Rui Moreira tem o comando de cinco freguesias no Porto. Faltam-lhe duas para a hegemonia na Invicta — ou melhor, falta-lhe uma, Paranhos, que está nas mãos do PSD. A outra, Campanhã, é liderada pelo socialista Ernesto Santos, que Rui Moreira não só apoia abertamente, como não disputa, não pondo nenhum candidato nesta que é a freguesia mais oriental do Porto.
Mas há outras duas freguesias a que vale estar atento: na Foz, após a morte do presidente Nuno Ortigão, Rui Moreira aposta num liberal, Tiago Mayan Gonçalves, membro fundador do partido de João Cotrim de Figueiredo. E no Centro Histórico, após a cisão com António Fonseca, que concorre à câmara pelo Chega, Rui Moreira vai buscar Nuno Cruz, antigo pugilista que nos últimos anos recebeu mais de 98 mil euros da autarquia para “serviços relacionados com a gestão” da zona histórica da cidade, nomeadamente com a mediação das relações entre comerciantes, moradores e executivo.
Estas são as três freguesias a que vale estar atento na noite autárquica do Porto.
1. O pugilista
Nuno Cruz, “o guerreiro do Norte”, inspirou o filme “São Jorge”, de Marco Martins. Nuno Cruz, o prestador de serviços, recebeu, desde 2018, 98.172,80 euros (sem IVA) da câmara municipal do Porto para trabalhar na baixa histórica da cidade. Nuno Cruz, o candidato, é o escolhido de Rui Moreira para concorrer à freguesia do Centro Histórico do Porto.
A história, avançada pela revista ‘Sábado’, conta-se através dos contratos publicados no portal BASE, consultados pelo SAPO24. Os dois primeiros foram assinados com a própria câmara em 2018 e 2019 (estando publicados praticamente na íntegra), e os seguintes foram feitos através da Ágora, uma empresa municipal.
No caderno de encargos do primeiro contrato, assinado a 19 de junho de 2018, são obrigações de Nuno Cruz “criar uma base de dados, com a identificação dos estabelecimentos localizados na Zona da Ribeira em colaboração e parceria com as várias unidades orgânicas (levantamento e identificação dos comerciantes). A base de dados deve possuir, no mínimo, a identificação dos estabelecimentos da Zona da Ribeira, contatos [sic] e respetiva descrição da área de atividade.”
Mas o prestador de serviços deve ainda “elaborar um relatório com a recolha de vários contributos/inputs dos comerciantes da Zona da Ribeira. O relatório deve conter, no mínimo, a identificação de ações.” Nuno Cruz tem ainda de “efetuar a articulação dos resultados recolhidos com o Município do Porto e apresentação das eventuais ações de melhoria” e, ainda, “operacionalizar ações informativas, junto dos comerciantes da Zona da Ribeira, de forma a garantir o cumprimento e adequada implementação da regulamentação municipal.”
Para isto, a câmara entrega a Nuno Cruz 2.454,32 euros por mês, durante oito meses, num total de 19.634,56 euros (valores sem IVA).
Todavia, os 240 dias previstos não foram suficientes e, em março de 2019, era celebrado novo contrato de ajuste direto com Nuno Cruz. No caderno de encargos anexo ao segundo contrato assinado entre a câmara e Nuno Cruz, são enumeradas as “obrigações principais do prestador de serviços”, semelhantes às do primeiro contrato.
A “obrigação principal”, segundo o documento, é “apoiar a relação e eficiência de fiscalização na Zona da Ribeira”, tendo, para isso, o prestador de serviços — Nuno Cruz — de “gerir e atualizar a base de dados da entidade adjudicante [a câmara municipal do Porto], com a identificação dos estabelecimentos localizados na Zona do Porto Histórico, identificando os comerciantes daquela zona da cidade, os respetivos contactos e descrição da área de atividade em que se inserem, em colaboração e parceria com as várias unidades orgânicas da entidade adjudicante”, para além de “realizar um relatório de ações a desenvolver, previamente aprovadas pela entidade adjudicante, que permita o acompanhamento e articulação dos resultados obtidos com os moradores e comerciantes da zona do Porto Histórico” e “realizar ações informativas, junto dos comerciantes da Zona do Porto Histórico, de forma a garantir o cumprimento e adequada implementação da regulamentação municipal”.
Para estas funções, o executivo de Rui Moreira entregava, novamente, 2.454,32 euros por mês, durante oito meses, num total de 19.634,56 euros (valores também sem IVA). O prazo do segundo contrato arrancou com a data da assinatura, a 26 de março de 2019, terminando, então, a 26 de novembro do mesmo ano.
Pouco tempo depois, a 11 de dezembro, uma empresa municipal, a Ágora - Cultura e Desporto do Porto, celebra novo contrato com Nuno Cruz, pelos mesmos 19.634,56 euros e um prazo de execução de 244 dias, ou seja, oito meses, para a “aquisição de serviços de apoio às competências da Administração da Movida.”
