O navio com bandeira portuguesa, que foi impedido de atracar na Namíbia, transporta material explosivo, que será utilizado por três fabricantes de armamento, um deles israelita. O Governo pondera retirar a bandeira de Portugal, revelou o ministro da defesa, na tarde desta quinta-feira.
De acordo com as declarações do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Paulo Rangel, ao Público, o material, de uso duplo, vai ser descarregado em dois portos no Adriático, no Montenegro e na Eslovénia, seguindo para Israel, Polónia e Eslováquia noutros barcos ou por via terrestre.
No entanto, numa entrevista, onde foram abordados outros temas como as eleições de novembro nos Estados Unidos da América ou a pasta atribuída a Maria Luís Albuquerque, na Comissão Europeia, o ministro fez questão de deixar claro que não há nenhuma questão dúbia em volta do navio, uma vez que deu "a informação toda".
O barco transporta "material de duplo uso, ou seja, pode ser utilizado para armamento, pode ser utilizado para, por exemplo, construção em obras públicas, túneis, pedreiras, etc., portanto é um material explosivo, mas de facto as empresas que são o destino final todas elas fabricam armamento – sobre isso não há dúvidas –, embora com uma cláusula que exclui as armas de destruição maciça", referiu à publicação.
Segundo Paulo Rangel, esta é uma matéria "jurídica complexa" e o Governo ainda não tomou qualquer decisão sobre a eventual retirada do pavilhão português ao navio: "Estamos neste momento ainda a analisar a situação e estamos em contacto com as autoridades, portanto, ao contrário do que se pensa, Portugal não está parado", disse.
Questionado sobre se o Governo pode retirar o pavilhão português ao navio, respondeu: "(...) estamos em consultas, em termos de circulação deste barco. Em termos jurídicos, em termos de direito internacional, ao contrário do que dizem certas plataformas, não há um risco real nem um risco sério, que é aquilo que seria exigível para esse efeito".
O ministro salientou, no entanto, a atitude que nenhum outro Governo teve, no que diz respeito a Israel: "Proibir a exportação de armas para Israel. (...). Vejo partidos que defendem o reconhecimento da Palestina, mas quando tiveram poder efectivo nunca contribuíram para isso, em 2015 e até em 2022".
"E agora exigem-no a este Governo, que foi o único que até agora, na Assembleia Geral das Nações Unidas, votou a favor da admissão integral, ou seja, de membro de pleno direito, da Palestina. Este Governo ainda hoje vai votar a favor de uma resolução nas Nações Unidas apresentada pela Palestina a propósito das conclusões do Tribunal Internacional de Justiça", acrescentou.
Paulo Rangel recordou também que, este mês, o Governo proibiu o sobrevoo de um avião que vinha dos Estados Unidos da América para Israel com armamento, reforçando que não há motivos para "lições de moral".
Ainda sobre esta proibição referiu que "a decisão formal foi tomada a 10 de setembro" e que "teve a ver com o direito de escala nas Lajes e o sobrevoo".
Reações dos partidos
O BE alertou hoje para o risco de Portugal violar o direito internacional ao ter uma bandeira nacional num navio que transporta material para fabricar armas em Israel, acusando o Governo de passividade e cobardia.
"Portugal não pode ser cúmplice deste crime, não pode ser cúmplice do genocídio, e é o que está a fazer e é do que poderá ser acusado caso não retire a bandeira do navio português", alertou Mariana Mortágua, em declarações aos jornalistas, na Assembleia da República.
Mariana Mortágua afirmou que, apesar de Paulo Rangel confirmar a informação para a qual os bloquistas já tinham alertado, "dá a entender que o Governo português nada fará para travar este carregamento de armamento".
"Esta passividade por parte do Governo português implica uma violação das convenções que Portugal assina e subscreve de prevenção de genocídio, bem como de todas as determinações da Justiça Internacional relativamente ao risco de genocídio na Palestina pelo Governo israelita e pelo exército de Israel", avisou.
A coordenadora do BE defendeu que a retirada da bandeira "é uma decisão política e legal" e avisou que Portugal "está em incumprimento ou pode estar em incumprimento da lei internacional ao permitir esta cumplicidade com o genocídio".
"Não há qualquer justificação à luz do direito internacional e dos direitos humanos para a não retirada da bandeira e qualquer desculpa não passa disso mesmo", considerou.
A bloquista defendeu que "é tão cúmplice quem sabe quem envia as bombas, como quem envia os materiais que fazem as bombas".
"Acho que devíamos exigir ao Governo português menos desculpas, menos hesitações, menos cobardia, menos hipocrisia na sua ação, mais respeito pelo direito internacional, mais respeito pelos direitos humanos, mais respeito pelas vidas daqueles que estão a morrer aos milhares na Palestina e, já agora, mais respeito pelas convenções da Organização das Nações Unidas (ONU), pelo secretário-geral da ONU [António Guterres] e por todos aqueles que têm defendido os direitos palestinianos neste massacre", defendeu.
Paulo Rangel tem audição marcada sobre este tema na comissão parlamentar de Negócios Estrangeiros para dia 15 de outubro, momento que para Mariana Mortágua “faz agora mais sentido”.
Os bloquistas querem que o governante explique “porque é que desvalorizou, porque é que disse que não havia armas, porque é que disse que não eram para Israel e depois porque é que vem confirmar a informação que foi divulgada em primeira instância”.
“O Governo português tem que ser confrontado com a possibilidade de Portugal ser levado a tribunal internacional por cumplicidade com o genocídio. É grave, a situação em que o Governo português está a colocar o país é grave, Portugal pode ser confrontado com cumplicidade por genocídio e essa é uma mancha que nós não queremos no nosso país, não em nosso nome certamente”, afirmou.
O BE já entregou uma exposição à Procuradoria-Geral da República (PGR) na qual pede ao Ministério Público que “fiscalize e previna que Portugal venha a ser acusado internacionalmente por cumplicidade com um genocídio” e lançou uma petição pública para que a bandeira portuguesa seja retirada deste navio, que já conta com 2.500 assinaturas, de acordo com fonte oficial do partido.
Já o secretário-geral do PCP disse já não “aguentar a hipocrisia” do Governo sobre o conflito na Palestina, acusando o ministro Paulo Rangel de uma “manobra” sobre o caso da bandeira nacional num navio com explosivos para Israel.
Em declarações aos jornalistas, Paulo Raimundo considerou que o Governo “tem as mãos manchadas da situação que está a ocorrer na Palestina” e que não basta reconhecer a existência de um navio a transportar material militar para Israel.
“O importante é agir em conformidade com isso, não basta reconhecer. De que é que nos vale o reconhecimento? Qual é a ação? Qual é a medida concreta? O que é que vai impedir? Não vale a pena dizer que vai trocar a bandeira”, acrescentou o líder dos comunistas.
Paulo Raimundo disse que, embora não acredite que o ministro queira “desvalorizar a questão”, sentiu-se, na entrevista ao Público e à Renascença, “um bocadinho apertado” e procurou “uma forma de manobra” na resposta à questão sobre esta matéria.
O secretário-geral do PCP insistiu na necessidade do Governo português fazer o que “a Constituição obriga” e “fazer de tudo para o caminho da paz” e um cessar-fogo na Palestina.
Além disso, embora não considere que seja um “passo decisivo”, Raimundo instou também o Governo a reconhecer o Estado da Palestina, afirmando que continuará a pressionar nesse sentido na Assembleia da República.
“O Governo vai ter que ceder, vai ter que ceder nesse ponto de vista”, conclui o secretário-geral do PCP.
(Notícia atualizada às 19h24)
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