Durante o protesto, Uroš Pantović, estudante da faculdade de direito da Universidade de Belgrado, e três amigos, juntam-se “para dizer ao governo que é responsável por nós”, refere, em entrevista ao The Guardian. “Estamos aqui para lutar pela nossa vida política e pelo nosso país”, refere Jovan Stikić, estudante de engenharia de 19 anos na Universidade de Belgrado,“pela liberdade que este governo viola todos os dias.” 

A população apoia os estudantes, distribuindo comida e participando nas manifestações. Dezenas de milhares de pessoas saíram à rua em cidades como Belgrado, Niš e Novi Sad, mas também em pequenas cidades e aldeias. Inclusive um grupo de agricultores fez parte do protesto num trator que conduziam até ao centro da cidade e que lhes foi retirado pelas autoridades. Os estudantes sérvios também receberam apoio de professores, personalidades dos meios de comunicação social e advogados. 

Segundo o The Guardian, as intervenções são pacíficas. Durante o bloqueio, alguns estudantes agitam bandeiras com slogans anti-regime e tocam apitos, enquanto outros jogam cartas, basquetebol e xadrez. Nestes momentos, distribuem café gratuito e recolhem todo o lixo deitado ao chão. Os carros na autoestrada debaixo do viaduto buzinam em uníssono com a voz dos estudantes, em protesto.

Outra das regras do grupo é não ter líder, tornando mais difícil para as autoridades interromper os protestos. Todas as decisões devem ser tomadas democraticamente durante sessões plenárias, que decorrem nas faculdades universitárias,  durante uma hora. “Estamos a mudar esta situação no nosso país para que os jovens possam crescer e trabalhar aqui, sem terem de se mudar para a Europa”, disse Jovan Stikić.

De Kosjerić, Uroš Pantović, jovem de 22 anos, explica que veio para Belgrado e juntou-se à manifestação “para ajudar as pessoas porque o governo tem tentado enganar-nos de várias maneiras.” Também Tina Pribićević, dias depois do bloqueio, marchou para trás e para a frente na estrada vazia com um cartaz que dizia: “Homem, fica com raiva”. 

A jovem de 18 anos vai terminar o ensino secundário dentro de poucos meses e quer estudar direito. Confessou ao The Guardian que não quer ser “forçada a sair” da Sérvia quando se formasse, mas queria ficar e “ter orgulho” do seu país, e isso só seria possível com um regime diferente. “Só vamos parar de protestar quando nos derem o que pedimos. Já passaram três meses e nada mudou; eles só têm mentido porque não conseguem aceitar o facto de que o seu sistema se está a desmoronar.” 

Ataques a manifestantes e estudantes atropelados

Embora as ações dos estudantes sejam pacíficas, a reação às manifestações foi violenta. Um dos casos aconteceu na segunda-feira passada, quando um grupo de estudantes da faculdade de ciências médicas da Universidade de Novi Sad estava a colar autocolantes em edifícios pela cidade e foi atacado por homens mascarados. Um estudante foi hospitalizado. 

Durante outros protestos, carros atropelaram estudantes. A informação enviesada dos meios de comunicação também contribuiu para direcionar mais violência contra os manifestantes, com o objetivo de esconder o que se passa. 

Aleksandar Vučić assegurou que “a ordem será restaurada na Sérvia, a paz e a estabilidade serão preservadas”, defendendo que “temos de voltar ao trabalho. O país tem de funcionar.” Em resposta à comunidade internacional, o presidente sugeriu que os meios de comunicação estrangeiros, incluindo o The Guardian, mentem sobre os protestos. 

O que se passa na Sérvia?

O Partido Progressista Sérvio (SNS) está no poder desde 2012, oito dos quais têm sido presididos por Aleksandar Vučić, segundo um regime autocrático. O país está em luta contra o governo autoritário de Aleksandar Vučić e organiza-se pela mão dos estudantes, que se revoltam contra a corrupção e “pela liberdade”, diz Vuk Nektarijević, manifestante. 