Neste contrato, as obrigações de Nuno Cruz mantém-se: “decorrem para o Cocontratante as obrigações relativas à prestação de serviços de apoio às competências da Administração da Movida, nomeadamente em matéria de ligação e apoio entre as diferentes direções da empresa e serviços municipais de forma a reforçar o poder regulador e a eficiência das ações de fiscalização na Zona da Ribeira.”
Que serviços são estes? “Gestão e atualização da base de dados, com a identificação dos estabelecimentos da Zona do Porto Histórico em colaboração e parceria com as várias unidades orgânicas (levantamento e identificação dos comerciantes)”, o “acompanhamento das ações propostas e articulação dos resultados obtidos com os moradores e comerciantes da zona do Porto Histórico” e a “operacionalização de ações informativas, junto dos comerciantes da Zona do Porto Histórico, de forma a garantir o cumprimento e adequada implementação da regulamentação municipal.”
Em agosto do ano seguinte, já em plena pandemia, a Ágora assina novo contrato de ajuste direto com Nuno Cruz, com os mesmos valores e prazo, mantendo a designação de “serviços relacionados com a gestão.”
Oito meses depois, já em março deste ano, a Ágora faz um novo ajuste direto para aquisição de “serviços relacionados com a gestão”, com o mesmo valor e prazo, acrescentando, contudo, à designação, para além da Movida, também o “Porto Histórico”. Este último contrato, assinado a 15 de março, deve terminar apenas em novembro — já muito depois das eleições autárquicas.
Estes dois últimos contratos perdem, no entanto, os anexos, deixando de ser possível consultar, no portal BASE, que funções são efetivamente atribuídas a Nuno Cruz, que expliquem o pagamento continuado dos valores.
Com tudo isto, o candidato de Rui Moreira ao centro histórico está desde 2018 a receber mais de 2.400 euros mensais da autarquia liderada por Rui Moreira para trabalhar precisamente com os moradores e comerciantes da freguesia a que agora se candidata, apoiado pelo mesmo Rui Moreira cujos executivo e empresa municipal celebraram cinco ajustes diretos no valor de mais de 98 mil euros.
1.1. O provedor das partes
Falar com um candidato autárquico durante a campanha é sempre complicado. Raras vezes impossível, é sempre necessário encontrar um consenso de agendas. Tal não foi possível e, apesar de o SAPO24 ter pedido a primeira entrevista a Nuno Cruz a 8 de setembro, não houve disponibilidade do candidato. Sobre o caso, os esclarecimentos chegam pelo conselho de administração da empresa municipal que nos últimos anos tem consecutivamente feito ajustes diretos com o agora candidato autárquico.
A Ágora tem atualmente 256 trabalhadores, que recebem em média, entre salários e suplementos, menos mil euros que aquilo que Nuno Cruz está a receber: 1.384,03 euros, segundo os valores indicados pela empresa ao SAPO24. O conselho de administração explica que “no âmbito das atribuições e para cumprimento dos objetivos da Ágora no projeto ‘Porto Histórico’, considerando a natureza sociocultural da zona abrangida pelo mesmo, entendeu-se ser estratégica a existência de uma ligação não administrativa entre os destinatários do projeto, ou seja, os habitantes e os agentes económicos da Ribeira, e os serviços da autarquia.”
Essa ligação é Nuno Cruz, convidado porque “possui características, experiência e conhecimentos únicos que o habilitam a concretizar o objeto contratual – em síntese a articulação entre a atividade económica do Porto Histórico e a população aí residente, como, aliás, se constatou ao longo da execução dos contratos”, explica a Ágora.
“É um trabalho de muita confiança e proximidade, que se constitui como o de um Provedor das partes e que inclui visitas ao terreno, para um acompanhamento mais informado dos serviços municipais e, com isso, contribui para o reforço e eficiência das ações de fiscalização necessárias à garantia do cumprimento da legislação em vigor”, acrescenta.
A empresa, contudo, não explica se os cadernos de encargos para que Nuno Cruz foi contratado foram integralmente cumpridos, adiantando apenas que “no primeiro semestre de 2021, foram apresentadas 27 propostas/recomendações ao Município, decorrentes dos serviços desenvolvidos ao abrigo deste contrato.”
Questionada sobre se é razoável o período de 24 meses (acrescidos aos 16 sob contrato da autarquia, num total de 40 meses) para a execução do projeto, a Ágora diz que “a duração dos contratos em causa tem-se revelado a adequada à natureza do objeto contratual e aos propósitos que estiveram na génese da celebração do contrato.”
O conselho de administração da Ágora recorda ao SAPO24 que “não existe qualquer incompatibilidade legal entre a execução do contrato em causa e a candidatura apresentada”, e, por isso, “o contrato de prestação de serviços mantém-se em vigor e em execução.”
Nuno Cruz já terá informado a empresa que, “sendo eleito, não manterá disponibilidade para continuar a executar o contrato de prestação de serviços aqui em causa.” Depois, a “Ágora oportunamente avaliará e decidirá em conformidade com a estratégia que venha a ser definida e as necessidades verificadas no terreno.”
