"O que os partidos vão fazendo é alterações - e agora, aqui vai a frase - consoante os seus interesses", diz Margarida Salema, por quem ao longo de anos passaram as contas de perto de 30 partidos políticos. "O que tem acontecido é muito grave, que é o facto de serem os partidos a decidir sobre o seu próprio financiamento", porque "quem decide na Assembleia são os partidos parlamentares".
Nuno Garoupa concorda, e sugere que seja feita uma avaliação séria, "mas não é uma avaliação feita pelo próprio Parlamento, é feita por um conjunto de técnicos independentes. Não é o Parlamento que se vai autoregular e autoavaliar". Quer dizer, "o Parlamento já devia ter nomeado uma comissão ad hoc".
"O que tem sido feito não é transparente, mas não é só nesta área, o nosso Parlamento não tem uma tradição de pedir a comissões fora da Assembleia da República que façam um conjunto de propostas que depois a própria Assembleia possa votar", considera.
Até porque, concordam Margarida Salema e Nuno Garoupa, a causa própria de um grande partido, como o PS ou o PSD, não é necessariamente a causa própria de um partido médio, como o Bloco de Esquerda ou o PCP, muito menos de um partido extra-parlamentar, como o CDS ou PCTP/MRPP. "Os partidos não têm todos os mesmos interesses", exemplo disso é o parque imobiliário do PCP, muito diferente do Chega ou do IL, até pelas suas histórias".
Para os dois professores de Direito é preciso distinguir o financiamento direto, e o motivo por que é necessário, do financiamento e dos apoios indiretos que acabam por receber via Estado, via colocação [empregos], via comunicação social e exposição, que não está contabilizado nos números.
E os números dizem-nos isto: em 2021 o PCP foi o partido com mais lucros (mais de 1,6 milhões) e o Bloco de Esquerda o partido com piores resultados (prejuízos de quase 60 mil euros). Os lucros do PSD não chegaram ao milhão, mas ficaram perto, enquanto o PS se manteve na casa dos 350 mil euros positivos. Chega, IL, PAN e Livre também tiveram lucros, mas mais baixos.
Ou isto: na atual legislatura, entre subvenções à atividade e financiamentos de campanha eleitoral, os partidos receberão cerca de 120 milhões euros. A maior fatia, pela força dos votos, vai para o PS: 31,2 milhões.
Como a participação eleitoral aumentou, aumentam os custos públicos: o total das subvenções anuais atribuídas aos partidos políticos subiu de 13,8 milhões em 2019 para 15,6 milhões em 2022.
Recebem apoio por voto (2,955 euros) todos os partidos que tenham pelos menos 50 mil votos, mesmo sem assento parlamentar. Ou seja, os oito que estão na Assembleia da República e o CDS, que ficou fora, mas teve mais de 89 mil votos.
Mas há mais, como os benefícios fiscais. Os partidos não pagam IMI, IMT, Imposto Único de Circulação, Imposto de Selo ou parte do IVA. Por exemplo. No total, as isenções fiscais valem 300 a 400 mil euros por ano, perto de 1,5 milhões de euros por legislatura.
Nuno Garoupa faz a distinção entre aquilo que é "demagogia" e o que é razoável. A verdade é que "120 milhões pode parecer muito, mas temos de pôr as coisas em perspetiva - já não vamos falar da nossa dívida pública de 250 mil milhões". Só que "os partidos são entidades impopulares em Portugal e a discussão pode estar inquinada". Por isso, lembra que "se os partidos não forem financiados pelo Estado, vão ser financiados de alguma maneira, por baixo da mesa e sem qualquer transparência".
O financiamento público é um argumento de transparência e de independência face à fonte de financiamento, mas tem de haver fiscalização. E, nesta matéria, Margarida Salema afirma que o que se "verificou em 2018 [alteração da lei] foi um retrocesso na fiscalização".
Se há "um interesse comum a todos os partidos, é talvez a diminuição da fiscalização das contas dos partidos. Daí a reforma que foi feita para retirar a maior parte dos poderes que a Entidade das Contas tinha, um deles era o poder de regulamentar".
E aqui uma crítica direta ao Tribunal Constitucional: "Entendo que o sistema atual de fiscalização não serve aquilo que foi o espírito da legislação de regulação do financiamento público. A Entidade das Contas faz o seu trabalho, mas, como há recursos para o tribunal, o Tribunal Constitucional normalmente absolve os partidos da contraordenação que lhes foi aplicada ou diminui substancialmente o valor das coimas aplicadas", denuncia Margarida Salema. "Se a entidade fiscalizadora aplica determinadas sanções que o Tribunal Constitucional anula ou diminui, qual a autoridade moral da Entidade das Contas tem para continuar o seu trabalho?", pergunta.
Nuno Garoupa concorda que "temos um problema com o Estado regulador em Portugal, porque todos os reguladores têm o mesmo problema da Entidade das Contas: quando as empresas recorrem para os tribunais, os reguladores, sistematicamente, perdem. Não podemos ter um Direito contraordenacional em que os reguladores entendem aplicar multas porque foram cometidas faltas e os tribunais, sistematicamente, as reduzem".
Pode ouvir isto tudo e muito mais em "O sapo e o escorpião", com Margarida Salema e Nuno Garoupa.
Nota: Pedimos desculpa pela má qualidade do som registada nos primeiros minutos do podcast - que decorreu em modo remoto, com alguns problemas técnicos, mas com muita vontade -, e sugerimos que fique até ao fim, sem sobressaltos, com a promessa de que melhora significativamente à medida que vai decorrendo. Falamos do som, porque a conversa vale a pena desde o primeiro momento.
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