Sob o mote “Silence=Violence” (O Silêncio é igual à violência), a conferência sobre o que é preciso para fazer para integrar a luta contra a injustiça sistémica contou com Siyabulela Mandela, ativista pelos direitos humanos e neto de Nelson Mandela, Modupe Odele, cofundadora da End SARS Legal Aid, e o músico Femi Kuti.
Questionado sobre se o ativismo seria apenas um “memento” [impulso] ou um “movimento”, Siyabulela Mandela explicou que “cada geração tem o seu próprio propósito” e que, agora, têm a “responsabilidade coletiva de continuar a avançar na agenda de completar libertação dos oprimidos”.
“É da nossa responsabilidade construir sobre impulso na continuação da luta contra qualquer tipo de injustiça”, acrescentou.
Citando Desmond Tutu – “se és neutro em situações de injustiça, escolheste o lado do opressor” –, o jovem ativista salientou que está na altura de todos fazermos uma escolha: ficar do lado do opressor ou “dar mãos” aos oprimidos, combatendo assim a injustiça e a violência sistémica.
O músico e ativista político nigeriano Femi Kuti considerou “incontestável que a opressão continuará a existir, independentemente de querermos ou não”, mas relembrou que “quando esta mostrar a sua cara feia é necessário travá-la”.
“Podemos falar sobre direitos das mulheres, abuso de menores, escravatura. Vão sempre existir na nossa vida, mas temos de nos manter firmes contra. É claro e evidente agora, era claro e evidente nos anos ‘70 e era claro e evidente nos anos ’60- Por isso, temos de assegurar que quando a opressão mostra a sua cara feia somos capazes de a travar rapidamente”, reiterou.
A advogada Modupe Odele defendeu que é preciso que as pessoas percebam que a governação “não é algo que lhes acontece, que é algo de que fazem parte” e que têm o direito de dizer “basta”. Modupe Odele presta assistência jurídica ao movimento nigeriano #EndSARS, que atua contra a brutalidade dos agentes de uma unidade da polícia, acusados de assédio, tortura e homicídios, que originou meses de protestos por todo o país. Odele constatou que as manifestações levam os governantes a "entenderem que a população tem o poder" para os parar e afastar da liderança.
"Acho que os governos agora, pelo menos na Nigéria, tiveram de mudar porque entenderam que as pessoas estão agora muito mais vigilantes e os jovens vão definitivamente aparecer e falar durante as próximas eleições", afirmou.
"Oprimidos pelos nossos"
A realização de protestos em massa é também para Siyabulela Mandela a forma que a população tem de combater o poder, depois de já ter esgotado "todos os meios possíveis". “A população encontra-se muitas vezes sem outra opção que não seja participar em protestos em massa”, justificou.
O ativista afirmou ainda que muitos dos africanos são oprimidos pelos seus próprios líderes: “Se formos à Tanzânia, Uganda, Sudão do Sul, Líbia e na maioria dos países africanos, nós somos oprimidos pelos nossos”.
No entanto, relembrou, "há uma coisa comum a todos estes países. Há meios que podemos usar para remover os que estão em posições de poder, os que nos oprimem. Aqueles que foram eleitos podem ser retirados do poder, através do voto ou através de outros meios, como os protestos em massa”.
“Se olharmos para a África do Sul, removemos um sistema cruel como o ‘Apartheid’ através do protesto. Se olharmos para a generalidade e para a forma como o continente africano se removeu da opressão dos abusos coloniais, em diferentes partes de África, foi devido a protestos em massa", acrescentou o ativista.
Mandela relembrou ainda que muitas das vezes os políticos são eleitos "porque prometeram construir pontes" para a população. A opressão que se verifica no continente africano, defende, é a opressão que é permitida pelos próprios africanos e que não se pode esperar por um “salvador”, que cabe aos próprios continuar a lutar pela sua “verdadeira independência” e democracia.
“África precisa de aprender a ser independente”
“Não acho que possam fazer mais”, disse, por seu lado, o músico Femi Kuti sobre a intervenção de outros países no continente, afirmando que “África precisa de aprender a ser independente”."Temos de garantir que salvamos o nosso continente e o futuro das nossas crianças", apelou, considerando que precisam “de ser mais práticos e conscientes” sobre o seu passado, pois “nada vai acontecer durante a noite".