António Fonseca, presidente da Associação de Bares da Zona Histórica do Porto e, nos últimos oito anos, presidente da junta de freguesia do Centro Histórico, conhece Nuno Cruz por ser pugilista. "A primeira vez que ele falou comigo, foi quando queria fazer um combate de boxe na Ribeira, queria montar um ringue, e eu é que tratei da logística, na altura era Rui Rio o presidente da câmara. Até fui lá entregar as taças aos vencedores e tudo. Conheci-o aí", conta o autarca (que agora é candidato pelo Chega à câmara) ao SAPO24.
Sobre o trabalho que Nuno Cruz tem estado a desenvolver na freguesia de que António Fonseca ainda é presidente, diz não fazer "a mínima ideia". Sabe que esteve na sua lista, como suplente, para a assembleia de freguesia. E sabe que "era amigo ou funcionário e sempre teve uma relação próxima com Rui Moreira e por isso é que estava na lista", conta. Mais, não diz, nem se pronuncia sobre se é a escolha ideal para a freguesia.
1.2. Chega de junta
Estes dois nomes cruzam-se para lá de um combate de boxe na Ribeira. A escolha de Nuno Cruz sucede outra polémica: a saída de António Fonseca, o atual presidente da junta, do movimento de Rui Moreira. Político com carreira nas freguesias que compõem a agora União de Freguesias de Cedofeita, Santo Ildefonso, Sé, Miragaia, São Nicolau e Vitória (abreviadas para Centro Histórico), António Fonseca foi eleito presidente da junta pela primeira vez em 2013, após convite de Rui Moreira.
Em 2015, Moreira retirou-lhe confiança política. Porém, em 2017, António Fonseca foi novamente a escolha do movimento independente para a freguesia. Agora, foi Fonseca a bater com a porta e a trocar a junta e Rui Moreira pela câmara e o Chega.
O ponto de encontro é a antiga junta de freguesia de Santo Ildefonso, onde hoje fica o gabinete do presidente da união, em Gonçalo Cristóvão. A sede, explica António Fonseca enquanto descemos, é na verdade o edifício da antiga junta de Cedofeita, mas foi lá instalada a PSP.
O autarca separa as águas, até porque elas têm cores diferentes: dentro da junta, é o presidente, eleito pelo movimento independente de Rui Moreira. Cá fora, é apoiado pelo Chega para concorrer à câmara municipal.
De todas as entrevistas feitas para este artigo, esta é a única em que o partido rodeia o candidato. António encontra-se com três pessoas, incluindo Glória Gonçalves (número dois da candidatura à câmara) e Patrícia Tellechea (número nove), que minutos antes andavam pela rua a deixar os panfletos do partido nas caixas do correio.
1.3. O pedido de desculpas
Estamos na rua do Bonjardim, numa esplanada mesmo à beira da junta. O sol despe os turistas, que já preenchem as mesas.
"[Rui Moreira] retirou-me a confiança política talvez por um dos motivos que me levaram agora a não me manter no movimento: ele tanto reconheceu que cometeu um erro que o facto de me convidar para ser candidato em 2017 foi uma forma de pedir desculpa."
António, porém, diz que "já não estava interessado em ser candidato." Todavia, "como fui o primeiro presidente eleito da maior agregação de juntas no Porto, ficava para memória futura, mesmo que eu não me candidatasse, que provavelmente não venceria no segundo mandato. Eu tinha outras alternativas, outras soluções e por isso é que aceitei", diz o candidato, que defende ser mais difícil conquistar um segundo mandato que um terceiro. Apesar de tudo, em 2017, aceitou esse convite: "Foi uma forma de eu mostrar à população que ele cometeu um erro e que me está a pedir desculpa."
"Sabia que quando o Rui Moreira me retirou a confiança política passei a ter mais convites das grandes instituições da cidade?", revela António Fonseca. "Passei a ter as pessoas mais próximas de mim a dizer 'presidente, não saia'. Isso foi muito bom."
Dois mandatos ao lado de Rui Moreira depois, António Fonseca diz que o presidente que apoiou nas duas últimas eleições "não tem perfil para o lugar que ocupa." Então, prefere ser ele a ir para o gabinete no topo da avenida dos Aliados — apoiado pelo Chega. "Não tenho nenhum problema pessoal com ele, até somos amigos, mas em termos de visão política, de eficácia e de ação, das duas uma: ou ele está mal coadjuvado, ou então não tem vocação para o lugar", acrescenta.
"Eu até era amigo [de Rui Moreira] no Facebook, desamiguei-o e disse 'goodbye'."António Fonseca
"Não sou profissional da política, mas tenho vocação para isto, como alguém já disse", afirma António Fonseca. Sobre se Rui Moreira o convidou para um terceiro mandato à frente da junta do Centro Histórico, diz: "Não lhe dei hipótese."
"Houve uma manifestação da restauração ali nos Aliados e Rui Moreira foi falar no megafone. Para mim, foi ali. Eu até era amigo dele no Facebook, desamiguei-o e disse 'goodbye' [adeus]. Se ele queria ir ali fazer uma intervenção, não era para incendiar, devia dizer assim: 'meus amigos, aos empresários do meu concelho, nós vamos apoiar de imediato. Aos que estão aqui, que são muitos, de outros concelhos, cada concelho que o resolva.' Mas não, foi ali incendiar e dizer que o governo é que tinha de resolver. A câmara tem de tratar dos seus — depois, se tiver de ir cobrar ao governo, vai cobrar."
