Em “Golpe de Sol”, Vicente Alves do Ó “não queria contar uma história em que as personagens vivessem uma catarse, sobre um assunto que supostamente ainda as incomoda, e que no fim do filme estivesse resolvido, porque na vida real a gente não resolve muita coisa”.
“Não há soluções para coisas e nós temos que aprender a viver com elas, ponto. Este filme é sobre as pessoas que eu acho que vão mascarando. Cada um dos quatro teve uma espécie de estratégia para sobreviver àquilo que lhes foi acontecendo, são é estratégias tão superficiais que o que acontece é que um telefonema e uma aparição, entre aspas, convoca naquelas pessoas uma série de assuntos que ficaram por resolver”, contou em entrevista à Lusa.
“Golpe Sol”, ao contrário de outros trabalhos de Vicente Alves do Ó, não foi escrito com o objetivo de ser um filme, “foi uma daquelas ideias que não surgem como ideias, são coisas que acontecem”.
O argumento começou a ser escrito há dez anos, num verão “muito lisboeta”. “Não havia dinheiro, portanto não havia férias em lado nenhum, as idas à praia e à piscina, aqui na zona, resultavam em muitos cigarros, muitos gin tónicos, ou muito vinho, e muita conversa. E às vezes os dias de Sol, que deveriam ser felizes, alegres e bem-dispostos, transformavam-se num carpir de alma que era uma coisa extraordinária”, recordou.
Nesse verão, Vicente Alves do Ó estava “sem trabalho, sem dinheiro”, mas como é “muito ‘workaholic’ [viciado em trabalho, em português]”, começou “a pegar naquelas conversas e a escrevê-las, sem um objetivo final”.
“Não havia objetivo de filme, mas foi crescendo e ficou na gaveta durante muito tempo até que a minha produtora me falou num apoio a que podíamos concorrer que era de baixo orçamento. Lembro-me que quando estava a explicar-lhe aquilo arrumei a ideia no telefonema e depois tive que ir trabalhá-la”, contou.
Embora as quatro personagens sejam inspiradas em amigos, nenhuma representa ninguém em particular.
“Queria apanhar o tom, do grupo, da geração [cerca dos 40 anos], das conversas, mas não queria apontar especificamente uma pessoa”, referiu o realizador, partilhando haver também coisas suas nos quatro.
“Há frases inteiras, coisas minhas, que eu digo ou que já disse na minha vida, e de outras pessoas”, partilhou.
Na escolha dos quatro protagonistas optou, tal como fez em filmes anteriores (“Florbela”, “O amor é lindo…porque sim!” ou “Al Berto”), por “fazer uma mistura, “de gente muito conhecida, com gente nada conhecida e gente de escolas diferentes”.
“O que eu tentei encontrar foi um compromisso entre bons atores, mas que fisicamente se aproximassem da ideia das pessoas que eu tinha que poderiam estar ali, e que fossem muito diferentes entre si”, contou.
Além disso, “como iam passar muito tempo em fato de banho”, apesar de Vicente Alves do Ó considerar “que o filme não explora por aí além o corpo e a sexualidade deles, tinha que ser gente que estivesse muito à vontade com o seu próprio corpo, para que quando estivesse a filmar não estivesse sempre com a preocupação de como é que eles estão”.
Por último, como os quatro iam “passar muito tempo juntos e aquilo ia ser muito intenso”, o realizador tinha que se sentir “à vontade” com os atores, eles consigo e “eles uns com os outros”.
“Eu tinha que perceber que aquilo é verdade, porque a coisa podia rapidamente correr mal, porque emocionalmente era muito intenso”, disse.
Dos quatro uns foram escolhidos por convite e outros por ‘casting’, até Vicente Alves do Ó “encontrar o grupo certo”, com quem depois esteve “numa residência a trabalhar o texto, a personagem e os conflitos, as motivações”.
O realizador escolheu Nuno Pardal, Oceana Basílio, Ricardo Barbosa e Ricardo Pereira, para vestirem a pele de Francisco, Joana, Simão e Vasco, respetivamente.
“Golpe de Sol” teve antestreia nacional em outubro do ano passado no Queer Lisboa — Festival Internacional de Cinema Queer, mas o realizador garante que é um filme “pensado para toda a gente, porque tem um assunto [homossexualidade] que é um não assunto, está lá com a mesma normalidade com que está a casa, o sol ou o céu”.
“Não é o objetivo deste filme, não é a função deste filme, até porque as pessoas durante o dia não estão continuamente a falar da sua sexualidade nem com quem dormem, mais depressa falam das outras coisas: que estão tristes, infelizes, que gostam de uma pessoa que não gosta delas, que não têm ninguém ou que têm um sonho na vida que não sabem se vão conseguir cumprir, que é casar e ter filhos”, afirmou.
Depois da antestreia no festival, a ideia era o filme ter estreado no primeiro trimestre deste ano, mas “de repente parou tudo”, devido à pandemia da covid-19.
No início do ano ou agora, o mais importante para Vicente Alves do Ó “é que estreie, que se saiba que existe e que o vejam, mesmo que não seja em sala”.
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