Espanha - França. Final da Liga das Nações. Estávamos no minuto 80, o placard assinalava um empate a um golo entre as duas seleções quando Kylian Mbappé recebeu um passe de Theo Hernández, e na cara do guarda-redes espanhol Unai Simón, atirou a bola para o fundo da baliza, fazendo assim o golo que fez da seleção gaulesa a herdeira da segunda edição do torneio que há dois anos tinha sido conquistado por Portugal.

No entanto, na análise do golo foram levantadas várias questões que metiam em causa a legalidade do lance. No momento do passe de Hernández para Mbappé, o jogador do Paris Saint-Germain encontra-se em posição irregular. O defesa Eric García tenta intercetar a bola, consegue tocar-lhe, mas não deixa o esférico fora do radar do avançado francês que a leva até à grande área e faz golo.

Problema: Mbappé beneficiou de uma posição irregular para ficar com a bola.

Regra: Isso não invalida o lance, a não ser que Mbappé tivesse ativamente prejudicado a ação de García, pressionando-o corpo a corpo, por exemplo. Isto porque o defesa do FC Barcelona não choca com a bola ou vê o esférico ressaltar-lhe no pé. Eric García joga deliberadamente a bola, apesar de fazer um corte incompleto — o que dá legalidade ao lance.

Se olharmos para as Leis do Jogo, a página 100 do documento não deixa margem para dúvidas: "não se considera que um jogador tira vantagem da posição de fora de jogo quando recebe a bola de um adversário que jogou a bola deliberadamente".

Tendo isto em conta, o antigo árbitro internacional português Duarte Gomes, na página de Facebook Kickoff, explica o porquê do lance ser legal, mas não ser justo. Segundo o ex-juiz de jogo, "para haver interferência ilegal, tem que haver uma ação ativa do avançado sobre o defesa".

"O facto de o atacante estar perto dele (ou dele ter a clara noção que tem um adversário nas costas em FJ [fora de jogo] não conta para a lei, desde que aquele nada faça ativamente", indica, acrescentando que seria fora de jogo "se Mbappé tentasse disputar a bola com o adversário ou impactasse de outra forma: distraindo-o, inibindo-o de jogar, perturbando-o, incomodando-o, disputando a bola com ele, etc".

Resumindo: "segundo a lei, estar nas costas, perto e em posição de FJ [fora de jogo] só é punível se houver iniciativa de quem infringe em afetar o defesa".

Pondo isto, está explicada a parte da legal do lance que não belisca a atuação do árbitro inglês Anthony Taylor. Mas porque é que ainda assim os adeptos continuam a não estar satisfeitos? Porque existe uma sensação de injustiça.

"O problema ali foi que Eric García jogou a bola intencionalmente. Não foi um mero ressalto no seu corpo. Ele não tocou na bola acidentalmente. Tentou mesmo desviá-la dali, mas não foi feliz. Na prática, todos sabemos (quem esteve lá dentro sabe bem) que aquela proximidade pressiona e afeta o defesa e é por isso que ele aborda mal o lance... Mas segundo a regra, Mbappé não devia ser punido, tal como não foi", diz Duarte Gomes.

No final do jogo, o próprio Eric García mostrou-se crítico da regra. "A bola é lançada para as minhas costas e tento disputá-la taco a taco com Mbappé que está fora de jogo. O árbitro disse-me que tenho intenção de jogar a bola. Essa é a regra. É uma jogada que está claramente fora de jogo, em que um defesa nunca na vida se pode escusar de disputar a bola", defendeu.

Mais duro nas palavras foi o espanhol Oyarzabal, avançado da Real Sociedad, dizendo que "quem impôs esta regra nunca jogou futebol e não sabe o que se passa".

Por cá, Jan Vertonghen, defesa do SL Benfica, usou a rede social Twitter para comentar o caso. "É a pior regra do futebol! Resolvam isso, por favor...", escreveu o internacional belga que também disputou esta Final Four da Liga das Nações.

O debate promete continuar no mundo do futebol sem grandes soluções à vista. Pelo menos para já.