1.4. A Amesterdão de Portugal
António não é filiado em nenhum partido — "nunca fui e nunca serei" —, e concorre agora após um convite pessoal de André Ventura, que foi ao Porto ter com ele para falarem pessoalmente.
"Os convites batiam à porta", diz o candidato, mas o Chega precipitou-se: "constava-se que eu estava descontente e que provavelmente ia avançar para a câmara. O Chega apareceu, conversou comigo, numa reunião com o próprio André Ventura — eu pedi dois meses e tal, disse que só podia decidir na primeira quinzena de junho, mas eles disseram que tinha de ser até ao dia 11, porque no dia 12 iam apresentar. E eles durante aqueles dois meses calaram-se, eu fiz o meu trabalho, deram-me tempo de refletir e eu no dia 11 dei a resposta."
Quis refletir não por ser o Chega, mas por não ter a certeza de que queria continuar nesta vida. Quando se encontrou com André Ventura, disse-lhe: "Se aceitar, o programa para a câmara do Porto é para cumprir as necessidades da população do concelho, porque cada concelho tem realidades diferentes. E ele só me disse: 'você faz o seu programa, à sua responsabilidade, e escolhe a sua equipa.' Depois de ele ter dito isto, acho que para mim merece todo o respeito."
"O Chega é um partido como outro qualquer", diz António Fonseca, quando questionado se não teme que a marca Chega, que não colhe assim tantos apoios no Porto, não seja um fardo mais negativo que outra coisa. "Foi aceite pelo Constitucional, é um partido democrático. Quando se constou que fui convidado, até muitos colegas seus [jornalistas] vieram 'ei, o Chega' e eu 'está bem, estou a refletir'. Obviamente, só lamento que a minha campanha tenha começado só há quinze dias [esta entrevista foi feita no dia 10 de setembro], e andam aí a fazer campanha desde março, com 'outdoors' e tudo. Este tempo é um bocado curto para passar uma mensagem diferente, mas estou convicto, e pela experiência que temos tido no terreno, somos bem recebidos. Os debates também ajudam a passar a mensagem", afirma.
"O Porto deve ser das cidades da Europa mais liberta de preconceitos."António Fonseca
Questionado sobre se se identifica com o programa do partido, recorda que uma coisa é o programa nacional, outra é aquilo que quer fazer na cidade do Porto. "não vou discutir aqui um programa que tem a ver com política nacional, tenho de discutir aqui o que é que eu posso resolver em casa." E isto acontece quando as ideias locais vão contra as do partido, explica António Fonseca.
"Não tenho um problema nem de género, nem de cor. A minha natureza não mudou", garante. "Se reparar, como presidente de uma associação de bares, tenho bares de vários conceitos. É preciso ver que a cidade do Porto é uma cidade liberta de preconceitos: isto faz lembrar a Amesterdão dos anos 1970, só que para melhor. Aliás, deve ser das cidades da Europa mais liberta de preconceitos. Aqui no Porto, convivem-se todos na rua, socializam, e depois cada um vai para o canto de que gosta, cada um vai para o conceito de que gosta — é a vida privada de cada um."
"Eu hoje se calhar vou beber um copo a um bar gay, tenho lá amigos. Não coloco em causa. Não posso é conceber que haja parasitas. A minha natureza não mudou — estou numa idade em que já não mudo."
2. O presidencial
Tiago Mayan Gonçalves foi, em janeiro, candidato à presidência da República. Agora, o advogado é a escolha de Rui Moreira para a união de freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde, após a morte de Nuno Ortigão, no final de abril, que venceu a freguesia mais atlântica do Porto com uma maioria absoluta em 2017.
No partido que se bate pela iniciativa privada, poderá parecer que Tiago foi despromovido de CEO para senhor da limpeza: um está no topo do organograma, o outro, talvez no fundo, embora mais próximo e visível para os trabalhadores. Tiago diz que não é nada disso.
A chuva ameaça cair das nuvens pálidas. Na igreja do Cristo Rei, na Foz, a zona ocidental da cidade — e economicamente mais influente —, um velório espalha os trajes negros pelo adro. O carro fúnebre aguarda, solene. A umas dezenas de metros, aqui na esplanada da Casa Bacelar, servem-se os pequenos-almoços.
2.1. Presidente = presidente
"Para mim, é muito natural passar de janeiro, da candidatura à presidência da República, para esta candidatura à junta de freguesia. Porque não tenho essa perceção dos cargos políticos e do poder. Eu percebo que para os grandes partidos do oligopólio e mesmo alguns novos, que também têm essa conceção e essa visão do que significa poder e cargo político", explica Tiago.
"Percebo que isso possa ser visto desta forma, porque concebem os cargos políticos como estruturas de acesso ao poder e, nesse sentido, naturalmente analisam as coisas de forma hierárquica — eu não analiso dessa forma. Aquilo que estou a fazer é fazer o que também fiz em janeiro: concorrer para ser titular de um órgão político, e representante das pessoas que me elegerem, de forma direta."
