Mariana Carneiro não é nova nestas lides e quando viu na rua um grupo de timorenses com ar abandonado soube que havia um problema. Um não, dezenas. Ativista dos Direitos Humanos, já acompanhou muitos outros casos - senegaleses, paquistaneses, indianos, nepaleses ou bengalis -, e acusa governo de não estar a fazer o que lhe compete.
A história é quase sempre a mesma: os imigrantes chegam através de redes de tráfico humano e vêm atrás de promessas não cumpridas. Para trás, nos países de origem, deixam a família como refém dos agiotas. Uma grande fatia são casos de polícia.
"Este esquema existe para todas as nacionalidades, todos os imigrantes passam por ele, é um negócio de exploração de imigrantes que está no terreno há bastante tempo e que está sinalizado, nem se pode alegar que há desconhecimento deste facto", afirma Mariana Carneiro, membro da Associação Solidariedade Imigrante e SOS Racismo.
A socióloga não tem tido mãos a medir e, como conhece o processo de regularização de imigrantes, o primeiro apoio é na documentação, tantas vezes apreendida pelos patrões para servir como moeda de troca. A partir daí, dificilmente a largam e o seu número de telefone vai passando de amigo em amigo como contacto de socorro.
Mariana Carneiro lembra que, no caso dos timorenses - e entre março e meio de outubro deste ano chegaram a Portugal mais de 4700 -, muitos saíram "do país, onde têm duras condições de vida (um salário não chega aos 130 euros, o desemprego é generalizado e não há perspetivas de futuro), porque o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, esteve em Díli e desafiou os timorenses a vir para Portugal, onde há falta de mão-de-obra e as condições são boas.
O discurso do presidente foi rapidamente "aproveitado por agiotas locais, proprietários ou associados de agências de viagens, que colocaram imagens oficiais a circular nas redes sociais e se prontificaram a financiar a vinda dos timorenses".
Para alguns destes imigrante, Portugal é apenas ponto de passagem para o Reino Unido, por exemplo, que ainda agora devolveu mais de 400 timorenses. Os imigrantes são tratados como mercadoria e Mariana Carneiro indigna-se com aquela a que chama a "diretiva da vergonha", a diretiva de retorno, que estabelece normas e procedimentos para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular aos seus países e que tem como objetivo promover o regresso voluntário de imigrantes ilegais, aprovada com 369 votos a favor e 303 votos contra e abstenções.
Mas há mais revolta. Por exemplo, "a diretiva que Portugal aplicou aos ucranianos, que existe há 20 anos, é a chamada diretiva fantasma, podia ter sido aplicada aos sírios". Mas não foi. Porque há imigrantes feios e imigrantes bonitos. "Há uma diferença gigantesca entre a forma como são tratados os imigrantes, dependendo da proveniência. Nós é que os segregamos".
A socióloga, especializada em Direito do Trabalho, considera que a lei portuguesa é das mais avançadas, mas tem lacunas e precisa de ser melhorada. "A migração tem de ser considerada um direito fundamental", considera.
"O Estado é o primeiro a não cumprir a lei", denuncia Mariana Carneiro. E dá um exemplo: o pedido de residência deve ter resposta num período máximo de 90 dias, mas há imigrantes à espera há mais de um ano. Alguns há mais de quatro anos. Estão a viver no limbo. A letra da lei é verbo de encher".
E lembra outra falha, que dificulta seguir o rasto dos agiotas e responsabilizar patrões. "O drama das empresas constituídas na hora, que aparecem e desaparecem num abrir e fechar de olhos. É preciso olhar para os critérios e alterar a lei para não permitir estes abusos e encontrar os seus responsáveis. Não assegurámos isso e estamos a criar um pântano".
Por outro lado, "as explorações agrícolas ou empresas que estão a utilizar a mão-de-obra imigrante desresponsabilizam-se por completo e fecham os olhos às condições dos seus trabalhadores".
Mariana Carneiro diz que "já houve propostas de alterações à lei, mas foram sempre chumbadas no parlamento" e "deixámos os imigrantes num vazio legal sobre quem pode responder pelas falhas". Mas não é só.
Além do mais, "existe uma grande descoordenação entre entidades oficiais, o que é um problema". Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), Alto-Comissariado para as Migrações (ACM), governo e câmaras municipais, todos têm um papel. Mas, "continuamos a transportar imigrantes em carrinhas da polícia a meio da noite".
Foi assim o que aconteceu por estes dias e Mariana Carneiro teme que a "limpeza" que está a ser feita tenha mais a ver com a vinda a Portugal do presidente de Timor-Leste, José Ramos-Horta, ou com a realização da Web Summit do que com encontrar uma solução definitiva para os imigrantes timorenses no país.
"O nosso governo está a falhar redondamente na proteção de imigrantes", afirma a socióloga.
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