“O regime funciona como uma máfia”, disse Srđan Cvijić, cientista político e presidente do comité consultivo internacional do Centro de Política de Segurança de Belgrado (BCSP) em entrevista ao The Guardian. “A corrupção é generalizada” e, por isso, a confiança das pessoas é cada vez menor.

A saída de Miloš Vučević não foi suficiente para os estudantes, que reclamam uma reforma fundamental de um sistema que consideram podre até à raiz. Ocuparam edifícios universitários, acamparam em tendas na rua, bloquearam estradas e realizaram ações pacíficas de guerrilha.

A comunidade internacional acredita que este é o maior movimento estudantil na Europa desde 1968 e uma das maiores ondas de dissidência em Belgrado desde a mobilização que sucedeu a morte do presidente sérvio Zoran Đinđić, em 20003, defensor das reformas democráticas e próximo da realidade política ocidental. O que os une a todos é o sentimento de revolta contra uma “política disfuncional”. “Acreditamos que o sistema está corrompido há muito tempo, desde que o nosso primeiro-ministro foi assassinado”, disse Tina Pribićević.

De acordo com académicos, observadores internacionais e organizações de defesa, a Sérvia tem lutado contra o fraco estado de direito desde então, contra a corrupção endémica, a interferência política, eleições fraudulentas e severas restrições à imprensa independente. “O nosso partido no poder gosta de dizer que isto é um protesto anti-governo e inconstitucional, mas aqui lutamos por este país e por esta constituição”, comenta Vuk Nektarijević, também estudante. 

À situação atual do país, somou-se o colapso de Novi Sad, que causou a morte de 15 pessoas no dia 1 de novembro. Muitos culparam o governo pela queda da cobertura de betão da estação de comboios recentemente renovada, alegando corrupção e incompetência. O número de manifestantes aumentou e passaram a exigir a responsabilização do governo e das instituições estatais. 

“Acidentes como o terrível de Novi Sad poderiam ter sido evitados se apenas as regras mais simples tivessem sido seguidas, mas o governo mostrou a sua incompetência”, disse Boris Pantović, um motociclista, que também veio apoiar os estudantes. Para o manifestante, com 50 anos, os estudantes “querem apenas que as instituições façam o seu trabalho. Estes são os nossos jovens, os nossos estudantes, o nosso futuro.” 

Para tentar controlar a reação dos manifestantes, Aleksandar Vučić demitiu Vučević, que foi presidente da câmara de Novi Sad de 2012 a 2020 durante as primeiras fases do projeto de reconstrução da estação de comboios. Na quarta-feira, o gabinete de Aleksandar Vučić disse que perdoou 13 pessoas, das várias detidas em conexão com os protestos, incluindo seis estudantes e vários académicos.

Prometeu ainda divulgar documentos sobre a reconstrução, exigidos pelos estudantes, e sugeriu uma grande remodelação governamental, mas estes anúncios não surtiram o efeito que pretendia. A probabilidade de se marcarem eleições antecipadas está em cima da mesa e vai ser de decidido nos próximos 10 dias. Vučić esclarece que “as discussões mais importantes terão lugar no interior do seu partido".

Por isso, os manifestantes continuam nas ruas e planeiam uma grande marcha de Belgrado a Novi Sad esta semana, para assinalar o terceiro mês do desastre. Os estudantes reclamam assim uma reforma estrutural e consideram que ter o presidente a responsabilizar-se é “inútil”. A luta é por um sistema funcional, com instituições transparentes a trabalhar em conformidade com o estado de direito.

“Este protesto está finalmente a dar esperança a algumas pessoas de que as coisas vão mudar”, reforça Vuk Nektarijević. “Estamos fartos da corrupção e dos políticos”, acrescentou Jovan Stikić, porque “a corrupção não está apenas no partido no poder, está em todos os partidos que tivemos até agora. Não estamos apenas a lutar contra o regime, estamos a lutar para que o sistema seja mudado”.