É que "o presidente da República, presidentes de câmara, presidentes de junta e os deputados — mas estes últimos numa linha menor — são, objetivamente, titulares políticos escolhidos diretamente pelo soberano, que é o cidadão. Nesse aspeto, tem uma dignidade muito própria, muito diferente, por exemplo, de um membro do governo ou um primeiro-ministro, que são nomeados, não são escolhidos diretamente pelos cidadãos. E mesmo os deputados, com o sistema eleitoral que temos, a suposta escolha direta que está a acontecer pelo cidadão é muito coartada e é muito deficitária."
Assim, ser presidente da junta "é uma posição tão digna como ser presidente da República, porque tem exatamente o mesmo vínculo direto ao cidadão e ao soberano. Naturalmente as responsabilidades são muito diferentes — e aí sim, é uma diferença enorme."
Em janeiro, Tiago era um estreante. Houve quem dissesse que era a surpresa dos debates, mas os eleitores deixaram-no no fundo da lista, com 3,22% dos votos, à frente apenas de Vitorino Silva. Mas se olharmos para o Porto em específico, Tiago conseguiu ficar em quarto lugar, com 8,12% dos votos, imediatamente atrás de André Ventura (que teve 8,65%) — e, na freguesia de onde é natural e a cuja presidência se candidata agora, Mayan Gonçalves conseguiu mesmo ficar em segundo lugar, com 15,97% dos votos, ultrapassado por Marcelo Rebelo de Sousa que não chegou à maioria absoluta, estagnando nos 48,37%.
"Aqui há uma possibilidade real de eu ter de cumprir o que digo."Tiago Mayan Gonçalves
Não estando Marcelo Rebelo de Sousa nos boletins para a união de freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde e tendo o lugar de presidente ficado vago, o futuro de Tiago vai provavelmente passar mesmo pela junta: "Em janeiro, as possibilidades de, realmente, depois ir exercer as funções eram muito diminutas", admite o ex-candidato presidencial. "Aqui há uma possibilidade real de eu ter de cumprir o que digo."
Apesar de saber que o palácio de Belém dificilmente seria o próximo gabinete, Mayan Gonçalves diz que a sua presença no boletim de voto era essencial. Mais, "foi um resultado muito bom para um completo desconhecido, o único daquelas eleições." A manobra funcionou, diz, sendo visível o crescimento do número de membros do partido.
"Eu não quero só dizer, acho que tentei transmitir isso quando me apresentei aos portugueses, quero dizer e quero fazer e o que eu penso é o que eu digo e o que eu faço — mas agora falta a parte do faço e esta será também uma oportunidade também de começar a fazer o que penso e o que digo."
Também as campanhas "são muito diferentes, não só pela natureza das funções — esta é uma campanha muito mais local, de muito mais proximidade, com contacto direto —, mas também pelo contexto: a campanha das presidenciais foi muito vivida ainda dentro do contexto da pandemia e das restrições que lhe estavam associadas. Esta começa a ser mais liberta."
"Na minha abordagem, no que eu faço, no que eu digo, não há muitas diferenças. O que eu tenho como proposta política é muito transversal", acrescenta.
2.2. O embrião liberal
O lastro liberal da cidade do Porto é muito anterior ao neologismo "liberal". Hoje, ser liberal não é tanto o mesmo que era quando D. Pedro IV acabou a doar o coração à Invicta — onde permanece, na Igreja da Lapa. Mas ainda hoje, o Porto tem liberais dentro, estando algures na antecâmara do que é hoje o partido Iniciativa Liberal.
"Eu e outros elementos do Iniciativa Liberal do Porto, já, antes de sermos Iniciativa Liberal, antes sequer de termos fundado o partido, já estávamos envolvidos no movimento."
Significa isto que a candidatura de Rui Moreira, em 2013, é a génese do Iniciativa Liberal? "Não diria tanto", responde Tiago Mayan. "Para mim, foi. Foi o movimento de Rui Moreira que me espoletou de novo o interesse em ter participação política ativa, porque não o ia fazer dentro dos partidos; com o movimento percebi que se podia fazer coisas fora dos partidos e, portanto, pessoalmente, se calhar motivou-me a, depois em 2017 vir a fundar o partido — e alguns outros elementos são e eram elementos do movimento desde a primeira hora."
"E se eu sou membro de ambos, é porque vejo claras sintonias: de pensamento, de ação."
Esse é o primeiro fator para a aliança agora formada. "Depois", acrescenta, "foi muito discutido internamente, em todos os órgãos locais — porque isto é discutido localmente, no nosso partido não há diretórios nacionais a decidir o que é feito aqui —, e é claro que foram ponderados prós e contras."