Nem tudo é culpa dos africanos, fez, porém, questão de sublinhar, nomeadamente no que respeita ao comércio de armas para o continente africano que acusou os estados europeus e americanos de nada fazerem para travar.
“Acho que não há países africanos que produzam armas neste continente, então quem é que está a fornecer armas para África? A Europa e a América podem evitar que estas armas cheguem a África", assegurou, argumentando que "é conveniente que África entre em guerra entre si".
"É conveniente que os africanos estejam em competição, assim a Europa e a América podem levar os nossos recursos de graça. Por isso cabe-nos investigar e começar a retificar estes problemas no nosso interior e não olhar para as forças externas para resolverem estes problemas por nós", rematou.
Reforma do sistema prisional norte-americano. Há quatro milhões de pessoas a “uma multa de trânsito de ir parar à prisão”
Na sequência da morte de George Floyd nos Estados Unidos e perante o racismo experienciado no sistema prisional norte-americano, o debate sobre a necessidade de realizar uma reforma no sistema e nas forças policiais ganhou força. A Reform Alliance é uma organização de justiça criminal que pretende realizar esta reforma no sistema prisional dos Estados Unidos, para combater os “encarceramentos em massa”. A iniciativa defende que a revisão deveria libertar, pelo menos, um milhão de pessoas nos próximos cinco anos.
O comentador da CNN, Van Jones que recentemente, protagonizou um momento que se tornou viral, ao chorar em direto aquando do anúncio de Joe Biden como presidente eleito, é também advogado e agora CEO da Reform Alliance e juntou-se a Bob Pilon, presidente da organização na Web Summit, para abordar esta questão e a forma como têm vindo a trabalhar para dar voz àqueles que não a têm.
O comentador explicou que, além de dois milhões de detidos que se encontram no sistema prisional norte-americano, existem ainda 4 milhões de pessoas no sistema em liberdade condicional, que se encontram apenas a “uma multa de trânsito de ir parar à prisão”.
"Neste país, estamos a mandar pessoas para a prisão só porque são pobres, em alguns casos”, reiterou Bob Pilon, destacando a importância do trabalho que têm desenvolvido para informar a população sobre algumas situações que consideram injustas, bem como sobre a necessidade de mudar a legislação.
Questionado sobre o impacto nesta reforma, a partir de janeiro, da maioria republicana no senado americano, Van Jones afirmou que “mesmo com Mitch McConnell no senado, as coisas podem ser feitas porque ambos os lados podem ver como o que está acontecer ataca os valores éticos e morais”.
“Todos acreditam na liberdade e não há nada mais anti-liberdade do que aquilo que está a acontecer nas nossas prisões”.
Apesar de se focar na questão da liberdade condicional, o Reform Alliance também visa a reforma do sistema policial - “a maioria dos americanos concorda que deve ser feita alguma reforma na polícia”, assegurou Van Jones. "Não creio que deva ser uma ideia radical que a polícia deva obedecer à lei", afirmou.
"É muito difícil despedir ou sancionar polícias, há uma grande proteção. Isso tem de mudar", explicou, relembrando que mesmo os chefes da polícia não podem despedir os piores profissionais porque há uma “grande proteção”.
Outra das questões que se coloca é que “não é possível processá-los [polícias] individualmente”, por terem imunidade, e, por isso, ao processá-los está a processar-se a cidade, logo é o dinheiro dos contribuintes que acaba por ser gasto.
“Quando alguém quebra a lei, deve ser responsabilizado”, referiu, defendendo que os agentes devem ser disciplinados, despedidos, processados e julgados.
Sobre o impacto dos resultados eleitorais na reforma do sistema judicial, Bob Pilon referiu que a comunidade ativista tem se feito ouvir, não apenas nas ruas, mas também através do voto. É aqui, defendeu, que se mostra a importância da educação sobre os candidatos numa altura em que as pessoas já não estão só “a olhar para o marketing das campanhas”.
*com Lusa
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