Mal caiu a noite desta terça-feira no Bairro do Zambujal, Lisboa, os moradores foram surprendidos com um autocarro da Carris a arder e elementos dos Bombeiros Voluntários da Amadora a serem chamados para apagar as chamas que lavravam por toda a viatura, no cruzamento das ruas das Galegas e do Cerrado do Zambujeiro. Já passava das 21h00 quando os bombeiros abandonaram o local.
Do autocarro da Carris restou apenas a carcaça e um amontoado de chapa e cablagens calcinadas.
As chamas começaram pelas 19h05 e, em declarações à Lusa, uma moradora relatou que o autocarro foi mandado parar por um grupo de jovens do bairro que, depois de o motorista sair, lançou fogo à viatura.
Foram também ouvidas explosões e disparos, perto de prédios de habitação no interior do bairro.
Equipas de Prevenção e Reação Imediata (EPRI) e de Intervenção Rápida (EIR) da PSP, que se encontravam na Praça São José, num dos acessos ao Zambujal, deslocaram-se para o interior do bairro, dispositivo pouco depois reforçado com quatro carrinhas e outra viatura da Unidade Especial de Polícia.
“Não vale a pena falar com vocês, ainda vão distorcer tudo”, respondeu uma moradora, quando questionada se também tinha assistido ao início do incêndio do autocarro.
“Assim não vamos ter autocarro”, lamentou outra moradora, aludindo às dificuldades do serviço público de transportes que serve o bairro.
Pouco depois, uma das moradoras desabafou junto dos jornalistas concentrados à distância do autocarro em chamas por um perímetro montado pela PSP: “Ainda bem que estão aqui, senão já estávamos todos a apanhar”, disse.
Esta confusão acontece depois dos moradores do Zambujal promoveram ontem uma concentração no bairro para exigirem “justiça” pela morte de Odail Moniz, 43 anos, na madrugada de segunda-feira, baleado por um agente da PSP.
Duas dezenas de pessoas promoveram uma marcha, pelas 16h30, após uma concentração de moradores junto a um café do bairro, próximo do estabelecimento de Odair Moniz, morto no vizinho Bairro da Cova da Moura, não muito distante do Zambujal e separado pelo Itinerário Complementar (IC) 19, que liga Lisboa a Sintra.
Os manifestantes acabaram por desmobilizar após cerca de 20 minutos, mas ao longo da tarde continuou-se a escutar o rebentamento de petardos no interior do bairro.
O que está a fazer a polícia?
Uma pessoa foi detida ontem à noite por posse de material combustível no Bairro do Zambujal. Em comunicado, a direção nacional da PSP indica que, depois dos distúrbios ocorridos durante a madrugada, na sequência da morte de um morador baleado pela PSP na Cova da Moura, ao final da tarde voltaram a ocorrer “situações de desordem no interior do Bairro do Zambujal”, nomeadamente “um episódio grave de violência urbana”, com o roubo de um autocarro da Carris que foi incendiado.
“Apesar de vários esforços, não foi possível até ao momento detetar e intercetar os suspeitos deste crime violento, tendo, todavia, sido já efetuada uma detenção por posse de material combustível, que indiciava a sua utilização para deflagração de incêndio”, acrescenta a PSP.
Na nota, a PSP reitera lamentar a morte de Odair Moniz, que está a ser investigada pelas autoridades judiciárias, e deixa “uma palavra de solidariedade” aos dois polícias envolvidos no incidente e a todos os agentes envolvidos na reposição e manutenção da ordem pública no concelho de Amadora.
“A PSP está empenhada em repor a tranquilidade no Bairro do Zambujal, na Amadora, pelo que apelamos à calma de todos os cidadãos, estando ainda a PSP apostada em manter as parcerias de muitos anos com as comunidades no concelho da Amadora”, refere a direção nacional da força de segurança.
Contudo, é acrescentado, não serão tolerados “atos de desordem e de destruição praticados por grupos criminosos, apostados em afrontar a autoridade do Estado e em perturbar a segurança da comunidade”.