Afinal, em todo o país o partido segue com propostas próprias. Basta olhar para Lisboa, onde a campanha do Iniciativa Liberal dispara em todas as direções, incluindo para cima de Carlos Moedas, apoiado pelo PSD e pelo CDS-PP. "Aqui no Porto é um caso único em que estamos a apoiar um movimento de independentes — mas para nós fazia todo o sentido, porque aquilo que queremos é realmente a melhor proposta, uma que viesse a pôr em marcha ideias e valores liberais e não temos dúvidas de que Rui Moreira e as suas equipas são, sem dúvida nenhuma, no contexto autárquico português, quem mais representa e aplica princípios e valores liberais na sua gestão."
Mas a relação entre o Iniciativa Liberal e o movimento de Rui Moreira é muito mais umbilical. Ou, pelo menos, é certo que a chegada de Moreira à autarquia motivou o nascimento do partido.
Rui Moreira, discorda. Numa entrevista ao SAPO24, lembrou que "Carlos Guimarães Pinto, que foi, de facto, o pensador da Iniciativa Liberal, não foi [seu] apoiante nem fez parte da [sua] primeira candidatura. E o Ricardo Valente, [seu] vereador, que também é da Iniciativa Liberal, era da lista do Dr. Luís Filipe Menezes [PSD]."
"Concorríamos um contra o outro nas eleições de 2013. Só que ele era vereador na câmara e, exactamente quando morre Paulo Cunha e Silva e, pouco depois, Manuel Sampaio Pimentel [número dois de Rui Moreira], veja o azar, achei que o Ricardo Valente era uma pessoa exemplar, da academia, e convidei-o", conta.
Agora, tem o apoio dos liberais (e dos populares). Mas Moreira afasta compromissos: "Não, não existe nenhum compromisso."
Mesmo estando Rui Moreira com a sombra da perda de mandato em cima (por causa do caso Selminho), o apoio mantém-se, afinal "isto não é nada de novo, o processo já é conhecido há anos." O jurista Tiago Mayan Gonçalves avalia a questão: "eu conheço o caso, eu conheço a pessoa, portanto, sinto-me perfeitamente tranquilo. O caso, objetivamente, o facto de que ele é acusado é ter assinado um papel, esse papel era uma procuração para os advogados que representavam a câmara municipal no processo Selminho — mas esses advogados eram exatamente os mesmos escolhidos pelo Rui Rio, não vejo aqui nenhuma imputação de malevolência que possa ser feita a um presidente que, no fundo, só aceita que os advogados nomeados pelo anterior se mantenham no processo que está em curso na câmara."
"O caso Selminho só é um tema para quem não é do Porto — nomeadamente para o tal círculo de Lisboa."Tiago Mayan Gonçalves
O Ministério Público, porém, não tem dúvidas do contrário: houve "atuação criminosa" de Rui Moreira: “Uma vez mais, atenta a factualidade descrita na acusação, não há dúvida de que ali vem narrado de que forma agiu o arguido Rui Moreira em benefício próprio e da sua família, e em prejuízo dos interesses da CMP, que lhe cabia defender, não se podendo defender que os factos que lhe são imputados sejam […] penalmente irrelevantes”, lê-se no documento de seis páginas, junto aos autos, consultados pela agência Lusa no Tribunal de Instrução Criminal (TIC) do Porto.
O julgamento começa em novembro. Caso seja condenado, Rui Moreira pode perder o mandato, sendo substituído, provavelmente, pelo seu número dois, Filipe Araújo.
Durante a campanha eleitoral na cidade, o caso Selminho tem sido deixado de fora das críticas apontadas a Rui Moreira pela generalidade dos partidos. "Isto só é um tema para quem não é do Porto — nomeadamente para o tal círculo de Lisboa. Porque aqui, como se vê, não é tema para ninguém", acrescenta Tiago Mayan Gonçalves.
2.3. A freguesia bem
Tiago Mayan Gonçalves é da Foz. Nascido, criado e formado na freguesia Atlântica da cidade. Não é difícil encontrar quem o acuse de ser "fozeiro", epíteto que há de estar para as gentes da Foz qualquer coisa como o "tias" está para as de Cascais. Não é fozeiro quem quer, mas quem pode.
Com efeito, esta é a zona mais chique, mais rica e mais distinta da cidade, cuja história começa com os banhos dos abastados do centro do Porto, nos confins do século passado. Do veraneio ao imobiliário, o caminho não é longo.
Sendo o Iniciativa Liberal tantas vezes colado às elites, poderá ser sintomático que o único candidato do partido a uma freguesia no Porto o seja, precisamente, aqui, na união de freguesias de Aldoar, Foz do Douro e Nevogilde (Aldoar e Nevogilde são lugares onde a "exclusividade" está menos marcada)? "Não. Não vejo porquê", diz Tiago. "O candidato sou eu — o que não teria sentido era que eu fosse candidato noutro sítio qualquer, porque esta é efetivamente a minha terra."
Trata-se de coerência e não de "elitismo ou posicionamentos teóricos", acrescenta. "Não temos pára-quedistas no partido."
Agora, resta saber que tarjes de papel vão vestir Tiago e Rui, para o cortejo do São Bartolomeu, em 2022. "Ainda não decidimos o tema. Este ano foi o amor, fez-se um pequeno cortejo, mas ainda não decidimos. Será uma das primeiras coisas que, caso ganhe, terá de ser decidida, porque isto se começa a pensar e a conceber logo em outubro, novembro. Mas vamos ver — conto com ele e conto lá estar. O que seremos não sei."
