António Costa Pinto falou à agência Lusa a propósito da edição da autobiografia de Benito Mussolini, lançada em Portugal no final de outubro, que retrata “o início do regime político” do líder fascista italiano e que conta com o prefácio do professor do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa.
Na ótica do investigador, a maior diferença entre Mussolini e os movimentos populistas contemporâneos prende-se com a conjuntura política que as nações atravessam, mas uma das semelhanças é a “busca pelos grupos sociais populares”, em detrimento da burguesia e do capitalismo.
“É essa busca de um eleitorado, e de uma massa popular, que no fundo identifica o fascismo em relação a outros grupos políticos de direita radical do mesmo período”, sustentou.
Segundo o investigador do ICS, “este livro é, sobretudo, a autorrepresentação de um líder que despreza a democracia e que justamente tenta legitimar o combate político antiliberal e antidemocrático”.
“Sob esse ponto de vista, muitas das características de Mussolini podem ser emuladas”, defendeu António Costa Pinto, notando que o antigo chefe de Governo italiano e líder do Partido Nacional Fascista é “uma personagem que muito rapidamente se afirma como um líder carismático, um líder com uma enorme capacidade discursiva”, e que destaca valores como “a coragem física, a defesa da pátria, o nacionalismo exacerbado”.
Porém, uma das diferenças, assinalou, é que “a grande maioria dos movimentos políticos que podem tentar hoje emular alguns dos princípios de Mussolini” deixam cair dois - “a violência política e o desprezo pelas eleições enquanto modo de legitimação de um partido”.
Entre Mussolini e André Ventura, o professor universitário consegue encontrar “diferenças bastante importantes”, nomeadamente que o deputado único do Chega “não exerce a sua atividade política num contexto de crise da democracia liberal”, pelo que a “conjuntura é muito diferente” dos dias atuais para o início do século XX.
Apontando que “os líderes políticos adaptam-se”, António Costa Pinto destaca “o elemento de proximidade” de Ventura, “sobretudo no agarrar de todos os temas políticos suscetíveis de iludir a escala direita-esquerda”.
“Há inerente ao discurso populista características que são fundamentais e universais, sobretudo no desprezo pelas instituições representativas, mas em tudo o resto não há elementos de semelhança”, explicou, assinalando que mesmo “apesar de ter entre os seus quadros elementos que provêm da direita radical”, não é possível dizer que o Chega “tenha uma ideologia estruturada de tipo fascista”.
Em relação ao partido de extrema-esquerda espanhol, o Vox, existe “um revivalismo neofranquista”, mas “mais uma vez, as diferenças são importantes”, como o facto de não ter “ações transgressivas”, sublinhou o investigador, apontando que também o movimento italiano de Salvini “é de natureza diferente”.
No futuro, “alguns destes partido poderão ser, eventualmente, absorvidos pela dinâmica democrática e aproximar-se mais do centro” ou, por outro lado, da “dinâmica de direita radical”, estimou o investigador, notando que ainda se vivem tempos de incerteza.
Outra das razões para António Costa Pinto não prever um regresso dos regimes ditatoriais prende-se com o facto de não haver “países importantes” europeus com regimes autoritários, que possam constituir-se como “polos de difusão deste tipo de movimentos”.
“O que é interessante no caso de Mussolini é, como é que um chefe político de um pequeno partido, numa conjuntura de crise, no fundo três anos depois, em 1922, está no poder”, sendo que “é a partir do poder que ele vai começando a desmantelar o Estado liberal”, considerou António Costa Pinto.
Já a “dimensão mais interessante desta autobiografia” é perceber como é que Mussolini define, “de forma evidentemente não coincidente com a História, o seu próprio papel e a sua própria ação”.
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