Contactada pele SAPO24 fonte da Polícia Judiciária (PJ) informa que todas as forças de autoridade vão ter de aumentar o “plano de segurança” diário, nomeadamente colocar mais efetivos nestes pontos de foco de tensão, algo que governo já vez questão de salientar. Foi também pedido à Carris para evitar passarem nestas zonas, sobretudo no período noturno.
Acrescentam ainda que neste momento a indicação que as autoridades têm é que isto tem sido provocado por gangues e não pela população em geral, e que a investigação está a ir nesse sentido.
Já a contar com a detenção no Zambujal contabiliza-se ao todo a detenção de três pessoas no concelho da Amadora, duas por incêndio e agressões a agentes policiais e outro por incêndio e posse de material combustível.
Sabe-se que um agente foi apedrejado e duas viaturas policiais ficaram danificadas, bem como outras cinco viaturas, e vários caixotes do lixo foram incendiados.
O que está a acontecer agora?
Agentes da PSP escoltaram às 10h40 a viatura que vai remover o autocarro incendiado na terça-feira à noite no bairro do Zambujal.
Um carro reboque da polícia chegou ao local acompanhado de elementos do corpo de intervenção da PSP, segundo constatou a agência Lusa no local.
Os agentes tomaram posição junto ao pesado de passageiros incendiado por desconhecidos enquanto o reboque entrava na rua das Galegas e os moradores presentes não se manifestaram.
A Lusa constatou hoje de manhã que a situação é de calma: as crianças estão na escola, muitas pessoas foram trabalhar e alguns idosos dirigem-se para os cafés da zona.
Ao final da manhã a PSP informou as redações que registou 60 ocorrências de desordem e incêndio em mobiliário urbano (maioritariamente caixotes do lixo) na Área Metropolitana de Lisboa, nos concelhos de Lisboa, Amadora, Oeiras, Odivelas, Loures, Cascais, Sintra e Seixal tendo sido ainda apreendido diverso material inflamável. Confirmam-se ainda as três detenções.
Registaram ainda:
- 2 polícias feridos - nos concelhos da Amadora e de Oeiras - por arremesso de pedras, tendo os mesmos necessitado de receber tratamento hospitalar e um deles entrado em situação de baixa médica;
- 2 viaturas policiais danificadas (uma com quebra de vidro e outra baleada);
- 2 autocarros da Carris roubados e incendiados (um deles o do Zambujal);
- 8 veículos ligeiros de passageiros incendiados;
- 1 motociclo incendiado;
- 2 cidadãos (passageiros de um dos autocarros incendiados) vítimas de esfaqueamento, ainda que sem gravidade, alegadamente pelos indivíduos que roubaram e incendiaram a viatura pesada de passageiros;
- inúmeros caixotes de lixo incendiados, assim como outro mobiliário urbano.
Mais ainda esclarecem que no que diz respeito à notícia veiculada de entrada de polícias em habitações no Bairro do Zambujal: "Ocorreu apenas a entrada numa casa, que não a que está referida nas notícias veiculadas, em apoio aos Bombeiros Voluntários da Amadora, que se deslocaram ao local para apoio médico a uma criança e por solicitação da família. A Polícia de Segurança Pública nega categoricamente o arrombamento de quaisquer portas".
Sublinham também "no que concerne às imagens que andam a circular nas redes sociais de uma equipa da PSP num hall de um prédio – e não dentro de qualquer habitação –, supostamente no Bairro do Zambujal, pode verificar-se, apenas, que os polícias encontram-se a dialogar com os cidadãos ali presentes, no sentido de serenar e manter a tranquilidade pública".
Também contactada pelo SAPO24 a Carris sublinha que quem pretende fazer uso das carreiras nas zonas onde incêndios deve consultar o site da empresa de transportes onde estão a ser feitas atualizações em tempo real. Até ao momento, as carreiras 714 e 754 estão a registar desvios pontuais em alguns troços do trajeto.