Se tudo isto é um ensaio para, daqui a quatro anos, quando Rui Moreira já não se puder candidatar, Tiago Mayan Gonçalves tentar a câmara? "Isso não sabemos. O que eu estou a fazer agora é isto e é um compromisso que estou a assumir, definitivamente. Daqui a quatro anos, estaremos sem dúvida a pensar nisso — mas não estamos a pensar nisso agora. Mas o que eu posso dizer é que há muitos elementos válidos dentro da Iniciativa Liberal do Porto, nomeadamente um dos vereadores do Rui Moreira, Ricardo Valente, e temos muitos mais elementos de bastante valia — portanto, estou confiante de que independentemente das decisões que depois sejam tomadas, temos toda a massa crítica e capacidade para apresentar uma proposta daqui a quatro anos."
3. O socialista
Ernesto Santos é militante do PS. Ernesto Santos é apoiante do PS. Ernesto Santos vai votar em Tiago Barbosa Ribeiro, o candidato do PS à câmara municipal do Porto. Mas Ernesto Santo é, também, a escolha de Rui Moreira para a freguesia de Campanhã.
Rui Moreira assumiu-o desde sempre e, num dos folhetos que o seu movimento distribuiu pela cidade, Ernesto Santos surge (com um fundo distinto), entre os nomes avançados para as restantes freguesias (como Tiago Mayan Gonçalves ou Nuno Cruz, de que já falámos). Para o PS, porém, Rui Moreira "utiliza abusivamente a imagem do candidato socialista (...) com a simulação do boletim de voto numa candidatura que não aquela que encabeça." E, por isso, "a candidatura do PS apresentou queixa na Comissão Nacional de Eleições, visando a proibição da distribuição do jornal de campanha."
"Este comportamento de uma candidatura adversária configura uma manipulação grosseira e intolerável numa disputa democrática", acrescenta ainda a campanha de Tiago Barbosa Ribeiro. Numa entrevista ao SAPO24, o candidato socialista à câmara do Porto tinha já dito que "se Rui Moreira desistiu de Campanhã, devia fazer o mesmo nas restantes freguesias, porque o projeto do PS é apenas um."
3.1. O apoio
Ernesto Santos vem do hospital. A mulher fez uma pequena cirurgia e ele foi a uma consulta. Depois de tantos anos na política, se fizer o terceiro mandato na junta, sai para a reforma. Hoje, chega ao edifício rosa numa tarde em que a praça da Corujeira, a mais emblemática da freguesia, está num enorme rebuliço, com os trabalhadores a apanhar as folhas dos enormes plátanos. É o preâmbulo do outono.
Para ele, a animosidade entre as campanhas de Rui Moreira (apoiado, entre outros, por CDS-PP e Iniciativa Liberal) e de Tiago Barbosa Ribeiro (deputado socialista e líder da concelhia do Porto do PS) é isso mesmo: campanha.
"Seria louco, seria doido se recusasse um apoio de um adversário como [Rui Moreira]."Ernesto Santos
"Deixe-me dizer-lhe que o meu relacionamento com o doutor Rui Moreira — com a câmara, muito especialmente com o presidente — foi sempre excelente, nestes oito anos. Nos primeiros quatro, ainda à mercê das portas que me abriu, sem dúvida, o doutor Manuel Pizarro, e, portanto, esta câmara tem-me tratado bem", começa por explicar Ernesto Santos.
Tanto assim é que, "há meia dúzia de meses atrás, o doutor Rui Moreira me perguntou se eu me iria candidatar." Ernesto não sabia. E disse-lho. Mas era claro para ambos que, candidatando-se, nunca seria com outro símbolo que não o do PS. "Ainda não tinha decidido se me candidataria ou não. Ele disse-me: 'se te candidatares, eu não ponho candidato em Campanhã e apoio-te.'"
Ernesto falou com as estruturas do PS e ao executivo. "E toda a gente achava bem. Claro que em campanha depois... Provoca às vezes algumas fricções. Seria louco, seria doido se recusasse um apoio de um adversário como [Rui Moreira]. Ia dar-me muito trabalho, não sei se ganharia ou não as eleições, mas com [um candidato do movimento de Rui Moreira] a coisa seria mesmo renhida", imagina.
"Isto sem qualquer tipo de compromisso — e eu sempre disse ao doutor Rui Moreira que era candidato a Campanhã pelo PS e que na câmara apoiaria em primeira instância — sempre — o doutor Tiago Barbosa Ribeiro. Ele aceitou e eu aceitei o apoio, naturalmente."
Agora, reconhece, "as coisas não estão a ser muito bem recebidas." Todavia, não vai abdicar do apoio de Rui Moreira, mas continua a apelar ao voto no seu candidato: Tiago Barbosa Ribeiro. "Sou candidato do Partido Socialista, não sou candidato do movimento Aqui Há Porto", sublinha.
