No movimento de protesto que surgiu à esquerda, assim que o presidente Donald Trump tomou posse, as livrarias entraram na guerra e assumiram papéis que vão desde simples locais de encontro a verdadeiras salas de luta política.
Enquanto as grandes cadeias, como a Barnes & Noble, que têm clientes de todo o espetro, se afastaram do campo político, as livrarias independentes, com um núcleo mais reduzido de clientes, foram-se envolvendo cada vez mais na luta política.
"Muitas pessoas afirmam que 'virámos as nossas lojas para a revolução'", disse Hannah Oliver Depp, gerente de operações da rede Word, que tem livrarias em Nova Jersey e Nova Iorque, em declarações ao The New York Times.
Uma das iniciativas em que participou, e que juntou centenas de pessoas – “Write a letter to your senator or congressman” –, convidava os clientes a escrever postais aos governantes, tendo ela própria escrito ao senador Cory Booker de Nova Jersey, agradecendo-lhe pela sua resistência contra a administração Trump.
Em St. Louis, no Missouri, os donos de livrarias planearam eventos com escritores para reverter os lucros a favor dos refugiados, e muitas lojas estão a divulgar junto dos clientes informações, como as escolhas de Trump para os gabinetes, a ameaça de cortar o financiamento para as “cidades santuário” ou a proibição de entrada de refugiados e de muçulmanos.
Por todo o país, livrarias independentes encheram as suas janelas e montras com livros emblemáticos como "1984", de George Orwell, "It Can’t Happen Here” ("Não pode acontecer aqui"), de Sinclair Lewis, e outras obras sobre política, fascismo, totalitarismo e justiça social.
As palavras de ordem
Outras optaram por colocar em expositores de destaque ou nas montras apenas livros sobre refugiados e imigrantes, ou sobre os países maioritariamente muçulmanos, cujos cidadãos o presidente norte-americano proibiu de entrar no país.
O humor também tem lugar neste jogo, em que os livreiros publicitam livros de ficção, chamando-lhes “factos alternativos”, ou sugerem leituras: para quem gostou de “Crippled America”, de Donald Trump, é sugerido o livro sobre os últimos dias de Hitler.
Há quem seja mais direto e coloque um livro com o presidente russo, Vladimir Putin, na capa, ao lado de outro com a cara de Donald Trump, cujo título é “Assholes”.
Os livreiros começaram a chamar aos expositores dedicados a estes títulos '#Resist table'.
Algumas lojas tornaram-se mesmo centros de protesto, como a Women & Children First, em Chicago, que no mês passado recebeu um fórum sobre "Arte e Resistência", um grupo de artesanato para tricotar gorros de lã cor-de-rosa (que se tornou um símbolo contra Trump, com as manifestações de 23 de janeiro) e um encontro com os clientes para café e donuts, antes de se juntarem à Marcha das Mulheres, no centro da cidade.
A organização política é uma extensão natural do que as livrarias fizeram durante séculos: fomentar a discussão, proporcionar acesso à história e à literatura, acolher escritores e intelectuais, defende Elaine Katzenberger, editora e diretora executiva da City Lights, em San Francisco, uma loja com uma longa história de ativismo de esquerda, que foi centro da 'beat generation' nos anos de 1950.
Esta livraria encheu os vidros das janelas com palavras de ordem como “A fraqueza deles é a nossa força”, “A coragem é o triunfo sobre o medo”, “Não há progresso sem luta” ou “Todos os ‘bullies’ são cobardes”, e fez da fachada do edifício a foto da sua página na internet.
Lacy Simons, proprietária da Hello Hello Books, na cidade costeira de Rockland, disse ter acordado para a ação no dia a seguir à eleição, quando os clientes começaram a invadir a loja, não para comprar livros, mas para procurar algum consolo.
Os seus planos para repelir as políticas de Trump, porém, só agora estão a começar: a responsável pretende distribuir folhetos políticos e outros materiais aos clientes, recuperando hábitos das livrarias, durante a Guerra do Vietname, que distribuíram jornais de resistência.
Gayle Shanks, coproprietária de Changing Hands, em Phoenix, politizou a página no Facebook e usou a 'newsletter' de dezembro para escrever aos clientes sobre sua tristeza pela eleição de Trump. Mais de 50 leitores responderam-lhe com elogios. Um homem respondeu-lhe: "Cala-te e vende livros".
Para muitos livreiros, o desejo de participar num movimento de protesto é novo. Vários entrevistados por The New York Times disseram que nunca tinham tentado mobilizar os seus clientes politicamente e muitos estão, pela primeira vez, a tornar claras as suas opiniões.
É o caso de Ann Patchett, proprietária da Parnassus Books, em Nashville, que escreveu no 'site' da sua loja sobre a importância da leitura na comunidade. "Agora, mais do que nunca, os livros são importantes", afirmou.
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