O candidato do Partidos dos Trabalhadores (PT), Luíz Inácio Lula da Silva, garantiu 48% dos votos nas eleições gerais brasileiras, ficando à frente do atual presidente, Jair Bolsonaro do Partido Liberal (PL), que chegou aos 43%. Foi a diferença mais apertada na primeira volta de uma eleição presidencial desde a redemocratização. Esta foi também a primeira vez que o incumbente presidencial não terminou a primeira a volta como o candidato mais votado.

Apesar do feito de Lula, o sentimento entre os seus apoiantes é de decepção. A perspetiva de não vencer a disputa eleitoral já este domingo era assumida por Lula. O que não se esperava é que a distância para Bolsonaro fosse apenas de 5 pontos percentuais. Na véspera da eleição, as sondagens projetavam que a diferença entre os dois seria de cerca de 14 pontos percentuais. Também não se esperava que candidatos bolsonaristas ao Senado, à Câmara dos Deputados e aos governos dos estados se saíssem tão bem.

Todos estes dados indicam que Lula conseguiu superar Bolsonaro na eleição presidencial, mas a esquerda não foi capaz de travar a força do bolsonarismo.

Em São Paulo, o candidato do PT ao governo do estado, Fernando Haddad, liderou as sondagens durante toda a campanha, mas no domingo acabou por ficar atrás do candidato apoiado por Bolsonaro, Tarcísio de Freitas. Os dois passam agora para a segunda volta e a definição da eleição está completamente em aberto. Candidatos ideologicamente próximos de Bolsonaro venceram à primeira volta em estados importantes como Minas Gerais e Rio de Janeiro. A expectativa era de que candidatos apoiados por Lula da Silva tivessem um melhor desempenho nestes estados. Para o Senado, o atual vice-presidente, Hamilton Mourão, elegeu-se, contrariando também as sondagens. O mesmo aconteceu com o ex-ministro da Ciência de Bolsonaro, Marcos Pontes, que garantiu um lugar no Senado por São Paulo. Todos estes dados indicam que Lula conseguiu superar Bolsonaro na eleição presidencial, mas a esquerda não foi capaz de travar a força do bolsonarismo. O arco conservador de direita que se abriu em 2016 e que levou Bolsonaro à sua eleição em 2018 permanece forte no Brasil. Este é, tudo indica, uma das notas fortes da eleição deste domingo, 2 de outubro. A força do bolsonarismo poderá estar relacionada ainda com a rejeição ao PT, que marcou significativamente as eleições de 2018.

É neste contexto que Lula da Silva terá de estruturar a sua campanha para a segunda volta. Tem a seu favor o facto de ter ganho a primeira volta com uma vantagem de cerca de 6 milhões de votos. Além de que, na história das eleições brasileiras pós-redemocratização, o vencedor da primeira volta acabou por vencer sempre a segunda volta também. Mas Lula terá de enfrentar um adversário galvanizado por um resultado melhor do que as sondagens previam e com aliados próximos com condições de mobilizar os seus bons resultados eleitorais para o apoiar nas próximas quatro semanas.

A estratégia anti-petista de Ciro Gomes acabou por funcionar contra si, já que parece ter havido voto útil de apoiantes de Ciro em Bolsonaro.

Lula da Silva fará tudo para garantir os votos daqueles que apostaram em Simone Tebet (MDB) e Ciro Gomes (PDT), terceiro e quarto colocados respetivamente. Neste sentido, será importante ver se os dois candidatos declararão formalmente o seu apoio ao petista. Para convencer Tebet e Ciro a apoiá-lo, é expectável que Lula da Silva argumente que esta eleição é um embate entre democracia e autoritarismo e que, ao apoiá-lo, ambos estarão a juntar-se à frente ampla em defesa do regime democrático brasileiro. Tebet, na sua declaração após a apuração dos resultados, sugere que apoiará Lula da Silva. No caso de Ciro Gomes, a dúvida persiste. Durante a campanha, Ciro Gomes fez críticas muito fortes a Lula da Silva e ao PT e na eleição de 2018 não declarou formalmente apoio a Fernando Haddad, candidato do PT na altura. A estratégia anti-petista de Ciro Gomes acabou por funcionar contra si, já que parece ter havido voto útil de apoiantes de Ciro em Bolsonaro. Na sondagem de sábado da Datafolha, Ciro aparecia com 5% e Bolsonaro com 36%. No dia da eleição, o primeiro ficou 3% e o segundo com 43%.

Para convencer o eleitorado de Ciro e Tebet, é provável que Lula da Silva aponte ainda mais para o centro, indicando, desde já, parte da composição do seu futuro governo, nomeadamente o ministro da economia ou das finanças, que deverá ser um nome próximo do empresariado. Vários analistas apontam a possibilidade de ser o ex-candidato presidencial e ex-presidente do Banco Central do Brasil, Henrique Meirelles.  O voto religioso, principalmente dos católicos, será também um dos espaços de disputa entre os dois candidatos. Geograficamente, as atenções das duas campanhas estarão concentradas principalmente em São Paulo, maior colégio eleitoral brasileiro. 

Mesmo que Lula da Silva confirme a sua vitória na segunda volta das eleições, o cenário para o seu terceiro governo ser-lhe-á bastante adverso. O PT e os seus aliados não conseguiram atingir a maioria dos assentos tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado. Isto dificultará a aprovação de legislação em ambas as câmaras. Face a um congresso adverso, o espectro da destituição do presidente voltará também a pairar sobre a política brasileira. Durante o governo Bolsonaro, o presidente foi alvo de mais de uma centena de pedidos de destituição iniciados por parlamentares, mas nenhum saiu da gaveta, porque o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, era aliado de Bolsonaro.

Qualquer que seja o cenário pós-segunda volta, o Brasil continuará a ser um país profundamente dividido.

Uma terceira dúvida que marcará uma futura gestão de Lula da Silva será o destino do próprio Bolsonaro. Sem a imunidade que o cargo lhe confere, Bolsonaro ficará exposto a vários processos criminais que estão a decorrer. O fato do bolsonarismo se mostrar tão forte abre a possibilidade de uma amnistia a Bolsonaro, como estratégia do PT e dos seus aliados de não inflamar a base bolsonarista e de não quebrar pontes com futuros adversários no congresso. Lula da Silva terá uma missão hercúlea à sua frente. O seu perfil negociador sugere que a governabilidade é uma possibilidade, mas em condições muito difíceis. 

Caso a segunda volta dê a vitória a Jair Bolsonaro, a preocupação de que o Brasil possa seguir pelo caminho do iliberalismo, um processo semelhante ao que ocorre na Hungria, aumenta. Os estudos indicam que é no segundo mandato que esse caminho se adensa com aparelhamento das polícias, domínio sobre os tribunais e repressão à imprensa. Caso eleito, Bolsonaro terá condições de, por exemplo, alargar a composição do Supremo Tribunal Federal (STF), dando-lhe oportunidade para colocar juízes da sua confiança no tribunal. O STF foi, nos últimos quatro anos, uma das principais forças de oposição a Bolsonaro. 

Qualquer que seja o cenário pós-segunda volta, o Brasil continuará a ser um país profundamente dividido, marcado pela tensão política e com severas dificuldades de governabilidade.

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Daniel Cardoso é professor de Relações Internacionais na Universidade Autónoma de Lisboa, subdiretor do OBSERVARE-Observatório de Relações Exteriores e investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-NOVA).