Num jantar, Rui Moreira e um membro da sua associação encontraram-se com Ernesto e um membro da sua equipa. Nesse encontro, o candidato socialista reafirmou a sua filiação partidária. Moreira não ia ao engano: "Nem eu esperava que tu fizesses outra coisa", terá dito o presidente da câmara, citado agora por Ernesto Santos.
"Comemos e pouco mais falámos", conta Ernesto, acrescentando que não houve qualquer convite para ser cabeça de uma lista formal do Aqui Há Porto: "Suponho que o doutor Rui Moreira sabia que eu não faria isso; o doutor Rui Moreira conhece-me e sabia que eu não faria isso — além de manifestar o seu apoio, nunca mais me pôs qualquer outra questão."
Para Ernesto, o apoio do ainda presidente da câmara veio facilitar a campanha: "já não tenho de lutar contra mais um, lutarei apenas contra os outros. Se fosse mais um, além da divisão de votos que isso podia perder a maioria absoluta. Com maioria ainda se governa, sem ela é quase impossível — sem maioria é difícil governar, porque tem de se fazer acordos de todos os lados, mas [no anterior mandato] conseguiu-se."
De Rui Moreira, recebeu ainda a confirmação de que o líder do movimento independente quer acabar alguns dos projetos pendentes na freguesia — como o terminal intermodal ou a reconversão do matadouro — com Ernesto ao lado. "Temos sido parceiros e queria muito acabar alguns projetos contigo", terá dito Rui Moreira no jantar em que ofereceu o apoio a Ernesto.
3.2. O jornal de campanha
Quando, num folheto, Rui Moreira tornou público esse apoio, O PS não gostou. Ernesto não sabia que ia aparecer nos materiais de campanha do movimento independente, mas nem por isso vê a questão "exatamente da mesma forma" que a campanha de Tiago Barbosa Ribeiro.
"Tiago Barbosa Ribeiro tem direito à sua interpretação, eu tenho direito à minha — no entanto, como militante do PS, tenho de me subordinar a ele."Ernesto Santos
"Da forma como eu e o doutor Rui Moreira tratámos das coisas, acho que isso [a queixa do PS à CNE] é um bocado... Mas é claro: são campanhas, são partidos diferentes, o Tiago tem direito à sua interpretação, eu tenho direito à minha — no entanto, como militante do PS, tenho de me subordinar a ele."
Ernesto soube que a queixa ia ser apresentada já quase quando estava a ser feita. Numa reunião entre socialistas, "as coisas evoluíram num sentido contra aquele que eu lhe queria dar", explica Ernesto. "Queria passar uma esponja por isso, gostaria imenso que, depois deste imbróglio, depois das eleições, consigamos de novo entender-nos. Se for possível, quem lucra, neste caso concreto, é Campanhã e o Porto."
Na freguesia do Centro Histórico, a relação entre Moreira e António Fonseca correu mal quase desde o início. Qual é, então, o segredo de Ernesto Santos para a relação com o presidente da câmara? "O segredo podem ser os homens. Nós só por sermos adversários não temos de ser inimigos — e se há projetos que uma parte propõe, a outra aceita e lutam lado a lado por eles... Eu queria que isto ficasse bem assente: eu sou de facto candidato do Partido Socialista, mas sou um apaixonado pela minha freguesia. Foi onde nasci, onde vivi, onde criei as minhas filhas, onde casei, onde fiz tudo — e sempre pus a freguesia acima de qualquer interesse, seja ele partidário ou pessoal."
"Se calhar", diz, "o segredo pode eventualmente estar aqui."
A relação entre os dois homens começou nos executivos e vem-se mantendo próxima. Quando Ernesto Santos passou por problemas de saúde, Rui Moreira era uma das poucas pessoas que o visitavam em casa: "A amizade às vezes leva a que as pessoas se entendam muito melhor do que se estiverem sempre de costas voltadas."
"Campanhã é uma freguesia que ao longo dos anos — poucos anos — tem vindo a evoluir significativamente, não é nada do que era há dez anos. Teve um incremento muito grande com esta câmara e, o primeiro mandato, com o doutor Manuel Pizarro [PS], foi muito vocacionado e direcionado para Campanhã", diz ainda o autarca socialista. "Mas já se estava em Campanhã."
Para além do primeiro mandato com os socialistas em destaque no executivo de Rui Moreira, a caminho do terceiro, o independente, cujo movimento está algures na génese do Iniciativa Liberal, apoia um socialista para Campanhã. Estarão as visões de Tiago Barbosa Ribeiro e de Rui Moreira para a cidade do Porto assim tão distantes? "Em certos pontos serão até convergentes", considera Ernesto Santos. "Aliás, se andarmos oito anos para trás vamos recordar que Manuel Pizarro também tinha as suas ideias para a cidade, que não são muito divergentes das do Tiago, e Rui Moreira tinha as suas e conseguiram até uma coligação."
"Mas cada um tem a sua conceção de ver a cidade", acrescenta, "e o Tiago é um jovem, um jovem com muito futuro e vê o Porto, se calhar, com uns olhos que eu próprio, com a idade que tenho, já não vejo."
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