem num, nem noutro", resume.
No seu caso, o voto nulo é um voto de protesto. E José acredita que não é o único a pensar assim. "Não acho que as pessoas estão a votar no Bolsonaro, acho que estão a votar contra o PT e contra o sistema destes 20 anos de democracia, que foram muito problemáticos em termos de corrupção", conta.
"Não há a mínima hipótese de votar nem num nem noutro"
Desde que tomou a decisão de anular, decisão na qual não volta atrás, afirma que a única coisa que mudou foi a atenção que passou a dar a todos os temas paralelos a estas eleições. "Como já está mais claro quem vai ganhar, comecei a tentar perceber o que vai acontecer no futuro. Tenho andado com mais atenção às coisas que são ditas e escritas pelo Bolsonaro para tentar perceber como vai ser. Agora, nem isso me convence a votar nele".
O histórico da corrupção, que considera não ser assumido pelo PT, e o pedido da libertação de Lula são, para José, os dois principais motivos para não votar em Haddad. Já no que diz respeito a Bolsonaro, e apesar de assumir que o candidato tem ideias com as quais concorda, o motivo para não votar prende-se com a sua retórica e, em particular, com a proposta de liberalização do porte de arma.
Raquel, 44 anos, contabilista, vive no Rio de Janeiro
Vai anular o voto "pela primeira vez na vida". "Dessa vez, eu não consigo" votar num ou noutro candidato, diz. A falta de representação justifica a sua decisão, que é definitiva e foi tomada no dia da primeira volta das eleições (vulgo primeiro turno).
Raquel não vota em Bolsonaro por uma questão de "valores pessoais". "Claro que a gente sabe que tem muita notícia fake [falsa], mas eu não concordo, de jeito nenhum, com as suas declarações e a forma como se posiciona diante de várias questões", acrescenta.
"Dessa vez, eu não consigo"
Mas também não vota no Partido dos Trabalhadores — mesmo tendo em conta que "há muito tempo atrás" se sentiu representada nesta formação política — porque não acredita na forma como "hoje ele [o partido] está funcionando".
A carioca sabe que ao votar nulo está favorecer o candidato que lidera as sondagens, Jair Bolsonaro. No entanto, explica que na sua consciência não tomou essa decisão diretamente.
E como vai ser o Brasil no dia 29, após as eleições? Dia 29 não sabe, mas hoje, diz, "parece que [o país] vive a final de um campeonato". Os impactos deste sufrágio, económicos e sociais, na sua opinião, vão sentir-se apenas em 2019. Até lá o Brasil vai passar por um período que apelida de "ressaca".
Larissa, 27 anos, freelancer, vive em Portugal há dois anos
O caso de Larissa é um pouco diferente, já que não votou na primeira volta nem vai votar no segundo turno. Em primeiro lugar, não votou porque não concluiu a tempo a burocracia necessária para votar em Portugal; depois porque mesmo que o tivesse feito também optaria por anular.
"Não pode ser uma escolha pelo menos mau"
Na sua opinião, o voto nulo ou em branco tem uma importância que muitas vezes não lhe é atribuída. "Se os candidatos não correspondem às expectativas, não têm boas propostas, bons partidos por trás, as suas intenções não correspondem com aquelas que acho melhor para o meu país, mesmo que eu não esteja morando nele, então não acho que tenha de optar por um". "Não pode ser uma escolha pelo menos mau", diz, partilhando que esta é a ideia que tem tentado passar à família e aos amigos no Brasil. "Por que é que tenho de escolher uma ou outra coisa por falta de opção? Acredito que num futuro próximo o voto branco e nulo terá um papel e um peso maior na sociedade brasileira", diz a freelancer.
Como o voto é obrigatório, Larissa vai ter de o justificar, isto é, apresentar um documento que justifique a sua ausência nas urnas.
Os candidatos Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL) e Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT) irão defrontar-se este domingo, 28 de outubro, na segunda volta das eleições presidenciais brasileiras, onde 147 milhões de brasileiros decidirão quem será o sucessor de Michel Temer na Presidência do país. Nas últimas sondagens do Instituto DataFolha Bolsonaro aparece com 55% das intenções de voto enquanto Haddad tem 45%.
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