O Governo pretende regulamentar esses produtos na lei que os deputados da comissão parlamentar de Saúde debatem na quarta-feira mas a questão é polémica e a lei pode mesmo não ser aprovada.
O tabaco aquecido entrou em Portugal em 2015 (foi o quarto país do mundo) pela mão da multinacional Philip Morris, da qual a Tabaqueira é subsidiária. É comercializado hoje em 20 mercados e em Portugal foi adotado por 15 mil fumadores, 78% a usarem apenas esse produto, segundo números da empresa.
Basicamente consiste em tabaco que é aquecido eletronicamente e que por não chegar à combustão é apresentado pela multinacional como um produto de risco reduzido. Segundo fonte oficial da empresa o cigarro aquece até cerca de 350 graus (a ponta de um cigarro aceso atinge os 900) e ao não haver combustão não há fumo nem cinza, além de que deixa menos cheiro.
“Aquecer o tabaco, em vez de o sujeitar a um processo de combustão, reduz a formação de muitos dos constituintes nocivos e potencialmente nocivos que são produzidos às temperaturas elevadas associadas à combustão”, sendo que há uma redução desses constituintes na ordem dos “90 a 95%”, incluindo de 15 químicos classificados como substâncias carcinogénicas, diz a fonte da Tabaqueira.
João Curto, da Associação Portuguesa para o Estudo das Drogas e Dependências diz à Lusa que a associação “admite uma política de redução de danos” e afirma que o produto “parece não ser tão nocivo, pelos primeiros estudos” e pode ser “uma boa solução” para quem quer deixar de fumar.
Mas as associações e entidades que se declaram contra o novo produto não são poucas.
Emília Nunes, diretora do Programa Nacional para a Prevenção e Controlo do Tabagismo na Direção-Geral de Saúde, até aceita que haja uma eventual redução de danos mas salienta que pode haver outros danos, além de que não está claro “o grau de adição do produto”, pelo que “a redução de danos pode ser muito limitada”.
Numa audição no Parlamento a responsável afirmou mesmo que uma redução de 95% de compostos químicos “não é necessariamente uma redução de 95% de doenças” e lembrou que em janeiro o Parlamento Europeu propôs uma atitude de prevenção sobre estes produtos.
Diz a fonte da Tabaqueira que o tabaco aquecido e outros novos produtos resultam de “década e meia de investigação” por parte da empresa, e responde Emília Nunes e associações, como a Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) ou a Confederação Portuguesa de Prevenção do Tabagismo (CPPT), que faltam provas científicas.
“Não há evidência científica que fundamente a redução do risco. Se estamos a lidar com produtos claramente nocivos não queremos a redução do risco, queremos a eliminação do risco”, disse à Lusa o presidente da CPPT, Emanuel Esteves, salientando que os produtos de tabaco devem ser tratados todos por igual.
“Apresentam estudos encomendados por eles, não são independentes. Não há nenhuma evidência científica que possa sustentar a ideia de que o tabaco aquecido não é tão prejudicial como os outros”, diz Emanuel Esteves, para quem a questão dos 300 graus é “uma falácia”, porque a essa temperatura já aconteceram as mudanças no tabaco.
José Pedro Boléo-Tomé, pela SPP, assume que tem dificuldade em acreditar na indústria do tabaco e acrescenta que “em ciência não podem ser as entidades interessadas a fazer um estudo. Os estudos (da Philip Morris) não têm validade científica nenhuma”.
Às dúvidas e acusações responde a Tabaqueira que “a avaliação científica está em curso” e que a mesma segue “métodos comparáveis aos da indústria farmacêutica” e submetidos a normas internacionais, e fala de mais de 200 publicações em revistas científicas que “constituem um exercício de validação”.
“Também estão em curso processos de validação externa da responsabilidade de agências europeias com competências similares nos Países Baixos, no Reino Unido e em França”, diz à Lusa a fonte da empresa, que convida “qualquer entidade pública ou privada” a conhecer os estudos e colaborar neles.
Se a empresa insiste na redução de risco e se tem a seu favor opiniões médicas de alguns países, que aceitam os novos produtos (das várias industrias de tabaco), Hilson Cunha Filho, conselheiro científico em adições, especialista em saúde pública e cessação tabágica, salienta que se desconhece que doenças provoca o tabaco aquecido a longo prazo e frisa que “o risco continua”.
“A nicotina é o principal problema porque leva as pessoas ao consumo descontrolado, a base de todo o problema é a adição”, acrescenta.
Emanuel Esteves tem a mesma ideia: “Estamos a lidar com uma substância perigosa, claramente. E perigosa também pela criação de uma dependência”.
A fonte da Tabaqueira-Philip Morris ouvida pela Lusa admite a presença da nicotina nos novos cigarros mas diz que não é ela que está relacionada com as doenças atribuíveis ao consumo de cigarros. A empresa, diz a fonte, tem a noção que o produto que comercializa “é nocivo, além de aditivo”, pelo que quer agora “contribuir positivamente, mediante a disponibilização de alternativas de potencial de risco reduzido” para adultos que não querem ou não conseguem deixar de fumar.
E tem como objetivo transferir todos os fumadores para os produtos a que chama de “risco reduzido”, ainda que agora o tabaco aquecido represente apenas 1% das vendas globais da empresa.
Hilson Cunha Filho responde à posição da Tabaqueira afirmando que “acomunidade tem um grande problema com a indústria do tabaco, que antes de mais diz respeito à transparência e integridade”.
Com o novo tabaco, diz, vai haver substituição de produtos mas não menos fumadores e a indústria vai ganhar mais dinheiro.
E se a lei não regular os novos produtos, avisa Emanuel Esteves, os jovens que hoje não podem comprar cigarros normais podem comprar tabaco de aquecer, pelo que esse pode ser o início do consumo de tabaco para as novas gerações.
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