"Distúrbios inadmissíveis" diz a ministra
Segundo a ministra Margarida Blasco, já se realizou esta noite uma reunião de urgência do Sistema de Segurança Interna, mas recusou adiantar se haverá algum reforço de meios.
“Não revelarei aqui qualquer ação operacional. Aquilo que eu queria garantir aos portugueses é que as forças de segurança tudo farão para manter a ordem e deter aqueles que têm participado nestes distúrbios, sendo que já estão três detidos”, afirmou, em declarações aos jornalistas à chegada à 35.ª Cimeira Luso-Espanhola, que decorre em Faro.
Margarida Blasco classificou os desacatos das últimas noites como “atos de vandalismo que põem em causa a ordem e a segurança pública” e assegurou que tudo será feito “para levar todos aqueles que participaram nestes tumultos à justiça”.
A ministra começou por assegurar que o Governo tem estado a acompanhar “desde o princípio todas as desordens públicas” em vários bairros da Grande Lisboa.
“Queria aqui dizer que esta noite fizemos uma reunião de urgência do SSI, estou em permanente contacto com todas as forças de segurança e principalmente com a PSP, que está nos diversos locais a acompanhar e a repor a ordem pública”, disse.
A ministra deixou uma “especial menção” àqueles que estão a trabalhar pela tranquilidade e “para acabar com estes distúrbios perfeitamente inadmissíveis que não permitem às populações deslocar-se e fazer a sua vida laboral normal e acompanhar as suas crianças à escola”.
“Queria dizer que a PSP, em articulação com todas as outras forças de segurança, estão a repor e a dar apoio às populações que querem seguir o seu dia-a-dia de forma normal”, afirmou.
Questionada se haverá algum reforço policial para esta noite, a ministra apenas reiterou que o Governo está a acompanhar em permanência “todos os desenvolvimentos e todas as ações de polícia e de prevenção e de repressão de todos aqueles que praticam estes atos”.
O que diz a Câmara da Amadora?
A Câmara da Amadora assegurou que está “a acompanhar de perto” os desacatos ocorridos no Bairro do Zambujal, na sequência da morte de um morador baleado pela PSP na Cova da Moura, apelando à “manifestação pacífica”.
“No âmbito das estreitas relações institucionais com a PSP, a Câmara Municipal da Amadora está a acompanhar de perto os eventos ocorridos recentemente no Bairro do Zambujal e na Cova da Moura, relembrando que estão a decorrer as devidas diligências por parte dos órgãos de investigação criminal”, indica a Câmara da Amadora, numa nota enviada à Lusa.
Lamentando todos as situações que coloquem em causa “a ordem pública e a segurança de todos, bem como todos os atos de vandalismo no espaço público”, o município do distrito de Lisboa liderado por Vítor Ferreira (PS) apela “à manifestação pacífica, serena, sem violência de qualquer ordem”.
Na nota, a Câmara da Amadora assegura ainda que continuará a intervir para garantir “a devolução do espaço público e equipamentos aos moradores”.
O que aconteceu a Odail Moniz?
Odair Moniz, de 43 anos, foi baleado por um agente da PSP na madrugada de segunda-feira, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
Segundo a direção nacional da PSP, o homem pôs-se “em fuga” de carro depois de ver uma viatura policial na Avenida da República, na Amadora, e “entrou em despiste” na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, “terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca”.
A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigem uma investigação “séria e isenta” para apurar “todas as responsabilidades”, considerando que está em causa “uma cultura de impunidade” nas polícias. De acordo com os relatos recolhidos no bairro pelo Vida Justa, o que houve foram “dois tiros num trabalhador desarmado”.
Na segunda-feira, o Ministério da Administração Interna determinou à Inspeção-Geral da Administração Interna a abertura de um inquérito urgente e também a PSP anunciou a abertura de um inquérito interno para apurar as circunstâncias da ocorrência. O agente que baleou o homem foi entretanto constituído arguido, indicou fonte da Polícia Judiciária.
*Com Lusa
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